Thursday, May 03, 2012

Bossa que veio do nada

Pedro J. Bondaczuk

O cantor e compositor Paulinho da Viola, em lúcida e reveladora entrevista que deu a Alberto Helena Junior, no início da década de 80 – na ocasião, o veterano jornalista comandava excelente programa noturno de variedades na TV Record – disse algo que muitos, talvez, considerem heresia, mas que é nada mais do que a lídima expressão da verdade. Afirmou: “A Bossa Nova veio do nada”. Ou seja, nunca houve a preocupação, por parte dos que são tidos e havidos como seus criadores, de estruturarem um movimento musical, e muito menos social específico.



Os compositores, influenciados, marcadamente, pelo jazz, simplesmente se reuniram e compuseram o que queriam, sem se preocupar se suas composições se alinhavam na tendência “a”, “b” ou “c”. Foi, sem tirar e nem pôr, mero processo de “geração espontânea”. Não se tratou, como muitos dão a entender, de algo deliberado.



O maestro Rogério Duprat explicou melhor como tudo aconteceu: “A Bossa Nova queria dizer tudo: jeito de viver, tipo de melodia, batida de violão, piano e bateria, harmonia, divisão, canto, arranjo. E o padrão ficou sendo os arranjos de Tom – aquelas coisas de flauta, trombone, piano – que todos nós, outros arranjadores, imitávamos descaradamente”.



Ninguém sabe explicar como e porque o termo surgiu com a conotação que tem. Os críticos e historiadores atribuem essa origem à letra de Newton Mendonça (de quem Erasmo Carlos disse, num programa “Bar Academia”, da extinta Rede Manchete, que foi um dos maiores injustiçados do país, ao não ter seus méritos de extraordinário compositor devidamente reconhecidos) para o célebre “Desafinado”: “Se você insiste em classificar/meu comportamento de antimusical/eu, mesmo mentindo, devo argumentar/que isso é ‘bossa nova’/isto é muito natural”...



Após a fase inicial, caótica, romântica, em que o movimento que estava surgindo sequer tinha nome (que viria a ser dado, somente, em 1959, após o lançamento de “Desafinado”), os compositores assumiram o que estavam fazendo. Aceitaram o rótulo, o nome, a denominação surgida praticamente ao sabor do puro acaso e começaram a receber adesões de músicos, cantores e intelectuais de todas as tendências. Foi quando ocorreu a divisão da Bossa Nova, em várias correntes distintas.



Em 1964, como todos sabem, o País começou a viver nova realidade institucional, de triste memória, sumamente autoritária. O regime fechou-se, sob o férreo comando dos militares. Estudantes e pessoas que tinham a ousadia de pensar e de se opor ao colapso da democracia passaram a ser perseguidos, encarcerados, torturados (e alguns, até, “desaparecidos”), a pretexto de serem “comunistas”. E a imensa maioria sequer era. E, mesmo que fosse...



Diante do amordaçamento da sociedade, notadamente da imprensa, que passou a sofrer implacável censura, os universitários adotaram a música como válvula de escape para as tensões sociais, duramente reprimidas. Esse período foi o do auge dos festivais, tanto os levados a efeito no âmbito das universidades, quanto os patrocinados por emissoras de televisão, com especial destaque para o da TV Record.



A Bossa Nova, por conseqüência, ganhou “sangue novo”. Compositores com aguçada consciência social, bem informados e cultos, se propuseram a discutir o Brasil, com suas carências, mazelas e contradições, utilizando-se de um veículo poderoso, por despertar a sensibilidade das pessoas: a música. Afinal, essa expressão artística “fala” não somente à razão, mas mexe, sobretudo, com emoções.



Esse grupo passou a se opor e a combater letras do tipo do “O barquinho”, e outras tantas do mesmo teor, que embora poéticas, lindas e sem reparos formais, eram consideradas “alienantes”. Além disso, o próprio ritmo foi posto na berlinda. A excessiva influência do jazz na Bossa Nova, por exemplo, passou a ser também questionada e igualmente combatida. Pouco importava a esses críticos ferozes o fato de ser justamente essa fusão do samba com o ritmo oriundo dos negros norte-americanos ser o grande chamariz para que o movimento fizesse o sucesso que fez nos Estados Unidos e na Europa e se projetasse da grande mídia mundial.



Os precursores da Bossa Nova, os que a lançaram, de fato, passaram a integrar uma facção à parte, que se convencionou chamar de “Formalista”. Ou seja, a dos que se opunham à mistura de arte com política. A música, para eles, deveria satisfazer seus “consumidores” por si só e realizar-se no estrito âmbito musical, sem precisar incursionar no polêmico e movediço terreno do social ou do ideológico.



Os que não pensavam dessa forma, passaram a ser chamados de “Compositores do Protesto”. A partir dessa divisão, a Bossa Nova atravessou um período de lento, mas contínuo desgaste. Entrou em decadência até finalmente “desaparecer”, substituída por outros movimentos.



Da tentativa de se opor à nascente “Jovem Guarda”, que se desenvolveu ao embalo do “rock”, derivou-se para uma espécie de hibridismo, de convergência entre as duas tendências. Isso deu origem a um novo tipo de enfoque, tanto temático quanto rítmico, mais crítico e mais agitado, que tempos depois ficaria conhecido como “Tropicália”. A era dos geniais (e alguns sensuais) sussurros ao pé do ouvido da pessoa amada estava chegando ao fim

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