Pedro J. Bondaczuk
O chamado “julgamento do século”, que se realiza em Roma, com o objetivo de provar que houve um complô, em 1981, indiretamente comandado por Moscou, através de uma pretensa “Conexão Búlgara”, para assassinar o Papa, já no seu terceiro dia de trabalhos, está correndo sério risco: o de cair em um grotesco ridículo e se transformar na maior gafe internacional dos últimos anos, por uma série de circunstâncias.
Em primeiro lugar, o perigo do ridículo se deve a determinadas cenas, dignas de uma ópera bufa, protagonizadas, segunda-feira e anteontem, no recinto da Corte, pela principal testemunha do processo, o terrorista turco, de extrema-direita, Mehmet Ali Agca, ligado ao grupo “Lobos Cinzentos” do seu país.
Tentando simular um acesso de paranóia, com o visível objetivo de ridicularizar a Justiça italiana, esse celerado, em um gesto histriônico, chegou, mesmo, a se dizer o próprio Jesus Cristo, em vergonhoso acinte a milhões de cristãos, que têm que tolerar afrontas dessa espécie de um indivíduo imprestável para qualquer outra coisa, que não seja praticar o mal.
Pois esse Ali Agca, em cujos depoimentos o promotor Antonio Marini está baseando toda a peça acusatória, é, também, o principal réu do processo. E, é claro, está disposto a fazer, e a dizer, qualquer coisa que possa, para salvar a pele.
A segunda circunstância que pode levar o julgamento ao absoluto ridículo é a inconsistência das provas, todas circunstanciais, que buscam transformar o atentado sofrido pelo papa João Paulo II, no dia 13 de maio de 1981, na Praça de São Pedro, no Vaticano, em uma fantástica (ou fantasiosa?) e inverossímil intriga internacional, envolvendo a União Soviética.
Toda a peça acusatória contra os três búlgaros e quatro turcos, que teriam ajudado Agca a perpetrar seu ato, está baseada em uma história qu4e este contou na prisão, ao juiz Ilário Martella, encarregado das investigações do caso.
Por mais que se condene a polícia secreta soviética, a KGB (e, por extensão, toda a rede de espionagem e de guerra subterrânea de qualquer país), não se concebe que seus agentes, e principalmente seus chefes, sejam tão curtos de inteligência quanto se está procurando mostrar neste processo.
Em primeiro lugar, sendo o Papa polonês de nascimento, e simpatizante do sindicato independente Solidariedade, seria óbvio demais que sua postura com relação a essa entidade de classe trouxesse aborrecimentos a Moscou.
Se algo acontecesse ao Pontífice, na ocasião, era sumamente evidente que as suspeitas se voltariam, de imediato, contra os soviéticos. Será que os seus agentes, pintados e bordados como de uma inteligência até maquiavélica para extorquir segredos de outros países, não iriam perceber este fato e ainda assim planejar um complô contra João Paulo? E, o que é pior, fazer tudo através de prepostos, contratando, para a tarefa, um grupo de ideologia diametralmente oposta ao comunismo? É bastante improvável! E tanto, que nem aa maior adversária da KGB, a CIA norte-americana, acredita nessa hipótese.
Que houve uma conspiração para assassinar João Paulo II, é evidente e cristalino. Agca, condenado à morte na Turquia por assassinar jornalistas de esquerda, não conseguiria fugir da prisão, em seu país, sem contar com ajuda. E nem entraria tranqüilamente na Itália, com a arma do atentado, e muito menos planejaria sozinho, até que o tiro fosse disparado. Mas querer atribuir essa ação à KGB, porque isso atrairia antipatias dos cristãos do mundo inteiro contra o serviço secreto da URSS, é menosprezar a capacidade do inimigo. Ou, então, é querer sem mais realista do que o rei. Enfim...neste mundo louco, tudo é possível...Até o improvável!
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 30 de maio de 1985).
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