Pedro J. Bondaczuk
O gabinete de coalizão em Israel parece estar por um fio para cair, em virtude do incidente causado pelo ministro Ariel Sharon, da Indústria e do Comércio, que vem fazendo sucessivas críticas ao primeiro-ministro Shimon Peres, principalmente a propósito do plano de paz para o Oriente Médio do premier. Aliás, a própria duração desse governo já é algo que surpreendeu aos observadores. Afinal, ele é composto por forças políticas tão díspares como a água e o óleo. Não são passivos de uma mistura perfeita. Sempre uma das partes fica boiando.
No caso da dissolução do gabinete, que há 14 meses, quando foi criado, chegou a ser chamado de "governo de unidade nacional", quem levaria as maiores vantagens políticas? O Partido Trabalhista, do primeiro-ministro, ou o Bloco Likud, do chanceler Yitzhak Shamir? Tudo leva a crer que o primeiro. Afinal, ele cumpriu a maior parte das promessas de campanha, mesmo enfrentando os obstáculos naturais para isso. Prometeu, por exemplo, retirar as tropas israelenses do "atoleiro" libanês, que estava se transformando numa espécie de Vietnã para Israel, onde o Estado judeu despendia enormes somas em dinheiro para a manutenção de suas forças e tinha, de quebra, que enfrentar a hostilidade do povo daquele país.
Para a retirada, o premier estabeleceu, antes de tudo, um cronograma e criou condições tais que não restou a mínima conotação em quem quer que fosse de eventual fracasso na operação anterior: a da invasão do Líbano. Ao contrário, os soldados saíram normalmente, sem que fossem pressionados para isso e nem escorraçados das terras estrangeiras. A saída foi feita por etapas, resguardando-se, sobretudo, a segurança das fronteiras israelenses. Foi, portanto, uma desocupação perfeita, que apenas somou pontos a favor do primeiro-ministro.
Sua dificuldade maior junto ao eleitorado reside na questão econômica. Mesmo aí, contudo, Peres conseguiu alguns avanços. Durante um bom período, congelou preços e salários, para deter a inflação, mediante um pacto social, que acabou vigorando razoavelmente por 90 dias. Findo esse prazo o premier obteve do governo Reagan uma preciosa ajuda econômica. É claro que nem tudo é um mar de rosas na economia israelense. Mas a situação já esteve muito pior. Outro pontinho a favor de Peres, portanto.
Ao colaborar com os Estados Unidos na libertação dos 39 reféns, que estavam prisioneiros de muçulmanos xiitas em Beirute, após o seqüestro de junho passado do jato da empresa TWA, o primeiro-ministro conquistou as simpatias de amplos setores mais à esquerda do espectro político do país. É evidente que isso desagradou à direita, especialmente porque o premier ordenou a libertação de mais de 700 libaneses detidos na prisão de Atlit, perto de Haifa, para atender às exigências dos seqüestradores, mas manteve a pena para radicais judeus condenados por atos de terrorismo contra a população árabe. Todavia, esses descontentes ostentariam tal condição de uma maneira ou de outra. Doutrinariamente, seus pontos de vista jamais entrarão em acordo com os dos seguidores do Partido Trabalhista. Portanto, até aí Shimon Peres somou de novo saldo positivo em termos eleitorais.
Finalmente, até mesmo aos direitistas ele acabou fazendo concessões, ao golpear duramente a Organização para a Libertação da Palestina, ordenando o ataque à própria sede da OLP em Túnis, na Tunísia. Sabe lá o leitor o que é atravessar 2.400 quilômetros de território hostil, realizar com êxito uma operação punitiva e regressar ao país sem maiores percalços? Para os belicistas do Estado judeu, essa represália causou muito boa impressão. E o primeiro-ministro pode, também nessa áspera corrente, subtrair mais alguns preciosos votinhos.
Por essa razão, não nos surpreenderemos, em absoluto, se ainda hoje o gabinete de coalizão de 14 meses cair e o Knesset (Parlamento) for fechado, com a convocação de novas eleições. Nunca Shimon Peres esteve tão perto da sua pretensão de conseguir formar um governo exclusivamente trabalhista como agora. E bom político, como é, certamente não deixará escapar por entre os dedos esta chance.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 15 de novembro de 1985)
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