Monday, May 21, 2012

Jorge sempre Amado

Pedro J. Bondaczuk

O ano de 2012 marca o centenário de nascimento de um brasileiro “amado” até no nome”, como enfatizou o então âncora do “Jornal da Band”, Sérgio Rondino, ao anunciar sua morte, ocorrida numa segunda-feira, dia 6 de agosto de 2001. Claro que me refiro (e o leitor atento já percebeu) ao baiano, natural de Itabuna, Jorge Leal Amado de Faria ou, simplesmente, Jorge Amado, um dos maiores ícones literários do Brasil, o brasileiro que, provavelmente depois de Pelé, mais divulgou o nome do País mundo afora.

Escritor singularíssimo das letras universais, apenas comparado a Machado de Assis em termos nacionais – com o qual, aliás, guarda mais semelhanças do que diferenças – reputo-o como um dos milhares de injustiçados do Nobel de Literatura, prêmio que fez por merecer, mas que jamais lhe foi outorgado. Por que? Talvez por ignorância dos que julgam os candidatos a essa premiação. Talvez, quem sabe, em virtude de certo preconceito em relação à literatura brasileira (nenhum escritor nosso sequer chegou perto de lograr essa façanha). Sabe-se lá a razão!

O fato é que Jorge Amado, cujos livros foram traduzidos e lançados em 55 países, em 49 idiomas, embora tendo conquistado um nada desprezível (muito pelo contrário) Prêmio Camões (o de 1994), morreu privado do Nobel. Pouco importa. Os amantes de literatura, mundo afora, reconhecem seus indiscutíveis méritos e tenho certeza que, neste ano do seu centenário, seu nome será muito citado e sua obra analisada. Nunca ganhou esse prêmio? Pior para o Nobel!

Desconheço se o “mundo oficial” da Cultura do País, ou seja, o ministério encarregado desse setor, programou algo de especial para marcar essa importante data. Temo que não. Por razões que caberia serem analisadas (e corrigidas), continuamos nos caracterizando como povo sem memória. Em termos de vendas de livros através do mundo, Jorge Amado apenas perde, entre os escritores brasileiros, para Paulo Coelho. Esse, todavia, não conta. É um fenômeno que carece de explicação. Afinal, conforme pesquisa informal recente, feita pela enciclopédia eletrônica Wikipédia, trata-se do 11º autor mais vendido no mundo inteiro e em todos os tempos.

Ocorre que ambos não têm nada em comum (a não ser o fato de se dedicarem às letras). Seus temas, gêneros e estilos são rigorosamente diferentes. Se tivermos que comparar Jorge Amado com alguém, não será, certamente, com Paulo Coelho (sem nenhum demérito para a obra deste). A comparação tem que ser feita com outro ícone literário nacional: Machado de Assis. Mesmo levando em conta as óbvias diferenças de um e de outro, já que o “Bruxo do Cosme Velho” utilizou, para cenário de seus contos e romances, o Rio de Janeiro do século XIX, e Jorge Amado situou seus enredos na Bahia do século XX.

Ambos retrataram, no entanto, como ninguém, a alma do povo brasileiro, em seu sentido lato, em especial a das pessoas humildes, desvalidas, anônimas, miseráveis, "sem eira e nem beira", excluídas pelo vergonhoso "apartheid" social que sempre imperou entre nós, provavelmente desde a chegada de Pedro Álvares Cabral a esta terra de Pindorama. Os personagens dos dois são intemporais, vivos, cheios de virtudes e de defeitos, de "carne e osso" (embora frutos da imaginação), que saltam das páginas das suas histórias para a vida real. Podem ser encontrados a todo o momento nas ruas de qualquer cidade brasileira, e de qualquer época. Só escritores geniais conseguem essa façanha. E ambos conseguiram.

Jorge Amado, todavia, teve uma diferença fundamental em relação a Machado de Assis: o engajamento e a militância política. Foi defensor convicto da utopia de uma sociedade sem classes. Foi deputado pelo Partido Comunista Brasileiro. E como tal (ou em conseqüência dessa militância), comeu o pão que o diabo amassou, como se diz popularmente, Acabou vítima de absurda perseguição da ditadura getulista, quando o PCB foi posto na ilegalidade. Pagou, pois, alto preço pelo idealismo, enfrentando os dissabores da prisão e do exílio. E tudo apenas por defender princípios absolutamente lógicos e justos, mas contrários, é claro, aos nem sempre legítimos interesses dos poderosos e dos detentores de riquezas e, por conseqüência, do poder, do seu tempo e do atual (por que não?).

Outra característica desse baiano da gema, nascido na terra dos coronéis do cacau, como Itabuna é ainda hoje conhecida (e que soube, como ninguém, descrever ou projetar nos seus múltiplos personagens) é que Jorge é o único escritor brasileiro que é conhecido até pelos que não apreciam leitura. Ou pelos que nem mesmo sabem ler. Ou seja, pelos que são analfabetos “de pai e mãe” e que não têm, portanto, acesso a informações um pouquinho melhor elaboradas. Como? Simples! Leitores e não leitores apreciam Gabriela, Tieta, Pedro Bala, Quincas Berro D'Água, Dona Flor, etc., personagens que conhecem (e apreciam) de sobejo, graças às maravilhas da tecnologia eletrônica: do cinema e da televisão.

Os principais personagens que criou foram interpretados, tanto na telinha quanto na telona, por atores e atrizes dos mais famosos e talentosos, em filmes e novelas de estrondoso sucesso. “Tieta do Agreste”, “Gabriela, cravo e canela”, “Tereza Batista Cansada de Guerra”, “Dona Flor e seus dois maridos” e “Tenda dos milagres”, entre outros, ganharam versões e mais versões, tanto na televisão, quanto no cinema e no teatro. E quem não apreciou essas histórias e personagens por esses veículos, entrou em contato com eles nas ruas e nos vários sambódromos País afora, em época de Carnaval. Afinal, foram temas de um sem número de escolas de samba, de norte a sul do Brasil.

Por tudo isso, é preciso dar um basta na característica “amnésia” nacional, em relação aos brasileiros ilustres e reverenciar a memória de Jorge Amado pelo menos neste ano que marca o centenário do seu nascimento. Confesso, humildemente, que este foi um dos escritores (ao lado do onipresente Jorge Luís Borges) que mais me influenciaram na construção e consolidação do meu estilo. Devo, pois, muito a ele (e creio que milhares e milhares de outros escritores também devem).

Todavia, "morre o homem, fica a fama". O escritor completou sua obra na Terra, não somente a literária, mas principalmente a humana. Por isso, ascendeu, com justiça e por merecimento, ao panteão dos mitos nacionais. É mister, porém, que não reste esquecido por lá. Certamente não o será. Porquanto, (reitero) como ressaltou o âncora do "Jornal da Band", Sérgio Rondino: "Morreu Jorge, um brasileiro Amado até no nome". Espero que tenha morrido “apenas” em carne e osso e que seu exemplo e sua memória permaneçam vivíssimos “ad eterna”, nos inspirando e engrandecendo a cultura brasileira, notadamente a rica e criativa literatura nacional.

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