Prolífico e profundo
Pedro J. Bondaczuk
A obra literária do escritor Octávio Paz é não somente prolífica (publicou mais de vinte livros apenas de poesia, além de outros 25 de ensaios, sem contar a infinidade de textos publicados em jornais e revistas mundo afora), mas, sobretudo, profunda e até transcendente. Creiam-me, não exagero. Sua importância para a literatura mundial é incomensurável. Analisá-la requer tempo (pela quantidade) e perícia para dar o devido valor não só ao seu estilo claro e fluente, mas, e principalmente, à relevância das idéias que abordou. Esse segundo fator, aliás, requer do analista erudição e nível de informação que talvez eu não tenha. Tentarei, no entanto, apontar alguns dos seus pontos mais fortes, em princípio no que costumo chamar de “arte de poetar”, posto que resumidamente.
Embora eu seja apaixonado pelo seu texto, tanto em verso quanto em prosa, Octávio Paz se notabilizou, mesmo, pelo trabalho prático (e também teórico) no campo da poesia moderna e de vanguarda. Por isso, não vejo nenhum exagero por parte dos que o consideram um dos maiores escritores do século XX. E vou mais longe, não apenas desse período, mas de todos os tempos. Exagero? Não! Exagerado (e injusto) seria não lhe conceder esse reconhecimento. Octávio Paz é considerado um dos grandes poetas hispânicos de todos os tempos. Sua influência em toda uma geração de poetas ainda está por ser catalogada, tamanha que foi (e que é). Mas, certamente, foi imensa e permanente.
É verdade que Octávio Paz teve seus méritos literários reconhecidos. Recebeu, em 1990, a que é considerada a maior premiação que existe para escritores: o Prêmio Nobel de Literatura. Mas tardou para isso acontecer. Por anos a fio, foi considerado candidato natural e constante à honraria. E quando tudo levava a crer que seria mais um dos integrantes da extensa (extensíssima) galeria dos injustiçados do Nobel – ao lado de escritores como Jorge Luiz Borges, Carlos Drummond de Andrade, Juan Rulfo, Júlio Cortazar, Manuel Puig e Jorge Amado, entre tantos e tantos e tantos outros merecedores do cobiçado prêmio – a academia sueca finalmente se rendeu à lógica (principalmente, à qualidade) e, ao menos nesse caso, se redimiu.
Essa “redenção” deu um passo a mais em 2010, quando o júri responsável pela atribuição dessa premiação finalmente premiou o peruano Mário Vargas Llosa. Todavia, como o Nobel não é póstumo e é atribuído, apenas, a escritores vivos e em atividade, a maioria dos injustiçados permanecerá para sempre nessa condição. Há erros que não se corrigem. E este, da Academia Sueca, é um deles. Felizmente, seus membros evitaram vexame ainda maior, premiando Octávio Paz, seis anos antes da sua morte.
Escrever sobre poetas, sem reproduzir alguns de seus poemas, esvazia o texto, por melhor e mais fundamentado que seja. Nada é mais enfático e representativo, a propósito de um escritor, do que aquilo que ele escreveu. Trata-se de avaliação prática, tarefa que deve ser entregue (sempre) ao supremo árbitro da literatura, o leitor, sem, portanto, o vezo teórico e não raro incompreensível ao leigo dos especialistas.
Todavia, no caso de Octávio Paz, é justamente aí que reside a grande dificuldade. Como eleger um, ou cinco, ou dez de seus melhores poemas, se ele escreveu tantos? Afinal, só de poesia, ele publicou mais de vinte livros!! Sem contar os textos esparsos, publicados somente em jornais e revistas. Minha escolha, portanto, foi aleatória. Não me preocupei se este é melhor do que aquele e vice-versa. Até porque, esse tipo de avaliação é rigorosamente subjetivo. Selecionei os poemas a esmo. Posso ter sido feliz na seleção como posso, também (o que é o mais provável) ter deixado de lado versos magistrais. Paciência! Culpa deste redator.
O objetivo foi única e exclusivamente o de exemplificar, sem análises ou avaliações. Reitero que a escolha foi aleatória, embora eu tenha lido centenas de seus poemas antes de separar os quatro que trago à sua apreciação. Talvez o subconsciente tenha determinado o que escolher. Talvez... O primeiro desses poemas é o que reproduzo abaixo:
Irmandade
“Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra”.
Genial, vocês não acham? Simples, direto, fluente e coloquial e, ainda assim, de imensa profundidade, expressa nas entrelinhas. É o típico poema não somente para meditar, mas, principalmente, para ser “sentido”. É visceral! O segundo que selecionei não é menos genial. Destaca-se pela riqueza e originalidade das metáforas. Diz:
Teus Olhos
“Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento, mar sem ondas,
pássaros presos, douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro
duma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo, portas do além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
universo que estremece,
paisagem solitária”.
É, como se vê, um poema forte, vibrante, desses de tirarem o fôlego quando lidos em voz alta, com a devida entonação. E não se trata de composição isolada. Octávio Paz compôs centenas e centenas de outros com idêntica qualidade e grandeza, se não superiores até. Exemplo? Este poema seguinte que trago à sua apreciação:
Silêncio
“Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem”.
Valorizo o silêncio, assim como Octávio Paz, porquanto, não raro, ele é mais eloqüente do que grandiosos discursos, compostos por bombásticas palavras. E é silenciosamente que absorvo esses versos modelares, que dispensam comentários. Encerro estas reflexões em grande estilo, calando-me e deixando que um gênio da poesia fale por mim:
Destino do poeta
“Palavras? Sim. De ar
e perdidas no ar.
Deixa que eu me perca entre palavras,
deixa que eu seja o ar entre esses lábios,
um sopro erramundo sem contornos,
breve aroma que no ar se desvanece.
Também a luz em si mesma se perde”.
Voltarei a tratar, como prometi, de Octávio Paz, posto que não com a postura do crítico, ou do teórico de Literatura, mas com a do fã, do tiete, do admirador incondicional, do “amigo espiritual”, que é como considero este magnífico e imortal poeta mexicano.
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