Pedro J. Bondaczuk
A crise na Iugoslávia, muito próxima de derivar para uma guerra civil, após a declaração unilateral de independência de duas das suas seis Repúblicas, anteontem --- a Croácia e a Eslovênia --- vem demonstrar, mais uma vez, que determinadas "soluções", ditadas de cima para baixo, em geral pelas potências, não resolvem os problemas a que se propõem resolver, mas apenas protelam conflitos.
A federação iugoslava --- qualquer pessoa medianamente informada sabe --- é um arranjo artificial que foi feito ao cabo da Primeira Guerra Mundial, em 1918, com o esfacelamento dos impérios Austro-Húngaro e Turco-Otomano, eles também colchas de retalho multiétnicas e malcosturadas.
Tanto é que não duraram. Não havia entre os povos reunidos sob bandeiras federacionistas forjadas ao acaso elos reais que os ligassem, como identidade de língua, religião, tradições e objetivos nacionais, que diferenciam o conceito de país do de nação.
Na Iugoslávia, isto existiu menos ainda. Incidentes entre as duas maiores etnias, sérvia e croata, sucederam-se de forma intermitente desde a instituição do Estado até a invasão nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Quando a já instável federação foi submetida à Alemanha de Adolf Hitler, o divisionismo ressaltou mais do que nunca.
A Croácia aceitou o papel de títere de Berlim e a temida "Ustashi" empreendeu perseguição sem trégua aos seus inimigos da Sérvia. Dezenas de milhares de pessoas foram mortas, com a forma cruel, característica dos seguidores do III Reich. Essa caçada criminosa, desumana e de triste memória certamente deixou suas marcas, que 46 anos não foram suficientes para apagar.
Daí temer-se que por maior prudência que venha a existir por parte do governo federal iugoslavo, dificilmente se conseguirá evitar uma guerra civil. As paixões, neste momento, estão exaltadas e num ponto de fervura. Nessas circunstâncias, dentro da lógica, ninguém consegue evitar dolorosas explosões de violência.
O jurista Paulo Dourado de Gusmão, em seu clássico compêndio "Introdução à Ciência do Direito", ensina: "A nação é um grupo social, vinculado por fortes laços de solidariedade social, quase fechado, unido por vínculos lingüísticos, que nem sempre são essenciais, fixado em determinado território, moldado por tradições, aspirações, consciência, mentalidade e origem comuns". Ou seja, exatamente o elo indispensável que falta a sérvios, croatas, eslovenos, bósnios, macedônios e montenegrinos.
A Iugoslávia, frise-se, está muito distante de se constituir em caso único na Europa. O "caldeirão" soviético, por exemplo, mostra-se muito mais explosivo, embora ali a decisiva hegemonia russa seja fortíssimo fator dissuasório para que Estados mais fracos façam valer seus anseios autonomistas.
Mas a Checoslováquia vive sob idêntico espectro, envolvendo boêmios e eslovacos. Mesmo na parte ocidental do continente, está viva a luta de bascos e catalãos na Espanha que, se não pretendem ser independentes, reivindicam, a poder de armas, sua autonomia.
Em nenhum desses casos, entretanto, há tamanho rancor, tanta ojeriza de um pelo outro como a profunda antipatia mútua que opõe sérvios e croatas. Está aí um primeiro e decisivo teste para o dispositivo anticrise criado na semana passada pela Conferência Sobre Segurança e Cooperação na Europa, na primeira reunião do novo Conselho de Chanceleres, realizada em Berlim. Espera-se que os europeus façam com competência seu papel de "bombeiro", não tomando partido e levando os antagonistas à mesa de negociações.
(Artigo publicado na página 21, Internacional, do Correio Popular, em 27 de junho de 1991).
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