Pedro J. Bondaczuk
A caracterização de gêneros literários gera – e não é de hoje – muitas controvérsias entre críticos e estudiosos de literatura. Isso ocorre quando se trata de ficção e, no meu entender, é uma discussão bizantina. É como discutir o sexo dos anjos. Ou seja, rigorosa inutilidade, quando não imensa tolice. Ao escritor, por exemplo, pouco lhe importa se a história que narrou será rotulada de conto, de novela ou de romance. E aos leitores, muito menos. A estes importa se o texto é bem escrito e sem erros, se prende sua atenção e se satisfaz um dos motivos que levam as pessoas à leitura: ou distrair, ou informar, ou suscitar reflexões ou (o que é desejável) tudo isso simultaneamente.
Se para quem lê, o gênero literário utilizado para classificar o texto que está lendo e que prende sua atenção (e, portanto, satisfaz suas expectativas) pouco ou nada importa, para o escritor, às vezes, tem importância imensa, diria fundamental. Pode significar o ineditismo ou a divulgação plena do que escreveu. Por que? Porque algumas editoras (felizmente poucas), ainda manifestam certo preconceito em relação ao conto, argumentando ora que se trate de gênero menor, ora que não vende e vai por aí afora. Tolice, claro. Algumas limitam publicações do gênero. Outras são mais radicais ainda e, simplesmente, não publicam livros de contos. Estão no seu direito. Todavia, prestam imenso desserviço à cultura em geral e à literatura em particular.
Esses editores néscios – caso detivessem os respectivos direitos – deixariam de publicar contos de Machado de Assis, de Clarice Lispector ou de Aluísio de Azevedo? Duvido! Todavia... nunca se sabe. Abririam mão da publicação das deliciosas histórias de Ligia Fagundes Teles, Dalton Trevisan, Lima Barreto, Humberto de Campos ou Otto Lara de Resende, apenas para citar alguns dos consagrados autores nacionais? Se o fizessem (ou fizerem) estariam (ou estarão) “queimando dinheiro”, ao deixarem de ganhá-lo, face ao grande apelo popular que esses escritores têm, logicamente pelos seus inegáveis méritos literários. E todos são peritos contistas.
Houve quem tentasse estabelecer, como limite, para que determinada história fosse classificada como conto, a 7.500 palavras. As que excedessem essa cifra, seriam novelas ou, até mesmo, romance. Como essa tentativa não “colou”, esses parâmetros de extensão foram modificados. Atualmente, alguns críticos e estudiosos de literatura entendem que textos do gênero, para serem enquadrados como tal, devem conter um mínimo de 1.000 palavras e máximo de 20.000. Claro que esses limites são solenemente ignorados pelos contistas. Felizmente. Da minha parte, os ignoro. E não somente isso: os abomino, por entender que se trate de tola tentativa de se engessar a criatividade.
Há contos minimalistas, todavia completos, com começo, meio e fim, sumamente inteligentes e de bom gosto, que contêm, no máximo, cinco linhas, talvez 140 palavras (como se fossem twittes, que andam muito na moda). Há, em contrapartida, os que ocupam até 100 páginas, sem perderem sua característica e, principalmente seu interesse.
E os leitores habituais, aqueles que fazem da leitura mais do que um hábito ou quem sabe obrigação, mas um insubstituível prazer, apreciam, igualmente, tanto uns quanto outros. E não lhes importa nem um pouco, nada mesmo, se críticos literários à procura de chifres em cabeça de cavalo ou se teóricos de literatura no afã de comprovarem suas inúteis teorias os consideram ou não como contos. A eles não faz a menor diferença se o que estão lendo é conto, novela ou romance. O que lhes conta é a “qualidade” (e o interesse, claro) do texto e nada mais.
De uns cinco anos para cá, por exemplo, o chamado microconto vem se popularizando cada vez mais. Utilizando-o com perícia, o autor consegue contar não apenas cinco, ou dez ou vinte histórias em um livro, mas centenas delas. Um dos escritores que melhor utilizaram essa forma foi o já saudoso e genial Millôr Fernandes, que acaba de nos deixar para entrar de vez na posteridade. O paranaense Dalton Trevisan é outro que esbanja talento e versatilidade utilizando o mínimo de palavras. E alguém pode dizer, sem cair em ridículo, que ambos sejam maus escritores?Ou que não tenham imaginação? Ou que não saibam esgrimir peritamente com palavras para compor histórias instigantes e inteligentes? Claro que não!
Há, na literatura (e não apenas na brasileira) romances que os teóricos, (sempre eles) rotulam de “romances desmontáveis”), que são, de fato, coletâneas de contos aos quais os autores conferem unidade temática, mas cujos capítulos podem ser lidos isoladamente, por se constituírem, por si sós, em histórias completas. Um exemplo? Simples, “Vidas secas”, de Graciliano Ramos. Outro? Cito dois de uma vez, ambos de Machado de Assis: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba”. Ah, querem um exemplo do exterior? Então leiam com atenção o livro “O processo”, de Franz Kafka.
Embora minha intenção não seja a de polemizar, mas apenas a de trazer à baila algo que afeta a tantos escritores que têm no conto a sua especialidade literária (mas que não vi ainda nenhum trazer o assunto a debate), sei que minhas colocações vão gerar polêmicas em alguns círculos. Paciência! O que acho inadmissível é a tentativa, seja de quem for, de se engessar a criatividade, estabelecendo, aleatoriamente, limites ao que deve ser sempre livre e ilimitado. Ademais, nessa questão – como em todas as outras que envolvam literatura – só há e deve haver um único juiz, ao qual me submeto sempre: o leitor.
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