Pedro J. Bondaczuk
O artista é o sujeito que lança mão da imaginação, embora não apenas dela, para criar obras nascidas, não raro, exclusivamente da sua fantasia. É isso o que o distingue do “curioso” ou do mero diletante. Pressupõe-se que domine as técnicas da sua arte (cada uma delas tem as suas) – o pintor, as de pintura; o escultor da escultura, o ator as de representação; o escritor as da escrita etc.etc.etc. – porquanto, sem esse domínio, sequer poderia ostentar essa condição. Não há, pois, novidade nenhuma nessa constatação. Trata-se do óbvio do óbvio.
Não há artista, todavia, que seja genial o tempo todo. Aliás, esses rasgos de genialidade são exceções (posto que bem vindas) e não a regra e constituem raridades. E não é somente ele que não é eficiente o tempo todo. Ninguém, seja qual for sua atividade ou seu grau de preparo, o é. Antes fôssemos sempre criativos, sábios, obstinados, perspicazes e geniais. Não somos. Diria: infelizmente. Não somos máquinas para apresentar rendimento uniforme. Ademais, nem mesmo estas apresentam perpétua uniformidade, pois, volta e meia, têm defeitos e sofrem avarias de toda a sorte (ou por falhas de fabricação, ou por uso inadequado ou por ambos motivos), não raro irreparáveis.
Esse preâmbulo destina-se a introduzir um assunto referente a uma situação mais comum e corriqueira do que se pensa, verdadeiro tormento para alguns (diria, para muitos) que, em graus diferentes de intensidade e durabilidade, afeta todas as pessoas, indistintamente, cada qual em suas respectivas atividades. Refiro-me às chamadas “crises de criatividade”. Meu foco será, claro, o meu métier, a minha arte, inclusive a razão de ser deste espaço: o de escritor. Mas todo artista algum dia se viu às voltas (ou se ainda não se viu, certamente se verá em algum momento) com esse “fantasma”.
Veja, leitor amigo, se você não se identifica de alguma maneira com a seguinte situação: Você é um redator experiente, com anos de “janela”, que domina muito bem o seu idioma e, não raro, três ou quatro outros. Seus textos são apreciados e elogiados pela correção, originalidade e criatividade. Contudo, lá um certo dia, você senta-se à frente do seu computador para redigir, digamos, uma crônica, para algum jornal, ou revista ou mesmo blog que a tenha encomendado. Todavia, ao contrário de tantas outras ocasiões, não lhe vem à mente nenhuma idéia para ser desenvolvida. Olha, por vários minutos, para a telinha em branco, e nada. Levanta-se, dá uma volta, toma um cafezinho na cozinha, e volta para encarar a tarefa.
Até inicia o texto. A abertura, contudo, não o convence. Deleta tudo e tenta outra vez. Nada. Lá pela quarta ou quinta tentativa, desiste momentaneamente da tarefa e deixa para mais tarde, correndo o risco de atrasar a entrega da sua crônica. Sai de casa, passa no banco, faz compras numa loja e volta, disposto a cumprir de vez o compromisso. Liga o computador, esfrega as mãos e pensa: “agora vai”. Mas... não vai. Tenta várias aberturas para o texto e nada. Nenhuma o convence. Sente que a cabeça está vazia, ou que assim lhe parece.
Se isso ocorre apenas naquele dia, não há motivos para preocupações. Mas se a mesma falta de idéias persiste por dois, três, cinco dias ou uma semana, você está às voltas com o terror de todo artista: a crise de criatividade. Pintores, atores, compositores etc. passaram ou passam por idênticas situações. Se você não tem compromisso com ninguém, se escreve, apenas, por prazer ou por diletantismo, não terá maiores problemas. Basta dar um tempo, que essa falta de idéias (ou de autoconfiança) passará naturalmente. Há quem passe por isso e sequer identifique essa dificuldade como “crise” e muito menos de criatividade.
Mas, e se você for, digamos, jornalista, com a responsabilidade de escrever um artigo (ou editorial, ou crônica não importa) diário? Aí, amigo, não tem jeito. Escreva o que lhe vier à cabeça para ver o resultado depois. E torça para que seu texto não saia ridículo e, pior, não contenha erros ostensivos, desses que chamam a atenção ao simples olhar. É isso ou a perda do emprego. Não há outra alternativa. E, creia, isso acontece com muito mais freqüência do que se supõe. Não vem a público porque quem passa por essas crises não abre o jogo e não revela o fato para ninguém. O curioso é que, não raro, aquele artigo (ou crônica, ou editorial) que lhe pareceu vazio e sem graça, é exatamente o mais apreciado pelos leitores e o mais elogiado pelos seus superiores hierárquicos de todos os que você escreveu. Nesse caso, você terá que enfrentar a crise de criatividade a seco, queira ou não. Não há fuga possível.
Há meios de se livrar dela rapidamente? Não sei! Quando essa situação acontece comigo (que tenho o compromisso diário de redigir não um texto, mas, em média, três), recorro a alguns expedientes que, para mim, funcionam. Não posso jurar que funcionem com todos. Presumo que sim. Primeiro, “roubo” algumas horas do meu descanso e lazer para ler mais do que leio de costume. Insisto em escrever textos que não requerem muita habilidade (se não a de expor o que quero com clareza), como bilhetes para a empregada, para a esposa ou para os amigos. E atualizo a correspondência, atualização essa que poderia esperar, redigindo e-mails até para pessoas que pouco conheço. Isso devolve-me um pouco da autoconfiança perdida ou mesmo abalada.
Mas aquela sensação desagradável, de que perdi o jeito de escrever e aquele medo de nunca mais recuperar essa habilidade, persiste, e por vários dias. Felizmente, essas minhas crises de criatividade, embora relativamente freqüentes (umas três ou quatro por ano) são de pouca duração. Nunca chegaram a persistir por um mês. Houve anos, inclusive (como o de 2010) em que não tive nenhuma.
Mas conheço pessoa, com três (excelentes) livros publicados, que nunca se recuperou de uma fase aziaga como essa. Desistiu da literatura. Provavelmente é sensível demais, ou tão vaidosa que não resiste à mínima crítica e, pior, com senso de autocrítica exacerbado, muito além do normal e desejável. Mas a principal causa que detecto, nessa desistência, é o medo de tentar de novo. É a falta de persistência.
Bem, não posso falar com propriedade dos problemas que afetam os outros, por não conhecer a fundo nem seu preparo, nem seu talento, nem sua personalidade e muito menos suas circunstâncias. Daí preferir escrever sempre na primeira pessoa (embora essa minha característica desagrade a muitos, que vêem nela apenas manifestação de vaidade e não bom senso e humildade, que de fato é). Afinal, minhas experiências eu conheço. E embora desconfie que sejam parecidas, Ou semelhantes, ou idênticas, se não iguais às de todo o mundo, não tenho certeza disso. E, pelo sim ou pelo não... opto sempre pelo conhecido. Ou que, pelo menos, julgo conhecer.
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