Pedro J. Bondaczuk
O homem (e me incluo, claro, neste rol da espécie), é, para mim, insondável mistério. Passei a maior parte da minha vida estudando, analisando e refletindo, no afã de desvendá-lo (e de desvendar-me, sobretudo), em vão. Quanto mais me aprofundo nesse estudo, mais questões (virtualmente infinitas) surgem e menos respostas concludentes (ínfimas) vislumbro. Ao cabo de décadas de vida minha conclusão sequer é original. É a mesma do filósofo (não me lembro qual) que, desalentado, desabafou: “Quanto mais eu sei, mais forte é minha convicção que nada sei”. E isso literalmente, retórica à parte.
Entre as criações humanas, a que mais me fascina é a palavra. Pudera! Além de se tratar do recurso de todos os espécimes da minha espécie para se comunicar (e é evidente que meu também), é a ferramenta do meu ofício de transcrever e de tentar perpetuar o que observo, penso, sinto e sei (ou que penso que sei). Sem ela, eu não seria nada. Aliás, nenhum de nós não seria.
Escrevi (e em vários textos, já que, como jornalista que sou, sei da importância da reiteração) que a palavra “é o mais miraculoso engenho que o cérebro humano engendrou para a comunicação”. Até aqui, não há nenhuma novidade. Limitei-me a reiterar o óbvio. Nem sempre (ou quase nunca), todavia, nos damos conta, de fato, da importância desse “milagre”. Em recente texto, a propósito, acrescentei: “E a criatividade do único animal racional da natureza extrapolou todos limites ao criar não apenas dez, ou mil, delas (das palavras), mas bilhões, em centenas, em milhares de idiomas e de dialetos”.
Houvesse apenas um único sistema de comunicação mediante o uso da palavra, já seria algo admirável. Imaginem, então, haver essa profusão! Não somente escrevi muito sobre o tema, como também o abordei, e não poucas vezes, oralmente, em dezenas de palestras, nas mais de 500 que já tenho em meu currículo. Constatei que, aquilo que me parece óbvio (e provavelmente o é para você, caro leitor, também), soa a novidade para muita gente.
Voltando ao aludido texto (que não me lembro se divulguei ou não neste nosso espaço), complementei, assim, meu raciocínio: “A palavra escrita, então, é o máximo de criatividade e fundamento de toda a evolução humana. Através dela, é possível preservar, indefinidamente, o que cérebros privilegiados pensaram e criaram, geração após geração, como herança dos antepassados à qual os homens de hoje acrescentam sua contribuição para os do futuro. E, apesar de tudo isso, as palavras são tão pobres para definir e descrever alguns pensamentos e sentimentos, como amor, amizade, saudade etc.!”. Como são! E não apenas sua pobreza é destacável, como o cuidado que nos exige na escolha. A boa comunicação (já nem digo a excelente), requer, acima e antes de tudo, clareza. Não comporta ambigüidades.
Em outro texto, alertei: “Há palavras que salvam, que constroem, que redimem e que consolam, registrando fatos e feitos históricos, expressando idéias, produzindo reflexões, desvendando sentimentos, despertando emoções e criando beleza. Mas há também as que matam, as que ferem, as que corrompem, as que destroem, as que despertam violência e ira e que produzem intensa dor. Depende de quem, quando e como as expressa. Saint-Exupéry alertou que ‘a palavra pode ser a ponte de união entre as pessoas ou uma fonte de mal entendidos’. Temo que esta última alternativa seja a mais corriqueira. Quantos males, sofrimentos e rancores poderiam ser evitados caso certas coisas que se dizem (ou escrevem) não fossem ditas (e muito menos escritas)! Mas são.
A propósito da palavra, pesquisando, meio que sem rumo, entre minhas fartas, mas nem sempre organizadas fontes (diria, caóticas), encontrei este expressivo texto do célebre orador português Alves Mendes, extraído do seu livro “Discursos”, que data de 1889. É retórico, como se notará, aliás característico da técnica da boa oratória para empolgar a platéia. O que me encantou nesse texto foi a riqueza de metáforas que o autor empregou para definir esse importante instrumento dialético e de comunicação, sem o qual nossa atividade de escritores sequer existiria. Chego a vislumbrar os pontos desse discurso em que o hábil orador arrancou gritos de entusiasmo dos presentes.
Alves Mendes disse, em determinado trecho dessa memorável peça oratória: “A palavra concretiza o pensamento, corporiza a idéia, traslada a natureza, compendia o universo. Tem claridades celestes e profundidades oceânicas; é mais leve que o ar e mais iriada que a mariposa; é tão diáfana como a gaze e tão sonante como o bronze; cicia como a aura e retumba como o trovão; murmura como o arroio e ruge como a tormenta; prende como o imã e fulmina como o raio; corta como a espada e contunde como a clava; fotografa como o sol e acadinha como o fogo; quase se confunde com o espírito, como a luz com o calor”. Belíssimas e felizes metáforas, como se vê. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi quando disse que a palavra “compendia o universo”. Creio, como ele, que essa é sua principal função, posto que, obviamente, não a única. Todavia, é a mais importante e nobre.
E o orador prossegue, com o mesmo entusiasmo (entusiasmado e, certamente, entusiasmando): ”A palavra, que traduziu a força da onipotência divina, revela e traduz a máxima força humana. Instrui e constrói, vence e convence, alumia e extasia, move e comove, afama e infama, forma, reforma e transforma; evangeliza a ciência, que é um prodígio, e difunde a religião, que é um milagre. E quão danosas as graças do dizer! Quão admiráveis os prestígios da palavra!”. Estou certo que nesta altura da sua oração, o orador foi interrompido por demorados e frenéticos aplausos e incontidos gritos de entusiasmo.
E Alves Mendes arremata, num “gran finale”, dessa forma sua vibrante oração: “Ela (a palavra) ostenta a majestade da arquitetura, o relevo da escultura, o colorido da pintura, a harmonia da música, o ritmo da poesia; e, sobre tais predicamentos, sobre tantas e tamanhas opulências acende pela concionatória, acende e faz circular singularmente a paixão, o entusiasmo, a vida. A palavra florente e florida, imaginosa e varonil, literária e rutilante, vale uma glória, frisa uma cultura, reflete uma civilização”.
E eu, mudo de espanto e embevecido com a beleza do discurso, encerro estas reflexões emprestando a opinião do ilustre filósofo alemão, Johann Gottfried Von Herder, ele também emérito estilista: “Quando o homem se viu colocado no estado de reflexão que lhe é próprio e quando a reflexão pôde pela primeira vez atuar livremente, o homem inventou a linguagem”. Bendita invenção (mesmo podendo, em certas circunstâncias, ser maldita)!
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