Tuesday, May 08, 2012

Denunciar agiotagem é legítima defesa

Pedro J. Bondaczuk



A questão da dívida externa do Terceiro Mundo volta, mais uma vez, à baila, na reunião conjunta anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, que começa amanhã, em Washington, desta vez contando com um fato novo.



O Brasil, o maior devedor de todos, responsável por cerca de 13% do débito global de cerca de US$ 1,035 trilhão, deixou, desde fevereiro passado, de pagar até mesmo os juros do seu endividamento junto aos bancos particulares, num ato mais de sobrevivência do que de rebeldia.



A posição que o sistema financeiro internacional certamente vai assumir, como em tantas outras vezes, já é a previsível. Irá condenar a atitude brasileira, chamar nosso país duramente às falas, convoca-lo a compor-se com o FMI em qualquer espécie de programa e exigir que ele volte a honrar seus compromissos, mesmo sabendo que a recuperação econômica mundial, após a depressão do início desta década, foi feita, em grande parte, às custas do nosso sacrifício.



O chamado “Plano Baker”, apresentado há quase três anos como a panacéia para os males desse débito insensato (tanto da parte dos credores quanto dos devedores), redundou num rotundo fracasso. Foi responsável pela injeção de uma quantidade mínima de investimentos, contra o dreno de US$ 40 bilhões de capitais no período em que deveria estar em vigência.



Tudo leva a crer que o Brasil terá de sustentar a sua batalha de maneira isolada, contando apenas com sua própria argumentação, solitário em sua rebeldia diante do todo-poderoso sistema. Certamente o lado credor não desejará que lhe seja repetido um dado que ele está cansado de saber (e de ignorar), de que nossa sociedade, que nunca primou pela prosperidade, a despeito de ser considerada a detentora da oitava economia do mundo ocidental, gerou excedentes e desembolsou, apenas a título de serviço do endividamento, entre 1973 e 1985, a “bagatela” de US$ 72,5 bilhões.



Ou seja, bem mais do que a metade de todo o dinheiro que já tomou emprestado, no Exterior, ao longo de sua curta história, de 165 anos de vida independente. Isto, frise-se sempre, sem que um mínimo centavo do principal fosse amortizado. Pelo contrário, nosso débito somente cresceu, e cresceu e cresceu a não mais poder.



Mas o pior de tudo isso é que US$ 33,7 bilhões foram desembolsados provavelmente para satisfazer a “esperteza” dos que hoje nos gritam na cara que somos caloteiros. Esse é o total do excedente que o País pagou em relação à média histórica de 1% ao ano de taxa real.



Portanto, desfez-se de preciosíssimas reservas, que poderiam financiar as hidrelétricas, redes de transmissão, silos, estradas de rodagem e outros investimentos em infraestrutura, que nos faltam, em troca de absolutamente nada. Tão somente para ajudar na recuperação econômica ocidental, após um período depressivo.



E nós, ainda por cima de tudo, somos caloteiros! E há gente aqui dentro achando que essa situação daria para persistir indefinidamente, até que não nos restasse sequer mais forças para sobreviver como nação! Referimo-nos ao caso do Brasil apenas por estarmos neste barco, não porque nossa situação seja pior do que a dos demais “primos pobres” do chamado Terceiro Mundo.



Muito feliz, a esse propósito, foi aquilo que disse o senador Albano Franco, na semana passada, no Rio de Janeiro, ao saudar o presidente de Portugal, Mário Soares, que nos visitava na oportunidade. O presidente da Confederação Nacional da Indústria afirmou, na ocasião, com toda a tranqüilidade de quem sabe o que diz: “As dívidas dos países, por força da agiotagem internacional, viraram investimentos malignos, os endividados exportando em vez de absorverem capitais, os capitalizados asfixiando, sadomasoquistas, aqueles que os sustentam. Denunciar, nessas condições, o endividamento externo, não é crime ou confronto. É legítima defesa”. Será que há, ainda, alguém lúcido e bem intencionado, que duvide disso?



(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 8 de abril de 1987).

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: