Pedro J. Bondaczuk
O que há de verdade sobre os propalados zumbis do Haiti (se é que exista alguma? É lenda ou realidade? É magia ou engodo? Efeito de alguma poderosa e desconhecida droga de efeito cataléptico ou desesperada tentativa de busca de notoriedade, por caminhos tortuosos e insólitos, de algumas pessoas que “atestam” sua existência? E o vodu, é magia negra ou religião como outra qualquer? Dedica-se à prática do bem ou se volta para o mal como muitas pessoas (equivocadamente, com base puramente em preconceitos) acreditam e propalam? Perguntas, perguntas e mais perguntas. Comecemos pelo insólito culto, de origem africana, da sofrida população do país caribenho, o mais pobre das Américas e dos mais miseráveis do mundo.
O vodu é o principal elemento de integração, não somente religiosa, mas também cultural, social e até política, do povo haitiano. A forma como é praticado, hoje, caracteriza-o como sincretismo com o cristianismo (no que se assemelha à umbanda). Isso se deve ao fato da sua prática ter sido proibida, em certa época, pelos franceses, colonizadores da Ilha Hispaniola, no Caribe, onde o Haiti está localizado, juntamente com a República Dominicana.
O vodu original tem elementos de predominância pagã. Sua origem é africana, sendo sua raiz detectada em Daomé e na região conhecida como Fon. Aliás, o idioma esotérico adotado pelos fiéis originou-se dessa área, tão pouco conhecida do continente negro. No Haiti, o vodu é praticado através de três ritos distintos: congo, rada e nagô, cada qual com seus templos e liturgias próprios, diferenciados, principalmente, pelo tipo e pelo ritmo dos tambores e pelos cantos e danças.
Os voduistas crêem na possessão dos deuses, sob a proteção de Loa, a divindade suprema de seu panteão. O adorador é possuído através da dança e dos movimentos rítmicos levados ao paroxismo. Os cantos e as batidas dos tambores são executados até que os fiéis que os dançam se vejam prostrados pela exaustão. É quando entram em transe.
Um dos principais Loas do vodu do Haiti foi como que “beatificado”. Ou seja, foi pessoa física, existiu de fato, não sendo, pois, fruto da imaginação dos crentes. Trata-se de Makandall, tido e havido como uma espécie de profeta e assim tratado. Por essa razão, foi reverenciado e, posteriormente, deificado.
Em 1758, quando escravo dos senhores de engenho franceses, esse personagem previu a destruição dos tiranos da ilha, de todos eles, mediante envenenamento. Estes reagiram, de forma violenta, acusando-o de incitar rebelião e punindo o infeliz “profeta” com a morte na fogueira. Makandall foi conduzido, acorrentado, a uma praça pública e, ali, foi queimado vivo. Entretanto, depois da sua morte, testemunhada por uma multidão de adeptos, vários desses seus seguidores garantiram terem-no visto vivo, e em diversas partes do Haiti. A notícia não tardou a se espalhar.
A lenda da miraculosa sobrevivência, ou melhor, da “ressurreição” de Makandall cresceu, ganhou inúmeros detalhes, acrescentados por diversas supostas testemunhas e, hoje, os voduístas crêem que, no momento em que o fogo foi aceso, o “profeta” foi possuído por Loa, que o livrou das chamas e da conseqüente morte.
O vodu é praticado, também, em algumas comunidades negras do Sul dos Estados Unidos. Combina práticas mágicas (entre as quais a transformação de pessoas que praticam o mal em zumbis), o falismo e o satanismo. Implica em sacrifícios aos deuses, hoje realizados com o sangue de animais, como cabras, galos e galinhas. Todavia, houve tempos em que a oferenda às suas divindades era o sangue de uma donzela branca. Por razões óbvias, essa prática foi abolida. Pudera!
Como todas as religiões, o vodu tem, também, seus sacerdotes, conhecidos como “papalois”. Todavia, não é um culto machista, como a maioria conhecida. Conta, igualmente, com sacerdotisas, as “mamalois”, com os mesmos poderes e idêntica reverência de seus colegas masculinos. A iniciação deles é um processo dificílimo e de longa duração, podendo demorar até décadas se preciso.
Um dos elementos mais importantes do seu ritual é o tambor, para a marcação rítmica. Há vários tipos e tamanhos deles, havendo alguns de dimensões tão grandes que o ritmista, para tocá-los, tem que subir numa escada, ou numa árvore. Um dos principais tambores é o “assótor” (que os voduistas acreditam que encarna uma das suas principais divindades, do mesmo nome) que, através de seu som, transmitiria sua palavra aos fiéis. As danças são realizadas à luz da lua, ao redor de fogueiras e os devotos, durante o culto, atingem o estado de êxtase, quando então comem a carne dos animais recém sacrificados, numa espécie de comunhão.
Dois dos inúmeros deuses vodus têm destaque entre os fiéis. O primeiro é a entidade que preside os cemitérios, o deus dos mortos, cujo nome é Baron Samedi. O segundo, ou segunda, é a deusa do amor, responsável pela fecundação, pela fertilidade dos casais, chamada de Maestra Erzulie.
O ex-presidente (na verdade, ex-ditador) haitiano, François Duvalier, falecido em 1971 e que era conhecido como “Papa Doc”, foi estudioso do voduísmo, culto que não somente não proibiu no país (como fez com tantos outros), como, principalmente estimulou.
E fez as seguintes observações a respeito dessa religião: “O vodu possui uma doutrina, materializa-se nos ritos, oferendas e sacrifícios, em uma hierarquia sacerdotal e de iniciação – todos os elementos culturais que encontram suas fontes nas religiões de diferentes tribos levadas para São Domingos. Existe certa tendência encaminhada para confundir o vodu com a magia negra. Mas não é assim na crença popular, que diferencia claramente essas duas entidades, a tal ponto que o servidor dos Loas Radas, divindades benévolas, deve abster-se de práticas mágicas, sob pena de severas sanções. Para eles, são mais recomendáveis as obras de beneficência, principalmente aquelas que são mais conhecidas por nelas imperar o sentido da caridade, como as oferendas denominadas comida das almas e comida dos indigentes. Além do mais, o vodu, como qualquer outra religião, se propõe a alcançar os fins de caráter humanitário”.
Quanto aos zumbis, a controvérsia, certamente, ainda vai prosseguir por muito tempo, despertando a fantasia de aventureiros (e de escritores), o espírito de pesquisa dos estudiosos e dando oportunidade de ação aos inescrupulosos e oportunistas.
E volto ao meu questionamento inicial Lenda ou realidade? Magia ou engodo? Efeito de alguma poderosa e desconhecida droga de efeito cataléptico ou desesperada tentativa de busca de notoriedade de embusteiros, por caminhos tortuosos e insólitos? São estas as questões que tentarei responder na sequência, com os parcos recursos de que disponho.
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