Saturday, May 19, 2012

Símbolo do ideal de liberdade

Pedro J. Bondaczuk

As cidades, obras humanas que são, simbolizam e consolidam ideais dos mais elevados (e, não raro, também dos menos) dos seus habitantes. Não se limitam a ser meros locais de habitação das pessoas, como, erroneamente, muitos desavisados pensam. São mais, muito mais do que isso. Têm a marca característica dos seus moradores, a sua alma, as suas tradições, os seus sonhos e ideais. Têm, pois, “personalidade”.

Algumas destacam-se, por exemplo, como centros de cultura, pelos magníficos artistas que ali nascem e produzem suas obras. Outras têm vocação para as ciências. Outras, ainda, caracterizam-se como centros religiosos, como os casos de Roma, Lhassa (no Tibete), Meca e... sem dúvida, Jerusalém. E vai por aí afora.

As cidades que não têm essa “personalidade”, por mais suntuosas, confortáveis e seguras que sejam, em determinado momento de sua história entram em decadência e, finalmente, em colapso. E muitas e muitas até se extinguem, várias das quais, não raro, sem deixar vestígios de que ao menos um dia existiram. Por que isso ocorre? Confesso que não sei.

Não é, óbvio, porém o que aconteceu (e ainda acontece) com à eterna capital dos judeus (que sempre o foi, mesmo quando estes estavam dispersos pelo mundo, privados de uma pátria, de um território nacional). Simboliza, antes e acima de tudo, o ideal desse povo pela liberdade, que em tantas e tantas ocasiões, por circunstâncias históricas, lhe foi suprimida e negada por décadas, séculos e até milênios.

Jerusalém foi conquistada por diversos povos, em inúmeras épocas. Foi saqueada, arrasada e tornada deserta, permanecendo, às vezes, anos e anos em ruínas. Todavia, sempre foi, teimosa, zelosa e tenazmente, reconstruída. A cada destruição, sucedia-se a respectiva reconstrução. E sempre que isso ocorria, mais e mais entranhado ficava o amor de seus habitantes por ela. Nem tanto pela cidade em si, mas pelo que sempre simbolizou (e, certamente, ainda simboliza).

Uma dessas destruições de Jerusalém foi a de 558 AC, promovida pelos babilônios, que a dominavam há 17 anos e que a arrasaram para castigar uma rebelião dos seus habitantes contra sua sujeição, levada a efeito para tentar expulsar os invasores. Na oportunidade, os moradores que sobreviveram à carnificina que se seguiu foram presos e enviados à metrópole como escravos. A cidade ficou em escombros, totalmente deserta, com seu templo destruído, sem que restasse pedra sobre pedra dele e assim permaneceu por cerca de meio século.

Mas quando, em 559 AC, o imperador medo-persa Ciro devolveu a liberdade aos hebreus, após conquistar a Babilônia, a primeira idéia que estes tiveram foi a de retornar à antiga capital, reconstruí-la e, principalmente, restaurar o símbolo maior da nacionalidade, seu templo. Era, claro, desafio imenso, principalmente levando em conta os tantos anos de privações que os judeus passaram em decorrência do longo cativeiro na Babilônia.

A primeira reconstrução (muitas outras se fariam necessárias na sequência), contou com a firme e segura liderança de Zerubabel, inspirada pelos profetas Ageu e Zacarias. Foi dura, penosa, sacrificada e, sobretudo, morosa. Para que se tenha uma idéia das dificuldades, basta dizer que, apenas os alicerces do novo templo demoraram dois longuíssimos anos para ficarem prontos, de 538 AC a 536 AC. O santuário completo só pôde ser inaugurado em 516 AC. E nem de longe lembrava a magnificência e suntuosidade do que fora construído por Salomão e arrasado pelos babilônios.

Reconstruída a casa de orações, faltava restaurar as defesas de Jerusalém, para assegurar sua proteção contra novos e velhos inimigos. As muralhas da cidade foram reconstruídas, somente, em 444 AC, por Neemias, em meio a imensos obstáculos de toda a sorte. Os vizinhos, por exemplo, encaravam essa obra com suspeitas e consideravam esse fortalecimento da defesa de Jerusalém como ato hostil, preparativo para alguma eventual guerra. O profeta que comandou as obras em questão registrou para a posteridade: “Os operários têm que trabalhar com ferramentas em uma das mãos e armas na outra”. E foram muitas as incursões armadas, para evitar essa reconstrução, todas repelidas pela espada pelos moradores da cidade.

Em torno de 190 AC, o templo de Jerusalém foi, mais uma vez, saqueado e parcialmente destruído. O autor do saque foi Antíoco IV Epifânio, da dinastia grega dos selêucidas. O objetivo da pilhagem foi o de custear as campanhas militares que o monarca empreendia contra o Egito. Mais uma vez a cidade se viu ocupada e dominada por estrangeiros. Estes foram, todavia, expulsos somente em 164 AC, após três anos de renhidos e sangrentos combates, em que os judeus foram liderados pelo mítico Judá, o Macabeu (também conhecido como “O Martelo”). Dessa forma, o templo pôde ser, também, mais uma vez, restaurado.

Jerusalém seria destruída (e posteriormente reconstruída, claro, como já virara “rotina”) sucessivamente, em 70 DC, pelo general romano Tito, filho do imperador Vespasiano e em 135 AC por Sixtus Severus. Depois, na sucessão dos séculos, foi conquistada, ainda, pelos mouros, reconquistada pelos cruzados e retomada na sequência pelos primeiros, sob o comando do sultão Saladino. E permaneceu em mãos islâmicas por quase mil anos, até pouco antes do final da Primeira Guerra Mundial, em pleno século XX, ou seja, até 1917, quando caiu sob o domínio britânico.

Todavia, mesmo durante a longuíssima ocupação muçulmana, Jerusalém sempre permaneceu aberta à visitação de milhões de peregrinos, e não importa de qual das três religiões que a têm como santa, provenientes das mais diversas partes do mundo. Isso (infelizmente) sem nunca deixar de ser foco de discórdia entre os países que se julgavam (e se julgam) seus proprietários.

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