Pedro J. Bondaczuk
O poeta e ensaísta mexicano Octávio Paz destacou-se, na vida pública, não apenas como escritor, e dos mais criativos e competentes, amplamente reconhecido nos círculos literários mundiais, reconhecimento este que culminou com o Prêmio Nobel de Literatura de 1990. Formado em Direito pela Universidade Nacional Autônoma do México, ingressou, em 1945, no serviço diplomático do seu país, o que lhe possibilitou conhecer de perto outros povos, outras culturas, outros costumes e formar sólida consciência política, acima de tudo prática, muito além da mera teoria ou do dogmatismo ideológico.
Essa experiência ele trouxe para a literatura, pois fundamentou a maior parte dos seus ensaios, lúcidos, originais e notáveis, posto que polêmicos. Ao contrário de muitos intelectuais, mundo afora, Octávio Paz não se refugiou em uma “torre de marfim”, alheio à realidade política e social do seu (e do nosso) tempo. Muito pelo contrário. Tornou-se voz respeitável, ouvida pelos políticos dos mais diversos matizes ideológicos, mesmo que não acatada. Mas... esta é uma outra história. Foi, sobretudo, um democrata convicto e até visceral. Mas, ao contrário de muitos teóricos, considerava liberdade e democracia, se não sinônimas, condições equivalentes e intimamente vinculadas. Entendia que uma jamais pode existir sem a outra. E pode? Claro que não! Todavia há muita gente que entende que sim.
Para Octávio Paz a democracia é o único caminho para acabar com as desigualdades econômicas e sociais na América Latina, marcada, na maior parte da sua história, pelo caudilhismo, por ditaduras cruéis e sangrentas que apenas mascararam suas injustiças e aprofundaram o já profundo abismo entre as classes, acentuando e perpetuando contradições e, sobretudo, atraso. Em um ensaio, publicado, se não me falha a memória, em fins dos anos 80 pelo “Jornal da Tarde” de São Paulo, expressou seu entusiasmo e otimismo em relação ao que ocorria em nossa região. Naquela oportunidade, apenas três países latino-americanos contavam, ainda, com governos não escolhidos pelo povo: Cuba, Panamá e Haiti.
Os demais, ou estavam plenamente redemocratizados ou seus processos de redemocratização estavam em pleno andamento, fato raro em nossa região. Octávio Paz escreveu a propósito: “Vivemos, na América Latina, a hora da alvorada. Amanhece em nossas terras algo que vale mais do que o poder, a riqueza ou a glória: algo que a nossa história, salvo em momentos isolados, nos negou cruelmente: a convivência pacífica na liberdade”. O escritor e diplomata só via um caminho, um único para o mundo ser um lugar minimamente habitável, e não este inferno de violência, dores, injustiças, corrupção etc.: “Se não erigirmos, ou recuperarmos, ou mantivermos uma sociedade democrática, o mundo se tornará, realmente, inabitável”.
Antes, em 1984, havia acentuado, em lúcido texto publicado no livro “Ensaios sobre arte e literatura”: “Se a liberdade e a democracia não são termos equivalentes, são complementares. Sem liberdade, a democracia é despotismo, a democracia sem liberdade é uma ilusão”. Octávio Paz, ao contrário de muitos intelectuais, não fantasiava o futuro e nem pregava um otimismo alienado e alienante. Punha-o na devida perspectiva e encarava-o mais com preocupação do que com esperança. Sabia que ele só existiria – para as pessoas e, por extensão, para a humanidade –, se fosse “construído”. Ou seja, mediante ações positivas e construtivas, baseadas na justiça e na solidariedade.
Entendia que, se o homem dominar seus demônios interiores, neutralizar o instinto de destruição e usar adequadamente o magnífico potencial do cérebro para construir uma sociedade justa e solidária, poderá, de fato, concretizar as tão sonhadas utopias, a Idade de Ouro tão idealizada no curso da história. Em caso contrário... Octávio Paz advertiu a esse propósito: “O futuro que nos aguarda pode muito bem não ser o lugar de uma perfeição almejada por nós, mas sim a eclosão de catástrofes: a explosão populacional, a poluição, as catástrofes políticas, a física moderna com seu arsenal nuclear, a destruição antiecológica de todos os recursos da Terra que permitam a vida nela. A sociedade, diante da hecatombe atômica, não pode crer muito no futuro”. E pode?
Por isso, Octávio Paz recomenda que mantenhamos sempre os pés no chão em relação às projeções para o amanhã: “Cada civilização se distingue pela sua visão do tempo. Nas civilizações passadas se identifica qualquer tempo passado como melhor do que o atual. Ele é a Idade de Ouro que perdemos. A Idade Moderna, ao contrário, decidiu baixar o céu até a terra e instaurou o futuro como algo melhor, o progresso como uma coisa superior, o hoje como melhor que o ontem etc. Mas o futuro é inabitável, porque nos é inacessível”.
Por isso, recomenda que estejamos atentos principalmente ao aqui e agora, aos nossos atos de hoje que certamente trarão conseqüências no amanhã. O presente é real, concreto, palpável e não feito de sonhos, desejos e fantasias (embora nada impeça que os tenhamos também). “Saber que somos mortais, nos leva a indagar: que futuro melhor nos espera? A ameaça da aniquilação do mundo deu novo e redobrado valor à hora presente. A presença é um novo erotismo fundado, não na eternidade, mas no aqui e no agora”. Pessimista? Não! Apenas nua e cruamente realista.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment