Pedro J. Bondaczuk
A incerteza é a grande característica da vida. Tudo é uma grande incógnita. Embora não venhamos a nos dar conta, tudo em nós e ao nosso redor é incerto, inexplicável, surpreendente e misterioso. Achamos que a ciência – a Física, a Química, a Astronomia, a Biologia, a Filosofia etc. – explica tudo: o que somos, onde estamos, de onde viemos, para onde vamos, qual a finalidade de nossa curta passagem pelo mundo e tantas e tantas outras questões que tentamos responder desde que tomamos consciência de que existimos. De uma forma ou de outra, tudo isso se constitui na matéria-prima da nossa atividade, no caso, a literatura. Mas temos, mesmo, certeza de alguma coisa? Podemos ter?
Concordo com Jorge Luís Borges quando afirma que “a dúvida é um dos nomes da inteligência”. Ou seja, da capacidade de entender. As certezas só podem advir do que temos condições de comprovar. E há forma de comprovação dessas questões básicas que envolvem a vida, o mundo, o universo, o tempo, o espaço etc. que citei? Qual? É nossa ciência, que não passa de um conjunto de especulações, que estabelece “leis” que invariavelmente são derrubadas por novas descobertas, ou novas teorias? É a nossa filosofia, que anda em círculos face às principais e primitivas questões e que, sem perceber, sempre retorna ao ponto de partida quando tenta explicar o que somos, onde estamos, de onde viemos, para onde vamos e qual a finalidade da nossa curta passagem pelo mundo? Claro que não. O que prevalece sempre, geração após geração, é a incerteza, “um dos nomes da inteligência”.
Nossa vida é curta, curtíssima; é breve, brevíssima; é como um raio, um quase imperceptível lampejo de luz, entre duas eternidades de trevas, notadamente quando tomamos o tempo universal (contado aos bilhões) como parâmetro. Pode ser comparada, metaforicamente, a uma ligeira observação inserida entre dois parênteses em determinada sentença. Se pertinente ou não, se valiosa ou inútil, se explicativa ou obscura, dependerá só de nós e não exatamente das nossas ações (que desconfio, tenham influência ínfima), mas dos valores que cultivarmos e dos pensamentos e obras que criarmos. Ou seja, do significado que quisermos que a vida (especialmente a nossa) tenha.
Por mais que se queira, não há como fugir dessa incômoda realidade. A única certeza, certeza mesmo, sem a mais remota sombra de dúvida, que podemos ter (e que temos) é que um dia iremos morrer. Isso é certo, certíssimo. Mas vem acompanhado, também, de um conjunto de incertezas, tais como quando se dará nossa extinção, de que forma, teremos ou não consciência desse evento, haverá um depois? E as dúvidas, impossíveis de serem esclarecidas, se multiplicam.
Octávio Paz, escritor mexicano, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, tratou desse tema, nestes versos do poema “Certeza”:
“Se é real a luz branca
desta lâmpada, real
a mão que escreve?são reais
os olhos que vêem o escrito?
De uma palavra a outra
o que digo se desvanece.
Eu sei que estou vivo
entre dois parênteses”.
A maior tortura que temos, provavelmente, na vida é a incerteza consciente (inconsciente as temos ad infinito, como destaquei), seja lá do que for. Todavia, reitero: ela é a grande característica dessa aventura magnífica, que é a possibilidade de viver. Nunca estamos absolutamente certos de “quase” nada (e grafo esse “quase” para não ser dogmático e não afirmar que não temos certeza de nada mesmo). Não temos, por exemplo, certeza de que a profissão que escolhemos é a mais adequada, de que a decisão (qualquer delas) que tomamos é a correta, de que o amor que dedicamos a alguém é plenamente correspondido e nos fará felizes e realizados e vai por aí afora.
No caso dos relacionamentos, a prova de que nunca estamos seguros da plena correspondência é o sentimento do ciúme, que todos temos em algum momento, posto que em intensidades variáveis, de acordo com nossa formação e personalidade. Certeza, certeza mesmo, só tenho duas: a da existência, imanência, transcendência e eternidade de Deus (e mesmo esta é ditada exclusivamente pela fé) e de que um dia, que não sei quando e nem como, vou morrer. No mais... Tudo é incerto e sujeito a especulações e a mutáveis opiniões.
Em plano mais amplo, a incerteza também é a tônica. O que é tido como certo e comprovado, num determinado tempo, é totalmente alterado, em outro. No Século XVI, quem dissesse que a Terra era redonda e orbitava o Sol (e não o contrário), seria tido como insano, se não como herege. Galileo Galilei Galileu que o diga. Pagou duríssimo preço por afirmar o contrário do que era dogma da Igreja.
Nosso conhecimento sobre o mundo que nos cerca, insisto, embora achemos que seja extraordinário, é ínfimo, ridículo, pífio, diante do que há, ainda, por aprender. Imaginem em relação ao universo! Portanto, convém não sofrer em demasia com as incertezas. É prudente, sobretudo, não as transformar em “doenças do espírito”. Haveremos de conviver com elas – múltiplas, variáveis, intensas ou fracas – enquanto vivermos. Morris West escreveu, a respeito, no romance “O Verão do Lobo Vermelho”: “O povo precisa de certezas. Até a certeza de morrer é uma ajuda para muitos. A doença do espírito é uma doença de desconhecimento e incerteza”.
Tudo o que nos cerca é incerto, duvidoso, passivo de comprovação. E quando comprovamos alguma coisa, a prova nunca é cabal, irretorquível, absolutamente convincente, sem nenhum aspecto obscuro carente de maior esclarecimento. Qual é a fonte dessa nossa compulsória incerteza? É, sem dúvida, o desconhecimento. Fôssemos oniscientes, não haveria o mínimo espaço para o duvidoso, o misterioso e o incerto. Todavia... não somos assim.
A ciência (ou o que entendemos como tal) ainda é muito rudimentar para nos dar já não digo todas as respostas, mas pelo menos as mais elementares e comezinhas. A todo o momento, conceitos tidos e havidos como verdadeiros, não raro alçados à condição de dogmas imutáveis, são derrubados e substituídos por novas descobertas ou novas conjecturas. Até meados do século XIX, por exemplo, vírus e bactérias eram desconhecidos e as pessoas acreditavam sem pestanejar na “geração espontânea”. Foi preciso o trabalho paciente (e competente) de um Louis Pasteur para demonstrar que isso era absurdo.
Para nós, que vivemos de escrever, é interessante que haja tanta incerteza (ademais, mesmo que não fosse, estas existiriam à nossa revelia, a despeito de nós). Elas são, mesmo que não percebamos ou não admitamos, a fonte de inspiração do nosso mister. E criar, seja obras de que natureza ou gênero for, é o que nos faz felizes. Borges disse isso de outra forma: “Para todo escritor de verdade, a felicidade consiste em escrever porque isso representa a matéria-prima sem a qual ele não pode considerar-se vivo”. Pelo menos comigo, isso é assim. E, como o leitor vê, estou em excelente companhia (melhor impossível).
Por isso, por amar de tal sorte a literatura, nem me aborreço tanto com o que deveria me aborrecer demais. Calma! Não me interpretem mal. Não sou nenhum monge tibetano, nem rival de Jó e muito menos masoquista para delirar e entrar em êxtase com eventuais sofrimentos. Ocorre que concordo com a constatação de Jorge Luís Borges de que “tudo o que nos acontece, mesmo as humilhações, as desventuras, as vergonhas, tudo nos é dado como material, ou como argila, para que modelemos nossa arte”. É o caso de levarmos à prática o dito popular que diz que “se nos atirarem limões, a atitude mais sábia a tomar é a de fazer com eles saborosa e refrescante limonada”.
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