Pedro J. Bondaczuk
O show realizado em 21 de novembro de 1962, no Carnegie Hall, em Nova York, é considerado, por muitos historiadores de arte, como a verdadeira “certidão de nascimento” da Bossa Nova. Foi um estrondoso sucesso. A partir dessa apresentação, o Brasil foi divulgado no Exterior como poucas vezes havia acontecido até então e como raramente aconteceu depois.
Reconheço, óbvio, a importância desse evento (e nem poderia deixar de reconhecer). Todavia, discordo que o movimento musical, que revolucionou a MPB, tenha “nascido” aí. Até porque, quando da realização do espetáculo, a Bossa Nova já havia conquistado um público cativo, e fiel (embora nem tanto) no Brasil, há já pelo menos quatro anos.
O Carnegie Hall é uma tradicional casa de espetáculos localizada no número 881 da Sétima Avenida, em Midtown Manhattan, na cidade de Nova York. Foi construído em 1890, a mando do filantropo Andrew Carnegie, daí seu nome. Embora seja palco preferencial de música clássica, com cerca de uma centena de apresentações por temporada, é frequentemente alugado por grupos musicais e artistas pops de grande projeção.
Ali já se apresentaram, sempre com casa lotada, The Beatles, Frank Sinatra, Charles Aznavour, Edith Piaf e tantos e tantos outros astros e estrelas consagrados e famosos. A procura por esse espaço é grande por uma série de razões, entre as quais destacam-se sua privilegiada localização, numa cidade tida e havida como a mais cosmopolita do mundo, sua beleza arquitetônica, sua história (apresentar-se no Carnegie Hall confere prestígio a qualquer artista), sem se esquecer, claro, da sua excelente acústica.
Se o show realizado ali, na histórica noite de 21 de novembro de 1962, não foi o lançamento, de fato, da Bossa Nova (e, reitero, não foi mesmo), não se pode negar que, após sua apresentação, o movimento ganhou o mundo. E, se no Brasil, ele é dado como extinto há pelo menos desde 1974, nos Estados Unidos e no restante do Planeta mantém-se mais vivo do que nunca, vivíssimo e servindo, ainda, como importante cartão de visitas, como poderosa peça de divulgação internacional do nosso país.
Tudo começou com uma visita do empresário Sidney Frey ao Rio de Janeiro, em setembro de 1962. Ele ouviu o tipo de música que se fazia então na cidade e se encantou. Homem de negócios bem sucedido, sujeito prático, decidiu que, caso houvesse oportunidade, levaria aqueles músicos refinados para se apresentarem em seu país. Previa que o sucesso seria certo e imediato. Não se enganou, óbvio. Entre a vontade e a concretização passaram-se pouco menos de dois meses.
O norte-americano, em geral, costuma ser, sobretudo, prático, como ressaltei. Não se limita a sonhar. Tão logo tenha uma intenção, não tarda a aliar a ela a respectiva ação. Foi o que Frey fez. Nessa época, “Desafinado” e “Samba de uma nota só” já haviam vendido um milhão de cópias nos Estados Unidos. É por isso que afirmo, com tanta segurança, que o show no Carnegie Hall não pode ser considerado o “nascimento” da Bossa Nova. Ela já havia nascido antes, era concreta, concretíssima, no Brasil, e desde fins de 1957.
O fato de João Gilberto já ser conhecido nos Estados Unidos facilitou, sem dúvida, as coisas. Mas, por muito pouco, por quase nada a apresentação não se transformou num enorme e histórico fiasco. Por que? Por uma série de motivos. O show teve falhas incríveis. A despeito delas, porém, foi, de fato, até surpreendente sucesso.
O Carnegie Hall estava superlotado naquela histórica noite por mais de três mil pessoas. Além do público, havia presença maciça da imprensa internacional. Estavam presentes no recinto mais de 300 repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e críticos especializados de todos os Estados Unidos e de várias outras partes do mundo, principalmente da França, Grã-Bretanha, Alemanha e Itália.
Houve sérios problemas técnicos, como, por exemplo, no som, que estava distorcido, sem a necessária limpidez quando se trata de música. Ademais, muitos dos artistas estavam nervosíssimos por estarem se apresentando diante de um público tão numeroso e seleto. Muitos desafinaram, desafinação essa que foi relevada e até ignorada. Todavia, a principal causa do quase fracasso desse hoje lendário show foi a brasileiríssima mania da improvisação. Nada foi planejado de antemão, como deveria ser.
O que salvou, de fato, o espetáculo foi o inegável e enorme talento dos artistas convidados e a qualidade da Bossa Nova. A princípio, estavam programadas apresentações, apenas, de João Gilberto, do baterista Milton Banana e de Luís Bonfá, Agostinho dos Santos e do conjunto de Oscar de Castro Neves. Depois, decidiu-se abrir espaço, também, para os três artistas brasileiros que estavam trabalhando nos Estados Unidos: Bola Sete, José Paulo e Alaíde Costa.
A segunda parte do show estava programada para ser preenchida por um espetáculo de jazz, a cargo de grupos norte-americanos. À última hora, porém (como sempre), foram programadas apresentações de Tom Jobim (que se consagrou definitivamente desde então), Chico Feitosa, Caetano Zamma, Roberto Menescal, Ana Lúcia, Sérgio Mendes, Carlos Lyra e Sérgio Ricardo.
Além dos artistas brasileiros, participaram do show o pianista e compositor argentino Lalo Schifrin com o sexteto de que se valeu para difundir a Bossa Nova e Stan Getz, amigo de João Gilberto e um de seus mais entusiastas admiradores. As três mil pessoas que superlotavam o Carnegie Hall ou não perceberam as falhas do show, ou as relevaram, embevecidas com a qualidade da música que ouviam. Aplaudiram, freneticamente, em pé, aplausos estes que se prolongando, sem nenhum exagero, por uns bons quinze minutos. Era a consagração!
Muita gente ficou superfrustrada por não ter conseguido ingresso para o espetáculo. Mais de mil pessoas aglomeravam-se à porta do Carnegie Hall superlotado, exigindo uma segunda sessão. A crítica recebeu favoravelmente o novo movimento musical, o tal samba sincopado, com nítida e ostensiva influência do jazz. Estava, pois, consagrada, definitivamente, a Bossa Nova, e em âmbito bem mais amplo do que o Brasil. Conquistou, sem nenhum exagero ou arroubo de ufanismo, o mundo.
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