Sunday, July 22, 2012

Minimalista e profunda

Pedro J. Bondaczuk

Há poetas que se caracterizam por compor sempre poemas longos, alguns, não raro, perfazendo, sozinhos, um volume todo, e dos mais alentados. Em contrapartida há os que escrevem pouco, embora digam muito, como é o caso de Wilbett Oliveira, por exemplo, sobre cujos livros tive, recentemente, a oportunidade de tecer ligeiros comentários. Mas qual é o tipo de poesia da minha predileção: o extenso, detalhado, repleto de metáforas de toda a sorte, ou o sintético, o resumido, o que mais sugere do que explicita? Querem saber qual? Gosto de ambos!! Não tenho predileção especial por este ou por aquele. Desde que, claro, se trate de poesia de qualidade que ou me suscite reflexão, ou desperte a sensibilidade, ou faça as duas coisas simultaneamente. Não se trata, creiam-me, de ficar em cima do muro. Não vejo razão para esse (ou qualquer outro) tipo de competição em literatura.

Sempre que há oportunidade, gosto de discorrer sobre a obra de meus poetas preferidos e de partilhar com os leitores as impressões (e emoções) que eles despertam. É o tipo de texto que mais me agrada redigir. Nem sempre (ou quase nunca) o que escrevo nessas ocasiões se caracteriza pela objetividade. Às favas com ela! Prefiro fazer da escrita uma grande diversão e não alguma penosa tarefa a que relute em executar. Admito que nem sempre isso é possível. Mas quando é... viajo nas asas da imaginação.

Um poeta cuja obra não me canso de ler (e de escrever a respeito) é o meu amigo (já falecido) Mauro Sampaio. É um recreio para o espírito, principalmente quando ele está atormentado. E ultimamente... /bem, deixa pra lá! Seu estilo caracteriza-se pela parcimônia de palavras, colocadas com precisão cirúrgica: exatas, precisas, insubstituíveis, sem desperdícios e sem descambar para a pirotecnia ou para a "hemorragia verbal". Seus poemas, salvo exceções, têm no máximo três versos cada. Soam a aforismos, a pensamentos, a reflexões, com a parcimônia dos chineses ou dos hai-kais japoneses, embora sem a base formal desses últimos. Em alguns casos, poderiam ser gravados em mármore, como epitáfios.

Percebam a beleza (e grandeza) desse poema "Elegia", composto quando Mauro visitou o túmulo da mãe, no dia do aniversário desta:

"Não trouxe rosas.
Vim em busca do tempo na estação dos mortos.
--- Sobre este chão planto a saudade!".

É poesia pura, não é verdade? Mauro foi, além de inteligente e profundo escritor, pessoa extraordinária em todos os sentidos. Foi o protótipo do amigo perfeito, sempre presente na vida dos que, como eu, tiveram o privilégio de privar da sua amizade, e em todos os momentos e circunstâncias. Reitero as características de seus poemas, sua marca registrada na literatura: sintéticos, curtos, diretos, mas de uma sabedoria e de uma beleza sem par. Não ficam nada a dever aos poetas mais conhecidos e badalados do País.

Seus versos comovem, sensibilizam e nos fazem pensar na vida e em seus múltiplos mistérios e contradições. Confiram se não estou com a razão, lendo (como a poesia deve ser lida, ou seja, em voz alta) estes versos simultaneamente musicais e reflexivos:

Panteísmo

"Multiplica-te em pedaços,
terás a força dos ventos.
Teus braços serão mais longos
que o infinito.
Serás eterno”.

Mauro, sim, é eterno! Pelo menos mereceria ser (e creio que será) na memória e no coração dos que, como eu, tiveram a honra e a felicidade do seu enriquecedor convívio. Vejam se não tenho motivos para me entusiasmar após a leitura destes versos:

Surdina

“Invadir a alma de mansinho
e não assustar as estrelas
que iluminam a saudade”.

Saudades são temas recorrentes na poesia de Mauro Sampaio. Poderia catalogar, em sua extensa obra (se não me falha a memória, publicou dez preciosos e deliciosos livros) algumas dezenas de poemas sobre o assunto. E uma de suas características é a coerência, é a de não ser contraditório em tema algum. Algumas saudades, dessas gostosas de se sentir, por nos trazerem à lembrança momentos e pessoas inesquecíveis, à nossa revelia, findam por fugir da memória com o passar do tempo. Este, por sua vez, é um santo remédio da alma para os desgostos, dores e decepções. Mauro Sampaio expressou, com rara beleza, essa situação, neste curto, porém sensível, poema:

Transitório

“Como são frágeis
as eternas saudades!
Bem-aventurado o Tempo!”

Ou nestes, cujo título me foge:

“O tempo te levará à solidão
de tuas apagadas certezas.
Em teu colo
sobrarão as flores de tua saudade”.

Em meu livro "Por uma Nova Utopia", dedico um capítulo inteiro ao amigo. E não lhe fiz nenhum favor. Mereceria mais, muito mais do que isso. Mas cito seus versos límpidos, cristalinos, cirúrgicos, em vários outros capítulos. Reproduzo, dele, alguns versos. Como estes:

Fidelidade:

"Amada! neste final de inverno,
onde buscar rosas
senão em nossas mãos entrelaçadas?!".

Ou estes:

Prelúdio

"Nada me alegra mais
que a incapacidade graciosa
do teu amor ainda hesitante!".

Ou ainda estes:

Real

“Antes de ser
sou o que sente a alegria de viver.
Nem quero mais que a realidade do existir!".

Ou, então, estes:

Recado

"Eu não precisaria dos pássaros,
nem das flores, nem dos sonhos,
se estivesses aqui!".
Ou estes outros:

Forte

"O amor
descobre o segredo das pedras
sem o rumor das palavras!".

A partilha – quer seja dos nossos bens, quer das nossas idéias e das nossas convicções, quer da nossa felicidade – só é bem-sucedida, e rende frutos, quando feita de coração aberto. Temos que estar, antes de tudo, em paz, de bem conosco e, por extensão, com o mundo. Mágoas, rancores e sentimentos de revanche e de vingança, que nos envenenam o espírito e impedem que vejamos o lado nobre, sublime e bonito da vida, têm que ser deixados de lado, já que nada nos acrescentam (e nem a ninguém). Apenas nos distorcem a visão positiva da vida.

Mauro Sampaio disse isso de uma forma muito mais competente e bela, posto que poética, com a qual encerro estas reflexões, escritas com alegria e deleite, como gostaria que todos os textos que escrevo pudessem ser. Constatou:

“É fácil partir o pão,
estando vazio o cálice da amargura”.

Nunca é necessário que ele esteja cheio. Benditos, portanto, os poetas que enxergam além das meras aparências!

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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