Pedro J. Bondaczuk
A participação ou não do artista e, por extensão, do escritor nos problemas políticos e sociais que envolvem determinada comunidade, não importa qual, é, há tempos, questionada. Uns defendem-na ferrenhamente, entendendo que quem lida com arte não tem o direito de se omitir por se tratar, antes e acima de tudo, de cidadão, que tem, como os demais, seu papel a exercer na sociedade, com direitos e deveres. Outros, em contrapartida, são contrários, entendendo que a obra de arte não é veículo adequado para esse mister. Argumentam que há formas específicas para esse exercício de cidadania. Há argumentos sólidos, portanto, a favor e contra as duas teses. Da minha parte, fico no meio. Ou seja, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Tudo depende das circunstâncias.
Especialmente no que se refere à poesia, muitos acham que o gênero não pode se prender, e nem se prestar, à exploração de nenhuma temática fixa. Quem se vale dele não deve estar engajado em qualquer ideologia específica e nem defender linhas de pensamento de nenhuma espécie. Estes se esquecem de poetas (e que poetas!) como Castro Alves e seus libelos contra a escravidão e de Bertholt Brecht e seus poemas de denúncia contra a exploração do homem pelo homem, entre outros. O argumento dos que defendem essa postura é o de que, se o escritor o fizer, ou seja, se se “engajar”, comprometerá a principal característica da poesia (e de todo tipo de arte): a espontaneidade. Note-se que o não “dever” não significa não “poder”.
Mas até aí concordo. A arte não deve servir de instrumento de propaganda. Todavia, concordo apenas em parte. Por que? Porque a imposição desse veto (ou de qualquer outro) será, também, óbvia supressão da liberdade de escolha do artista. E isso é intolerável. Entendo que cabe a ele, e exclusivamente a ele, a opção pelo tema que deseja desenvolver e a respectiva forma de explorá-lo. Volto a chamar a atenção que o não “dever” não é a mesma coisa que o não “poder”.
O julgamento recairá (ou pelo menos deve recair) somente sobre o “resultado” do que o artista vier a produzir. E o árbitro na questão não pode (e nem deve) ser o crítico, ou outro artista, ou outro agente qualquer, e muito menos alguém ligado a determinado governo ou instituição, (seja ela política ou religiosa ou de qualquer outra natureza) para não caracterizar censura, esta sim inimiga mortal da arte e de toda manifestação inteligente e livre de pensamento e opinião.
Todos se lembram, certamente, dos apuros do escritor indiano, naturalizado britânico, Salman Rushdie, condenado à morte pelo aiatolá Ruhollah Khomeini por seu romance “Versículos satânicos”, considerado ofensivo à religião muçulmana. Ele teve que se esconder por muito tempo para não ser morto. Felizmente, o pior não lhe aconteceu. Mas... Por isso o árbitro do que quer ler ou não (ou ver, ou ouvir quando forem os casos) tem que ser apenas o consumidor (e, no nosso caso, no da literatura, exclusivamente o leitor e mais ninguém). Só a ele e a mais ninguém cabe decidir o que quer e o que não quer adquirir.
Os que defendem a imposição de regras, de vetos e até de temas obrigatórios a serem desenvolvidos argumentam que há artistas que confundem liberdade de expressão e, principalmente, espontaneidade, com chulice, escatologia, pornografia e tantas e tantas outras distorções comportamentais, quando não mentais. E daí? Suas obras são de mau gosto? São prejudiciais à moral e aos bons costumes? São apologia das mais baixas sensações e emoções humanas? Não as consuma!!! Arte e moral são condições distintas. Nenhuma obra de arte é imoral (ou moral). Se o for, não será arte. Entra-se, aí, em outro departamento.
Aliás, nestes casos, é duvidoso, até, que obras chulas, escatológicas ou pornográficas cheguem ao público. E não por causa de censura (pelo menos não deveria ser). Caso se trate de livro, por exemplo, dificilmente o escritor que agir assim, com tamanho mau gosto, encontrará editores. E, se encontrar, provavelmente não contará com quem se disponha a vendê-lo. E se contar, o mais provável é que não tenha compradores. E se tiver... Bem, aí a opção será de quem é o único que deve tomar esse tipo de decisão. Se resolveu comprar o que não presta, que arque com as conseqüências. Não terá do que reclamar. Cada qual sabe (ou deveria saber) de si, sem necessidade de tutela.
Há poetas, por exemplo, que entendem que só é poesia aquela que se abstrai da realidade. Entendo que estão equivocados, embora respeite essa posição. São os jocosamente chamados de “nefelibatas”. Ou seja, os que se ausentam do mundo dos mortais, guardando a máxima distância possível das asperezas, feiúras e patifarias do dia a dia, como se fossem seres iluminados, bafejados pelos deuses, que não querem “sujar os pés” nas agruras da realidade.
É opção que fazem. Paciência! E é tão válida como qualquer outra. Ah, você não gosta desse tipo de poesia? Não a consuma!!! Ninguém o obriga. Mas não impeça quem faz essa opção de agir dessa maneira. Dependendo das circunstâncias e do momento, até aprecio poemas assim, desde que bem escritos. Há espaço para todos os temas, todos os gostos, todas as formas e todas as escolhas. Por que não? Entendo que nenhuma é melhor ou pior do que a outra. São, apenas, diferentes. Cabe ao “consumidor” escolher a que preferir ou a que melhor lhe convier.
Claro que o artista, ao projetar e executar sua obra, tem que ter em mente que não faz arte para si, para seu único e exclusivo deleite. Convenhamos, não adianta o sujeito ser gênio se os outros não o reconhecerem como tal. Se não for reconhecido e posar como se sua genialidade fosse consensual, fará, óbvio, papel ridículo, de tolo. Ficará exposto à galhofa dos basbaques. No consenso geral, será tido e havido por louco, a falar sozinho. “Nenhum homem é uma ilha...”. Ninguém vive em Olimpos ideais e nem se alimenta de néctar ou da ambrosia dos deuses. Nenhum artista produz obras de arte apenas para o próprio deleite.
Claro que seria excelente podermos freqüentar “torres de marfim”, quando não se encerrar em definitivo numa delas. Creio que não haja um só artista ou intelectual que não tenha tido algum dia (eu tenho-o a todo o momento) esse sonho. Mas... Seria muito bom podermos curtir arte pela arte, sabedoria pela sabedoria, sem atentar para aspectos, digamos, pragmáticos.
Meu saudoso professor e amigo, Francisco Isolino Siqueira, citou esse desejo em uma de suas inspiradas crônicas, em que escreveu: "Admiro o conhecimento pelo conhecimento – aquela filosofia pura, que nos mantém na torre de marfim da meditação, atitude de espírito que faz falta à humanidade. Mas que pode ser adotada se e quando satisfeito lhe estiver o próprio estômago”.
Pois é, como tudo o que é ideal, esse gozo estético e intelectual também tem suas condições. E que condições! Antes temos que satisfazer essa carcaça que dá sustentação e vida ao espírito: o corpo. Se este estiver sadio e fortalecido, aquele também estará. A fome física é prioritária, gostemos ou não. As coisas são como são e não, infelizmente, como gostaríamos que fossem. A fome física (a satisfação do estômago) é a que não pode deixar de ser saciada, sob pena de morrermos de inanição. Já a espiritual é a “sobremesa” dessa fundamental refeição. Voltarei ao tema e prometo ser mais objetivo.
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