Pedro J. Bondaczuk
Os depoimentos do casal austríaco Liselotte e Wolfram Bossert, na Polícia Federal,em São Paulo, que levaram as autoridades a um túmulo no cemitério de Rosário, no município de Embu das Artes, na região metropolitana da capital paulista, agitou, na ocasião (início de junho de 1985), a imprensa não somente de todo o Brasil, mas, e principalmente, a internacional.
É que ali estariam sepultados, desde fevereiro de 1979, os restos mortais de um dos mais cruéis e sanguinários criminosos de guerra nazistas, o sujeito mais procurado do mundo (ou um dos), para que fosse levado aos tribunais, julgado e finalmente pagasse pelo mal que praticou. Tratava-se de Josep Mengele, cujo apelido era Beppo, mas conhecido, mundialmente, por “Todesengel”, ou “Anjo da Morte” do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia.
É interessante deter-se sobre este personagem e relembrar suas ações por se tratar de alguém fartamente relatado na literatura internacional, tanto de ficção quanto de não-ficção, e que se tornou um dos homens mais odiados do mundo por sua crueldade, cinismo e frieza, paradigma de maldade e de sadismo. Tentarei ser o mais objetivo possível em meu relato, apesar do asco que essa figura nefasta (diria, maldita) sempre me despertou.
A notícia de que as ossadas, que poderiam ser de Josep Mengele, foram encontradas no cemitério de Embu das Artes, imediatamente se espalhou e foi veiculada pelos principais meios de comunicação através do mundo. As reações que despertou foram as mais variadas, indo desde o absoluto descrédito e total ceticismo de alguns, até a euforia de tantos, passando pela postura de cautela de parte da comunidade judia. Uma das mais estranhas manifestações a propósito partiu de Moscou, das autoridades comunistas do Cremlin, que afirmaram que essa preocupação da imprensa internacional com um personagem da Segunda Guerra Mundial era parte de “uma tática do Ocidente para desviar a atenção da opinião pública de assuntos muito mais importantes”. Talvez até fosse, mas...
Recorde-se que na época a União Soviética ainda existia. O vergonhoso Muro de Berlim ainda estava de pé e a tal “cortina de ferro” dividia parte considerável da Europa. A tal da “guerra fria” estava em pleno andamento, ameaçando atingir ponto de fervura. De qualquer forma, a caçada ao ex-médico do campo da morte de Auschwitz, visando sua prisão e julgamento, era uma questão de honra, quer no Oriente quer no Ocidente. E não apenas para os caçadores de nazistas, liderados por Simon Wiesenthal, espalhados por todas as partes, mas também para governos, principalmente o da então Alemanha Ocidental (o território alemão ainda não havia sido reunificado), preocupado em desvincular a sociedade germânica contemporânea dos acontecimentos vergonhosos da Segunda Guerra Mundial.
Mesmo depois de noticiada a localização das ossadas supostamente de Josep Mengele, no cemitério de Embu das Artes, ofertas de tentadores prêmios em dinheiro multiplicaram-se, feitas por várias entidades, judias e não judias, objetivando, através da cobiça, estimular as pessoas a participarem da operação para levar esse criminoso ao banco dos réus. Anúncios foram veiculados em vários jornais da América Latina, principalmente no Paraguai, onde se supunha que ele estivesse ou onde provavelmente tenha vivido. Enfim, a prisão de Josep Mengele transformara-se em obsessão, fazendo dele o homem mais procurado do mundo.
Todavia, de acordo com o depoimento do casal austríaco Liselotte e Wolfram Bossert, a essa altura o “Anjo da Morte” já estaria morto e há seis anos. A dupla informou que o criminoso de guerra vivia em seu sítio, no município de Caieiras, sob o nome falso de Pedro Gerhard. Quando indagado sobre seu passado, o misterioso hóspede não escondia seu vínculo nazista. Contudo garantia que, como oficial alemão, se limitava a selecionar prisioneiros que fossem aptos para o trabalho e jurava que nunca havia matado ninguém.
A morte de Mengele teria ocorrido em 7 de fevereiro de 1979, por afogamento, numa praia de Bertioga, no litoral paulista. O casal austríaco suspeita que ele cometeu suicídio, deixando-se afogar, embora não descarte a possibilidade de que algum mal súbito, como câimbras ou até mesmo fulminante ataque cardíaco, o tenha acometido.
A ossada foi exumada em maio de 1985 e encaminhada para o Instituto Médico Legal de São Paulo para identificação. A perícia, conduzida pela equipe chefiada pelo legista Fortunato Badan Palhares, concluiu que os restos mortais examinados eram, mesmo, de Josep Mengele. Fundamentou essa conclusão, principalmente, no fato de haver um defeito congênito nos dentes superiores frontais no crânio examinado, o que combinava com o ex-médico nazista.
A dúvida quanto à identidade das ossadas persistiu até 1992, quando um exame de DNA comprovou, sem mais margens a qualquer questionamento, que o corpo enterrado no cemitério de Embu das Artes era, mesmo, o do terrível “Anjo da Morte” de Auschwitz que, ironicamente, morreu saem jamais ser punido por seus hediondos crimes. Voltarei ao assunto.
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