Pedro J. Bondaczuk
As cidades, como obras que são dos homens, são parecidas, em muitos aspectos, com seus construtores: nascem, crescem, envelhecem e... algumas até desaparecem, não raro sem deixar vestígios. Há aquelas, todavia, que se diferenciam dos seus fundadores num aspecto essencial. Sobrevivem por séculos e até por milênios, abrigando gerações e mais gerações de habitantes, muitos sem parentesco ou qualquer vínculo com os que as criaram, sem perderem sua personalidade. É neste caso que se enquadra Jerusalém, considerada “santa” para pelo menos metade da população mundial, pólo de atração de três importantes grupos religiosos: cristianismo, judaísmo e islamismo.
Tenho fascínio, por diversas razões, por várias cidades do mundo. Algumas conheço, por haver estado lá, como Rio de Janeiro, Recife, Salvador e tantas outras. Outras me são familiares não por havê-las visitado, mas por fotografias, filmes e vídeos, como Nova York, Roma, Londres, Paris e Moscou, por exemplo. E outras, ainda, conheço (e, claro, de forma muito superficial), só por livros. Nenhuma, no entanto, me desperta maior curiosidade e até mesmo reverência como Jerusalém.
Sonho que um dia ainda poderei percorrer suas ruas e becos, “respirar” sua história, rever e buscar entender a origem de suas tradições e, principalmente, ver de perto o cenário dos dramas e tragédias que ali foram protagonizados no correr do tempo. Alguns historiadores estimam a idade de Jerusalém entre 35 a 40 séculos. Outros asseguram que ela tem três milênios de existência. Escavações arqueológicas feitas em seus arredores, todavia, levaram à descoberta, em cavernas locais, de objetos datados de nove milênios antes da nossa era. Dessa forma, a idade dessa mítica povoação tem que ser recuada, e muito. A probabilidade é que tenha sido fundada há pelo menos onze mil anos.
A história registra grandes epopéias desenvolvidas em seu solo, tanto em tempos remotíssimos, como nos bastante recentes, já do século XXI do terceiro milênio da Era Cristã. Relata a presença ali de heróis e vilões, de santos e demônios, de oportunistas e de loucos, de sábios e de imbecis, de visionários e idealistas e de pessoas sem nenhuma perspectiva de vida, se não a de viver por viver. Jerusalém resume, pois, a própria condição humana, com sua diversidade de características, virtudes e defeitos.
Ao longo de sua dramática trajetória histórica, a cidade passou por inúmeras mãos, foi conquistada e pilhada por diversos povos nos quase três mil anos de sua crônica de que se tem registro. Do tempo anterior a isso, há apenas um ou outro vestígio. Das tantas etnias que ocuparam e habitaram Jerusalém, uma se destacou, pelo amor manifestado pela cidade, que se tornou símbolo de sua determinação de se manter unida, mesmo quando conquistada, escravizada e dispersa pelo mundo e que teve e tem essa povoação como a “alma” da sua nacionalidade. Refiro-me, claro, aos judeus, que fizeram desse solo um caso de inextinguível paixão, repositório de suas mais caras e cultuadas tradições de resistência, passado de geração em geração.
Jerusalém, mesmo quando os judeus estavam dispersos pelo mundo, sofrendo perseguições e sendo vítimas de preconceito de toda a sorte, sempre foi o elo inquebrantável de sua cultura, que foi, aliás, a linha-mestra de três civilizações, entre as quais a que é conhecida como do “mundo ocidental”. É interessante, pois, fazer um “passeio”, posto que superficial, por sua milenar história, que tem tudo a ver com cada um de nós, mesmo que jamais tenhamos posto os pés ali.
A palavra Jerusalém pode ter vários significados, dependendo da interpretação que se queira dar ao termo. O diplomata israelense Abba Eban, em seu excelente livro “A história do povo de Israel” (cuja edição em português foi feita pela Editora Bloch), sugere que o nome deriva do hebraico “Ierushaláim”. Se for essa sua origem o significado de sua denominação é de “a cidade da paz” (embora, ironicamente, tenha sido e ainda seja foco de tantas guerras), “casa ou habitação da paz”, “visão ou posse da paz”, “visão perfeita, posse da felicidade”.
Mas Eban admite que há quem interprete a desinência dual “aim” como traduzindo as duas partes da cidade. Admite-se, igualmente, que a palavra Jerusalém derive do verbo iarah (atirar, lançar a pedra fundamental), e do deus semítico Shalem. Nesse sentido, Rute Hoppin denomina a cidade de “fundamento da paz”. Há, entretanto, quem veja a raiz do seu nome nas formas gregas “Hierosalém” e “Hierosólyma”, como resultado da reunião de Hierós (sagrado) e Salem (ou Solymo, nome de um povo da Ásia Menor).
A denominação anterior de Jerusalém, a que precedeu a conquista hebréia feita pelo rei Davi, era Iebusalem. Ou seja, tinha como prefixo o nome do povo a que pertencia, o jebuseu (daí a desinência “Iebus”) e como complemento “Salem”, cujo significado era “sadio, inteiro e paz”. Por isso, para os conquistadores israelitas primitivos, o nome da cidade ficou tendo a conotação de “Morada da Paz”.
Todavia, Jerusalém já teve outros nomes no correr de sua longa e memorável história. Essas denominações tinham finalidades específicas: ou para marcar sua submissão a conquistadores, ou como símbolos de resistência, entre outras. O imperador romano Adriano, por exemplo, após sufocar a revolta comandada pelo líder judeu Bar Kokhba, arrasou a cidade e a reconstruiu, posteriormente, no ano 135 AD, nos moldes urbanísticos de Roma. E denominou-a de Colônia Aelia Capitolina.
Para os árabes, Jerusalém, até hoje, é chamada El-Kuds (ou Al-Kuds), significando “o santuário”, “a santa”. Alguns muçulmanos denominam-na Beit El-Makdas, “a casa da santidade”. O profeta Isaías, no capítulo 29, versículo 1 do seu livro bíblico, designa Jerusalém pela expressão Ariel. Essa palavra, em hebraico, quer dizer “Leão de Deus” (de “ari”, leão e “el”, Deus) ou “Leão Forte”. Há quem derive esse mesmo termo de “Har” (lar) e “El” (Deus), de onde viria “Lar de Deus” ou “Altar de Deus”. Voltarei, certamente, ao tema.
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