Pedro J. Bondaczuk
A existência ou não dos zumbis do Haiti (não os mortos vivos da crença popular, mas as pessoas, em estado cataléptico, de letargia, por efeito de determinadas drogas, que se manteriam numa condição tal que seria como se estivessem mortas, embora mantivessem os sinais vitais) gera, ainda, compreensivelmente, intensa polêmica. Isso mesmo depois das pesquisas do botânico canadense, Wade Davis, que garante, inclusive, ter a fórmula da substância que causaria esse estado, que ele teria adquirido de sacerdotes vodus. Verdade? Mentira? Embuste? Sensacionalismo? Prefiro não tomar partido. Só sei que a controvérsia existe e que todas essas teses têm defensores e detratores.
Uns recusam-se até a tocar no assunto, considerando-o ridículo, por se tratar, no seu entender, de tola crendice de pessoas ignorantes. Outros acreditam nas supostas descobertas de Wade Davis. Outros, ainda, preferem esperar mais um pouco, até que surjam provas mais concretas ou da existência dos zumbis – palavra que teria se originado de “jumbie” termo que os índios usavam para “fantasma” ou de “nzambi”, expressão utilizada por determinadas tribos do Congo para caracterizar “o espírito de uma pessoa morta” – ou de que tudo não passa de um grande embuste.
No Haiti, todavia, o assunto é levado a sério e não somente em âmbito popular e inculto, mas até por pessoas sumamente esclarecidas e racionais. Shirlei Massapust, no excelente texto “O pó dos zumbis haitianos”, lembra que uma lei de 1835, ainda em vigor, “já condenava a criação de zumbis”. E o atual Código Penal desse país, no artigo 246, “classifica o uso em alguém de uma substância que gera um período prolongado de letargia sem causar a morte como tentativa de assassinato”. E acrescenta: “se a substância causar aparência de morte e resultar no enterro da vítima, o ato é classificado como homicídio”. Ponto, pois, para o canadense Wade Davis. Afinal, as autoridades reconhecem, oficialmente, que existe alguma substância que provoca estado de letargia, como ele assegura.
Ressalve-se que o botânico canadense – que atualmente trabalha para a “The National Geographic” – foi para o Haiti, pela primeira vez, não por conta própria, mas enviado a esse país pelo Museu Botânico de Harvard, a mais importante instituição dos EUA (talvez do mundo) no estudo de substâncias psicoativas, a maioria das quais feita de plantas. Quem lhe fez o pedido para que investigasse a questão “in loco” foi o Dr. Nathan S. Kline.
Esse ilustre cientista foi um dos primeiros a acreditar que, por trás do mito dos zumbis, havia um fundo de verdade. E tinha a idéia de que os tais mortos vivos eram nada mais do que pessoas em estado cataléptico, sob o efeito de alguma droga. Argumentava que, se a sua teoria fosse confirmada, essa substância poderias ser utilíssima na medicina, no campo da anestesiologia.
Davis, no entender do Dr. Kline, tinha o perfil ideal para desincumbir-se da missão. Como estudante graduado do Museu, era perito na farmacopéia derivada de plantas. Saberia, portanto, o que procurar e como. Ademais, tinha experiência no trato com nativos. Trabalhara, no passado, na selva amazônica, em contato com tribos locais e também com os índios do Norte do Canadá, sua terra natal.
Davis descobriu que os sacerdotes vodus não criavam zumbis na base somente de palavras mágicas ou passes esotéricos, como se afirmava. Usavam, isso sim, pós, feitos com plantas secas e animais. Seu desafio era obter amostras dessas substâncias, para que fossem submetidas a análises nos laboratórios dos Estados Unidos. Aliás, esta era a instrução específica que recebera do Dr. Kline.
Davis teria agido da forma mais meticulosa possível, com estritos padrões científicos. Coletou não apenas uma amostra do tal pó, mas oito, de quatro regiões diferentes do Haiti. Como as obteve? O então jovem botânico relata isso em detalhe, quer no livro “A serpente e o arco-íris” (lançado no Brasil), quer no “Passage of Darkness” (inédito em nosso país).
As oito amostras de pó que Wade Davis teria coletado, ao serem analisadas, mostraram conter ingredientes diferentes. Mas sete delas tinham pelo menos quatro substâncias em comum. A primeira delas seria a neurotoxina chamada tetrodotoxina, encontrada em uma ou mais espécies de um peixe, o baiacu, muito apreciado na culinária japonesa, mas que requer um preparo especial, sob pena de fulminar quem o come. Para que o leitor tenha uma idéia da letalidade desse ingrediente, basta dizer que ele é 500 vezes mais ativo do que o cianureto. Davis comenta a propósito: “É o veneno não protéico mais poderoso do mundo. Uma gota introduzida na cabeça de um alfinete é suficiente para matar”.
Outra substância presente nas quatro amostras seria a extraída de uma espécie de sapo boi (Bufo Marinus). A terceira proviria de um outro batráquio, o Osteopilus dominicensis, de efeito irritante, todavia não letal e, finalmente, a quarta seriam restos humanos transformados em pó. Algumas das amostras teriam outros ingredientes, que apenas irritavam a pele, extraídos de diversas plantas, lagartixas, aranhas e até vidro triturado. Todas foram testadas em ratos e macacos, aplicadas diretamente sob a pele dos animais e os teriam deixado letárgicos, depois imóveis. Mas, após certo tempo, todas as cobaias teriam se recuperado por completo.
Wade garante ter em seu poder a verdadeira fórmula de “produzir zumbis”. Diz que está guardada em um frasco de cinco centímetros. “Parece terra negra seca”, explica. A fórmula em questão também contém partes de sapos, répteis, tarântulas e ossos humanos. “É, basicamente, mistura de coisas raras”, completa. O objetivo da zumbificação não seria o de matar as vitimas, mas a de obter escravos para as plantações, sem que seus parentes nem mesmo desconfiem disso. Verdade? Mentira? Sensacionalismo? Mistificação? Não sei. Mas que o assunto é interessante, ah, isto é.
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