Criar
é preciso
Pedro J. Bondaczuk
As
crises, dependendo da maneira como as encaramos, podem tanto nos fortalecer,
quanto nos destruir. Bem, até aí não disse nada de novo. Pelo contrário,
limitei-me a reproduzir um até surrado clichê. Não faz mal. Nem por isso deixa
de ser verdadeira essa declaração. Passamos, todos nós (e não importa a
atividade que exerçamos), em algum momento de nossas vidas, por esses apagões
mentais, por essas fases de perigo, em que tudo o que somos, temos ou fazemos,
fica ameaçado e sob questionamentos. Tais situações tendem inicialmente a fazer
soar no fundo do nosso cérebro discreto sinal de alarme, seguido da
predisposição para lutar ou correr.
Subitamente,
o medo toma conta de nós. E se não soubermos controlar esse sentimento, logo
ele se transforma em pânico. Se atendermos ao apelo do instinto e corrermos,
certamente jamais voltaremos a "nos encontrar". Passada a fase do
risco, virá o arrependimento por havermos sido pusilânimes. Dependendo da forma
e do que fugirmos, nunca mais haveremos de recuperar a autoestima.
Por
outro lado, lutar simplesmente, mas sem método, cegamente, é sintoma de
desespero, uma das formas de covardia. Costumo repetir para mim mesmo, ou para
auditórios lotados quando de minhas palestras – cada vez mais escassas – a
citação de John Kennedy, talvez (provavelmente) tomada de empréstimo de alguém,
que diz: "Grafada em chinês, a palavra crise é formada por dois
ideogramas: um significa perigo e o outro, oportunidade". Com certeza,
todos vocês já leram ou ouviram isso em algum tempo e algum lugar. Nem por isso
a afirmação perde a validade.
Mesmo
que custemos a acreditar, é nos momentos críticos, enfrentados com disciplina,
coragem e método, que nos engrandecemos. Trata-se de uma luta solitária, onde a
ajuda alheia pouco conta. Na maioria das vezes – quando conseguimos esse
"reforço" – ele mais atrapalha do que auxilia. Se a crise é de
criatividade, como todo artista, escritor e (por que não?), jornalista enfrenta
em sua atividade, verdadeiro terror dos que vivem de arte ou de textos, aí é
que os outros não podem fazer nada mesmo.
Ultimamente
venho enfrentando situação desse tipo. A mente, há não muito tempo ágil e cheia
de idéias criativas, parece entorpecida. Até textos corriqueiros, que exigem
apenas técnica, por serem praticamente mecânicos, custam a sair. Sinto soar, de
maneira estridente, a campainha indicando alarme bem no fundo do cérebro. Meu
medo ainda não se transformou em pânico, mas está bastante próximo disso. A
angústia é enorme, mas precisa ser disfarçada, para sustentar a imagem de
"durão" que criei. A mínima manifestação de fraqueza vai aterrorizar
meus filhos, que sempre viram em mim o pilar da família. Insensatamente, assumi
esse estereótipo, que agora tenho dificuldades em manter.
Tento
escrever um poema e saem apenas símbolos sem nexo, como se se tratasse de
conversa de doido. Deleto-os (pois ultimamente adquiri o hábito de compor na
telinha do computador), sem dó e nem piedade. Não quero deixar rastros de uma
fase (que aliás é recorrente), que tenho confiança que irá passar, a depor um
dia contra mim.. E se essa crise, desta vez, não passar?!!! Bem, aí estarei
ferrado. Os contos que tenho escrito têm
que ser reescritos dezenas de vezes, com resultados desastrosos. Deleto a
maioria dos originais. Não me reconheço nesses textos óbvios e insossos.
As
crônicas perderam a fluência e ficaram descaracterizadas, pela ausência do
indispensável humor. Ando mais ácido do que o normal, o que foge das minhas
características e da minha maneira de agir, em suma, do meu “estilo”, e não
somente de escrever, mas de viver. Esse Pedro, das últimas semanas, não sou eu.
Não me reconheço. Temo estar sofrendo agudo ataque de burrice. Até textos
jornalísticos, balizados pelos "leads", estão pesados, sombrios, sem
graça. Tudo o que falo, mesmo na conversa mais informal, me soa como algo
idiota. Tomara que não seja esta a impressão dos meus interlocutores.
Nem
mesmo este desabafo, este descarado “desnudamento” em público, é original.
Escrevi sobre o mesmíssimo assunto (posto que com outro enfoque) em 2010,
quando, pitorescamente, não estava atravessando nenhuma crise de criatividade
e, ao contrário, vivia um dos melhores momentos da carreira de “escrevinhador”.
Falhei em conservar os leitores que conquistei em fases melhores e de mais
brilho, em uma época em que não possuía a experiência e a maturidade de hoje.
Acabei frustrado na tentativa de lançar dois novos livros, um de ensaios (o
terceiro do gênero) e outro abordando todas as Copas do Mundo que o Brasil disputou
(no caso, todas mesmo), as que ganhou e as que perdeu. Ambos estão prontinhos,
editados e revisados, à espera da impressão. Ou, mais especificamente, de
alguma editora que aposte neles. Nenhuma se habilitou. Talvez esse tenha sido o
estopim que deflagrou a presente e avassaladora crise de criatividade.
Meu consolo é que
artistas, muito melhores do que eu, enfrentaram (e superaram) situações
parecidas, ou até piores, antes de elaborar obras definitivas, as que os
consagraram. É a certeza de que, mesmo andando na corda-bamba, vou superar esta
fase e emergir enriquecido que me dá combustível para reagir. Afinal, com crise
ou sem ela, não parei (e juro que não irei parar) de escrever, embora os textos
resultantes não passem em meu rígido e implacável controle de qualidade. Em vez
de correr do perigo, optei por enfrentá-lo (e vencê-lo, provavelmente).
William
Faulkner fez uma observação, que li por acaso hoje, que vem bem a calhar para
minha atual situação. Diz: "O fracasso faz bem à gente. Se somos bem
sucedidos durante muito tempo, alguma coisa morre, seca e sucumbimos sob nosso
próprio peso, como aconteceu a tantos impérios e dinastias". Corremos o
risco, sobretudo, daquilo que popularmente se chama de "máscara".
Julgamos-nos auto-suficientes e passamos a não dar ouvidos às críticas, que
encaramos como "mesquinhas agressões", quando de fato não são. A
partir do momento em que passamos a agir dessa forma, resvalamos fatalmente
para o ridículo e a anulação.
O
sucesso deve vir naturalmente, como decorrência de um talento autêntico e de um
trabalho estudado, suado, persistente, mas bem elaborado. Se não
vier...paciência. Pelo menos teremos tentado. Meu consolo e, sobretudo,
esperança, é que a presente crise seja a maior oportunidade que já tive para amadurecer.
Estou determinado a transformá-la nisso! Afinal, parodiando Fernando Pessoa,
“criar é preciso!!!”
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