Pedro J. Bondaczuk
A discriminação, qualquer que seja a forma em que ela se apresente, é sempre uma atitude estúpida, irracional e, sobretudo, perigosa. Não existe um parâmetro para medir os seres humanos, em sua importância, a não ser sua mortalidade. E nesse aspecto, todos se igualam: reis, príncipes, presidentes, generais, milionários e mendigos. Ainda não apareceu esse que conseguisse sobreviver ao tempo e aos desgastes naturais dos anos. E muito menos à morte.
Entretanto, e em especial em culturas mais antigas, como a européia, existem focos, que se reacendem de quando em vez, dessa infecção do espírito. Pessoas passam, então, a ser discriminadas, ou pela cor de sua pele, ou pelo seu país de origem, ou pelo credo que professam, ou pelos costumes que adotam, ou até por algum eventual defeito físico que possam ostentar, à revelia de sua vontade ou de seu muito ou pouco cuidado.
Essas erupções discriminatórias já foram causas de inúmeras desgraças no mundo. Os judeus sofreram mais com essas periódicas manifestações, até que lograssem reaver a sua própria pátria e reconquistassem seu orgulho nacional. Afinal, eles foram vítimas de um dos maiores genocídios de que se tem notícia na história contemporânea.
Mas não foram (ou não são) somente eles que passaram (ou passam) por esse dissabor. Os armênios, por exemplo, sofreram, no início do século XX, um massacre inesquecível (e raras vezes mencionado) pelos turcos, que os julgavam pretensamente inferiores. Os negros sul-africanos pagaram um duro preço, apenas porque um bando de insensatos julgou a sua personalidade baseado somente na cor da sua pele. Chegaram ao cúmulo de serem considerados estrangeiros até na terra em que nasceram e seu país possuía, até mesmo, "dois deuses" diferentes, a julgar pelo fato de que existia segregação até mesmo nas igrejas, locais pretensamente de congraçamento e de fraternidade.
A Europa, por todas as informações que vêm desse berço da civilização do Ocidente, está passando por um novo surto de racismo. E este vem, geralmente, acompanhado de odiosos sistemas que no passado deram guarida a tais malucas fantasias, como são os casos do fascismo e do nazismo, que renascem de tempos em tempos com vigor redobrado, como costuma acontecer com as ervas daninhas.
A discriminação européia atual não se volta mais contra os judeus, ou não exclusivamente contra eles. É contra povos que têm usos e costumes julgados inferiores pelos habitantes desse continente, que se esquecem que há menos de um século, eles ainda chafurdavam em idêntico atraso e indigência que hoje buscam ridicularizar.
A Paris de 150 anos atrás, por exemplo, tinha ruas que ficavam intransitáveis em época de chuva e não lembrava em nada o atual fastígio de "Cidade Luz". Londres tinha as suas principais avenidas com esgoto a céu aberto. E não era por acaso que pestes periódicas assolavam o continente, dizimando milhões de pessoas.
Hoje, por exemplo, os orgulhosos alemães (é evidente que nos referimos àqueles que fazem da discriminação uma prática diária) consideram os trabalhadores turcos como inferiores. A eles cabem, invariavelmente, as tarefas mais ingratas e sujas, que ninguém mais deseja fazer. Ou as perigosas, que põem em risco a sua integridade orgânica.
O mesmo ocorre na Grã-Bretanha, em relação aos asiáticos, na França, com os originários do Norte da África, na Noruega, com os persas e poderíamos ir desfiando um rosário sem fim de povos que agem (de maneira até inconsciente) com um ranço detestável de preconceito vazio e sem sentido.
Por qualquer parâmetro que se meça, não há um único fato que permita se classificar uma etnia como superior a outra, naquilo que as pessoas têm de fundamental: a sua capacidade de pensar. E essa verdade tão simples, cristalina e óbvia, parece ser de grande complexidade para cidadãos que se julgam muito inteligentes. Afinal, quem é superior a quem e por que?
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 9 de julho de 1986)
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