Pedro J. Bondaczuk
A verdade, seja ela qual for ou o que se entenda que ela seja, pode nascer do erro? Os moralistas dogmáticos, do alto da sua arrogância, ou do seu fanatismo, dizem que não. Afirmam isso não com a convicção nascida do pleno conhecimento e, principalmente, da experiência, mas da sua rigidez mental, se não moral, que pode ser interpretada, até, como preguiça de pensar. Sequer se apercebem que essa postura intransigente é a mãe do atraso e fonte, se não de todos, pelo menos de boa parte dos males que afligem pessoas e, por conseqüência, comunidades e povos.
Abomino dogmas. Oponho-me à existência de temas tabus, de conceitos preestabelecidos e de idéias incontestáveis, que não possam ser submetidos a análises, e/ou a críticas, quando não desmentidos. Muita gente boa, hoje respeitada e reverenciada por todos, como Galileo Galilei Galileu ou Giordano Bruno, entre outros, foram vítimas deles. E por que? Por contestarem falsidades. Por ousarem pensar e buscar a verdade, difícil, muito difícil de identificar. Afinal, como Machado de Assis indagou, em um de seus tantos textos, complementando com a devida resposta: “O que há neste mundo que se possa dizer verdadeiramente verdadeiro? Tudo é conjetural”.
Supostas “verdades” – científicas, morais, teológicas, filosóficas, comportamentais etc. – que por muito tempo foram tidas e havidas como absolutas e indiscutíveis, acabaram desmascaradas por “rebeldes”, que ousaram pensar. E hoje, se alguém, por algum motivo, se propuser a defendê-las, certamente cairá não somente em descrédito, mas em completo ridículo.
Portanto, a resposta à questão que propus no início destas reflexões é “sim”. A verdade pode nascer do erro. Aliás, é a forma mais comum que há de se chegar a ela. Isso, claro, desde que se tente. Desde que não se eleve o que “supomos” ser verdadeiro à condição de dogma. E que não se vete, em circunstância nenhuma, sua análise e discussão. Seria até redundante citar exemplos, tantos e conhecidos que eles são, de verdades que nasceram de erros. Querem um deles? O da idéia de “geração espontânea”.
Hoje isso soa ridículo e ninguém acredita nessa bobagem, todavia, até meados do século XIX – portanto, historicamente, um tempo bastante recente, um quase ontem – cientistas reputados, tidos e havidos como “sérios”, como luminares da Biologia, acreditavam nessa fantasia. Criam, por exemplo, que vermes nasciam de trapos velhos ou coisas assim. Ridículo? Claro que sim! Foi preciso que Louis Pasteur achasse essa idéia absurda e sem sentido (como de fato é) e, com suas pesquisas e experiências, se empenhasse em comprovar o erro, e o comprovasse na prática, sem sombras de dúvidas. Daí, da sua comprovação, resultou a descoberta de vírus e bactérias, possibilitando à medicina a cura de doenças hoje tidas como simples e banais, mas que até então, não raro, eram incuráveis e letais.
Isaac Asimov – eminente bioquímico e consagrado escritor de ficção científica, falecido em 6 de abril de 1992 – escreveu, do alto da sua experiência de pesquisador e de pensador: “Um sutil pensamento errôneo pode dar lugar a uma indagação frutífera que revela verdades de grande valor”. Reitero, todavia, que para isso ser possível, não podemos ser dogmáticos ou intransigentes. E muito menos estabelecer temas tabus. E, claro, não se pode ter preguiça de pensar. Afinal, como concluiu Machado de Assis, “tudo é conjectural”. A verdade de hoje pode ser a grande mentira de amanhã e vice-versa.
Aliás, por falar no “Bruxo do Cosme Velho”, lembro-me de outra de suas tantas afirmações polêmicas, mas que, após muitas reflexões, não tenho como discordar. A avareza, como sabemos, é um defeito de caráter. Trata-se de uma espécie de “doença” da alma, listada, inclusive, pelos teólogos como um dos sete pecados capitais.
Todavia, no que ela consiste? Consiste na poupança, posto que levada a extremos, a ponto do “poupador compulsivo” deificar determinados valores materiais (dinheiro, jóias etc.). Não fosse tão extremada, essa atitude seria a mais lídima virtude. O mal, pois, está no “exagero” do ato e não nele em si.. E Machado de Assis concluiu, a respeito: “A avareza é apenas a exageração de uma virtude”. E não é?! Não se trata de defender essa atitude, óbvio, mas de colocá-la em seu devido contexto, até para evitar que venhamos a ser contaminados, um dia, por esse “vírus”.
Sei que reformar idéias preestabelecidas, cristalizadas pela tradição, é um processo penoso e, não raro, perigoso, mesmo que a intuição nos alerte que são erradas. É um processo lento, trabalhoso, que exige de nós não somente pleno conhecimento do que queremos contestar, mas capacidade de convencimento para convencer os que estão incorrendo no erro. A verdade leva tempo, muito tempo para emergir, às vezes décadas, não raro séculos, quando não milênios. E não emerge por “geração espontânea”. Alguém terá que procurá-la, comprová-la e trazê-la à luz.
Já que recorri tantas vezes a Machado de Assis, para fundamentar estas reflexões, não me custa me valer mais uma vez da sua argúcia, perspicácia e sensatez. Em uma de suas crônicas políticas, das que assinava no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, na coluna denominada “Notas semanais”, a da edição de 7 de julho de 1878 – e foi há tanto tempo que o Brasil, então, vivia ainda sob o reinado de D. Pedro II – o escritor constatou: “Nenhuma reforma se faz útil e definitiva sem padecer, primeiro, as resistências da tradição, a coligação da rotina, da preguiça e da incapacidade. É o batismo das boas idéias; é ao mesmo tempo seu purgatório”.
No conto “Eterno”, todavia, o fundador da Academia Brasileira de Letras nos lembra do senhor da razão (embora dependa de agentes que tragam à luz as verdades essenciais ao homem). Afirma: “Confio no tempo, que é um insigne alquimista. Dá-se-lhe um punhado de lodo, ele o restitui em diamantes, quando menos, em cascalho”. Não nos conformemos com o erro. Façamos dele o “estopim” para a explosão da verdade. Sejamos críticos, sim, mas, sobretudo, não nos limitemos a contestar. Saiamos à cata de comprovações do que entendemos ser correto e verdadeiro e se nos provarem que nós é que estamos errados, não tenhamos escrúpulos em mudar.
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