Sunday, May 06, 2012

Repertório vasto e qualificado

Pedro J. Bondaczuk


A Bossa Nova, passados mais de 50 anos do seu surgimento, é cercada ainda de muita desinformação, de muito equívoco e de muito preconceito por parte de pessoas que não entendem que a arte é intemporal. E quanto mais o tempo passa, mais isso tudo se acentua, daí a necessidade de frequentes esclarecimentos a propósito, até por questão de justiça com músicos excepcionais, poetas de primeira linha e intérpretes maravilhosos que embalaram e encantaram toda uma geração.



Tanto as obras produzidas nesse período são de qualidade artística superior, que agradam e conquistam admiradores ainda hoje, notadamente jovens que sequer eram nascidos quando do seu surgimento e auge, tão logo estes ouvem sua batida característica e suas letras, magníficos poemas musicados.



Muito adolescente, entre 13 e 18 anos, confessa, até mesmo, “sentir saudades” de um período que não viveu, vivido, na verdade, por seus avós, que são os tais dos “anos dourados”, período em que a Bossa Nova nasceu e atingiu seu apogeu. Ao contrário do que muitos pensam, ela não se limita a explorar temas triviais, tipo “O barquinho” (que, aliás, considero uma das coisas mais lindas já compostas em todos os tempos, a despeito do preconceito que cerca essa composição). Há muita canção, que embalou o namoro de muito vovô atual, que é característica dessa tendência musical e que essas pessoas sequer se dão conta.



Ao serem enumerados os expoentes da Bossa Nova, o risco que se corre é o de se cometer injustiças com muitos, ao omitir seus nomes, tantos que eles foram. Os compositores mais conhecidos, no Brasil e além fronteiras, são, sem dúvida, Antonio Brasileiro de Almeida Jobim (que faria aniversário em 25 de janeiro, mesma data da fundação de São Paulo) e seu notabilíssimo parceiro (um deles) Vinícius de Moraes, o saudoso e reverenciado “Poetinha” (no sentido carinhoso, jamais pejorativo do termo).



Claro que ninguém pode esquecer de João Gilberto. Por vários e todos os motivos, ele é inesquecível. A melhor maneira de homenagear esses artistas competentes e talentosos, de uma geração difícil de se repetir (se é que essa façanha seja possível), é preservar sua obra e lembrá-la com frequência, para que um acervo magnífico não venha a se perder por omissão. Trata-se de preciosíssimo patrimônio da cultura brasileira, que precisa ser conservado e devidamente valorizado.



É mister que se lembre, por exemplo, de composições como o tão incompreendido, e por isso mal afamado “O barquinho”, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, gravado por João Gilberto e conjunto de Walter Wanderley, em janeiro de 1961. Ou como “Maria do Maranhão”, de Carlos Lyra e Nelson Lins e Silva, com Elis Regina, em maio de 1962; “Influência do Jazz”, de Carlos Lyra, com o próprio, em maio de 1962; “Marcha da quarta-feira de Cinzas”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, com o conjunto Os Bossais, maio de 1962; “Naná”, de Moacyr Santos e Mário Telles, com Moacyr Santos (saxofone), setembro de 1963 e “Onde está você”, de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini, com Alaíde Costa, em 25 de maio de 1964.



Claro que essa é apenas ínfima amostra de um repertório de milhares e milhares de marcantes composições. Como “Primavera”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, na voz de Carlos Lyra e Dulce Nunes, de julho de 1964; “Preciso aprender a ser só”, de Marcos e Sérgio Valle, com Elis Regina, de janeiro de 1965; “Batida diferente”, de Durval Ferreira e Maurício Einhorz, com Tamba Trio de setembro de 1961; “Berimbau”, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Baden Powell,de 1963; “Samba em prelúdio”, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Geraldo Vandré e Ana Lúcia, de fevereiro de 1963; “Razão de viver”, de Emir Deodato e Paulo Sérgio Valle, com Nana Caymmi, de 1963; “Por um amor maior”, de Francis Hime e Ruy Guerra (o cineasta), com Elis Regina, de fevereiro de 1965 e “Canto de Ossanha”, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com Elis Regina, de 26 de abril de 1966.



Qualquer pessoa, com mediano conhecimento musical e, sobretudo, bom gosto, há de convir que estas são composições de primeiríssima linha. Citaria, de memória, mais algumas, como “Sá Maina”, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, com Wilson Simonal, de agosto de 1968; “Violão vadio”, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, com Baden Powell, de novembro de 1970; “Samba de uma nota só”, de Tom e Newton Mendonça, com João Gilberto, de março de 1958; “Desafinado”, da mesma dupla com o mesmo intérprete, de 10 de novembro de 1958; “Dindi”, de Aloysio de Oliveira, com Silvinha Telles, do segundo semestre de 1959 e, claro, sem a menor dúvida, esse ícone da Bossa Nova que é “Garota de Ipanema”, de Tom e Vinícius de Moraes, com João e Astrud Gilberto, de agosto de 1964 e outras dezenas de intérpretes que gravaram esta canção em épocas diferentes, inclusive recentes.



Comparando essas primorosas composições com as que estão em evidência atualmente (embora haja muita coisa boa “escondida” por falta de divulgação), até dá para compreender o motivo da nostalgia de muitos e muitos adolescentes, com saudades de um tempo que não viveram. O escritor Augusto Frederico Schmidt observou, certa feita: “Estranha coisa é o mundo. Dentro de alguns anos, tudo estará esquecido e perdido”.



Mas, enquanto existirem pessoas esclarecidas, informadas e de bom gosto, nem tudo o que é bom irá se perder. Até as esperanças, que hoje parecem estar em baixa, serão resgatadas e revigoradas. Porquanto, como afirmou o poeta Carlos Nejar, nestes versos basilares:



“É preciso esperar contra a esperança,

esperar, amar, criar,

contra a esperança

e depois desesperar a esperança,

mas esperar...”



É certo que o passado deve ser visto com olhar crítico, para que se corrijam os erros e se multipliquem os acertos. Como não pode ser modificado, devemos extrair dele todas as lições que forem possíveis para construirmos um futuro melhor. Este é um óbvio princípio de sabedoria. O escritor norte-americano Charles M. Dwelley observou, a propósito: “Um homem realmente satisfeito tem seus ontens todos arquivados, seu presente em ordem e seu amanhã sujeito a uma revisão instantânea”. Isso chama-se, sobretudo, arte. A difícil, mas sempre compensadora, arte de viver.

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