Pedro J. Bondaczuk
Jerusalém, nos quase três mil e quinhentos anos que se seguiram à sua conquista aos jebuseus, por parte do rei Davi, foi saqueada e arrasada em inúmeras ocasiões. Todavia, de uma forma ou de outra, foi, teimosamente, reconstruída, literalmente renascendo das cinzas, como a fênix, ave mitológica a que eram atribuídas essas características. Pode-se até mesmo dizer, sem faltar à verdade, que esse ciclo de destruição e posterior reconstrução se tornou rotina na cidade.
Em 701 AC, por exemplo, Jerusalém foi submetida a prolongado cerco, por parte do poderoso exército assírio, que após invadir o território do reino de Judá, e destruir suas fortalezas e guarnições militares, se propôs a riscar a capital judia do mapa. Quase conseguiu. Na ocasião, o rei Ezequias foi forçado a capitular, para evitar que a população morresse à míngua em decorrência do prolongado sítio militar. Bem que os habitantes de Jerusalém resistiram ao inimigo, em quantidade muitíssimo superior e com poderosos armamentos mais mortíferos e eficazes do que os seus.
O exército assírio foi comandado, na ocasião, por um dos mais célebres guerreiros da antiguidade, responsável por inúmeras campanhas bem-sucedidas: Senaquerib. De acordo com a narrativa bíblica, todavia, a capital judia foi salva da total aniquilação por um fato que a população interpretou como milagre. Uma epidemia (possivelmente de cólera) irrompeu nos acampamentos assírios, forçando-os não só a suspenderem o cerco, mas a se retirarem para o seu reino. “Naquela noite, saiu o anjo do Senhor e abateu 185 mil no acampamento da Assíria”, diz o relato bíblico a esse propósito.
Passou-se, depois desse episódio, quase um século, sem que a capital judia voltasse a ser militarmente ameaçada. Todavia, em 605 AC, em determinado dia, os responsáveis por vigiar as muralhas que protegiam a cidade deram o alarme. Aproximava-se dela um poderoso exército, de centenas de milhares de soldados, prestes a atacá-la. A população preparou-se para novas provações. A ameaça, desta vez, veio da maior potência da época, a Babilônia.
O reino de Judá não poderia ser comparado, nem em riqueza e muito menos em poder militar, ao do país invasor. Grosso modo, poderíamos comparar as forças agressoras com os Estados Unidos e as agredidas, com o Afeganistão, por exemplo. A desproporção era brutal. A cidade voltou a ser, pois, sitiada, como ocorrera quase cem anos antes com as tropas assírias, comandadas por Senaquerib. Desta vez, no entanto, nenhum “milagre” ocorreu para salvar Jerusalém. A população bem que resistiu, e muito além do esperado, antes de finalmente capitular.
Os babilônios contavam conquistar a capital judia em dois ou três dias. Mas só conseguiram invadi-la, e saqueá-la, três meses depois. Era impossível resistir por mais tempo. Na ocasião, milhares de judeus foram levados cativos à Babilônia. Mas a vida continuou entre suas devastadas muralhas. Contudo a cidade passou a ser administrada pelos estrangeiros que a haviam conquistado. A aparente passividade da população local, face essa realidade, era apenas aparente.
Dezessete anos depois, ou seja, em 588 AC, os moradores de Jerusalém se rebelaram contra a presença e dominação babilônias. Os rebeldes lograram expulsar seus algozes para fora das muralhas da cidade e prepararam-se para novo sítio, que prometia ser mais severo e devastador do que o anterior. E foi. A resistência desta vez foi muitíssimo maior. Fome e epidemias grassavam entre os rebeldes. O governo babilônio enviou, da metrópole, reforços e mais reforços para vencer a resistência judia. Essa durou praticamente dois anos. Em princípios de 586 AC, todavia, a cidade capitulou. Foi uma carnificina.
Os cidadãos, cujas vidas foram poupadas, foram feitos prisioneiros e levados, como escravos, para a Babilônia. Jerusalém foi arrasada e esvaziada. Subitamente, tornou-se cidade fantasma. O templo, que demandara tanto esforço para ser erguido por Salomão, e que era motivo de orgulho dos judeus, foi saqueado, incendiado e destruído. Tudo indicava que era o fim da capital judia, que permaneceu desabitada e deserta por quase meio século.
Convenhamos, foi um tempo longo demais, suficiente para que a população da cidade, em cativeiro, a esquecesse. Mas os judeus souberam conservar na memória suas raízes e tradições. Reconstruir Jerusalém e o templo passou a ser obsessão para os cativos, posto parecesse sonho irrealizável, mero delírio de quem nutrisse tal ideal. Em 559 AC, todavia, a história do mundo conhecido de então sofreria dramática guinada. O império babilônio, que parecia indestrutível, ruiu. Emergiu nova superpotência mundial, a Medo-Pérsia, sob o comando de Ciro.
Por um desses “milagres” históricos, incompreensíveis à luz da lógica, o homem mais poderoso de então, decidiu devolver a liberdade aos judeus e permitir seu retorno à terra dos seus pais. Os que voltaram à pátria, em sua maioria, não foram os que dela saíram acorrentados e derrotados, mas seus descendentes. O decreto de Ciro estava vazado nos seguintes termos: “O Senhor, Deus do céu, que me deu todos os reinos do mundo, encarregou-me de construir-lhe uma casa em Jerusalém, que fica em Judá. Quem dentre o seu povo que assim o desejar, que vá para Jerusalém e edifique a casa do Senhor, Deus de Israel. E que todo aquele que permanecer onde agora se encontra ajude com prata, e com ouro, e com fazendas, e com gado, além de dádivas voluntárias para a casa do Senhor em Jerusalém”.
Em suma, a cidade e o templo foram reconstruídos, com imensos sacrifícios, mas sem a suntuosidade anterior. Ademais, a reconstrução foi magnífico exemplo de perseverança e de fé. Por uma ironia histórica, porém, voltaria a ser conquistada, pilhada e arrasada. E não apenas uma vez e nem duas, mas muitas. A cada destruição, correspondia nova reconstrução. Mas... esta é uma história que merece maior atenção e que fica, portanto, para outra vez.
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