Tuesday, May 22, 2012

Novo drama de violência e miséria chega ao fim

Pedro J. Bondaczuk

O poeta Guilhermino César, num lúcido poema, escreveu que “a vida não deve ser isso que se vê”. Principalmente o que ocorre nas paupérrimas sociedades nacionais que abrigam dois terços da humanidade, 42 das quais – entre elas a Etiópia – vêm sendo chamadas de Quarto Mundo, tamanho é seu estado de miserabilidade.

A virtual tomada de Addis Abeba, cidade de 1,5 milhão de habitantes, por parte dos rebeldes etíopes, põe fim a um drama de violência e destruição de 30 anos. E, provavelmente, dá início a um outro. É sempre o que acontece com as chamadas “revoluções salvadoras”, que se multiplicam, em especial na América Latina e na desvalida África.

Movimentos são formados para a deposição de ditaduras e, quando logram sucesso – se logram – seus líderes transformam-se em tiranos, em geral piores do que os que depuseram. Esse comportamento, de tão freqüente, até já se tornou lugar-comum.

Ocorreu isso, por exemplo, com o ex-presidente etíope, general Mengistu Hailé Mariam. Quando em 3 de fevereiro de 1977 ele assumiu o poder, prometeu céus e terras ao seu povo. Todavia, mergulhou num mar de lama e corrupção. Nadou num oceano de sangue do seu povo. Revelou, sobretudo, uma insensibilidade brutal com o sofrimento de sua gente.

Em fins de 1984, por exemplo, quando a Etiópia passava por um drama terrível, com sua população, especialmente no Norte e Noroeste da província rebelde da Eritréia, morrendo de fome, causada por uma seca anormal e pela guerra civil, o governante abriu os cofres públicos, em geral vazios de dinheiro e repletos de contas a pagar, para adquirir mais de 200 mil caixas de uísque escocês.

Na oportunidade, Mariam justificou que a bebida se destinava a visitantes estrangeiros que iam a Addis Abeba. Para o truculento presidente, isto era prioritário naquele momento. Como governar é definir prioridades, ele demonstrou não dispor de nenhuma vocação para exercer uma liderança consciente, limpa e honesta.

O tempo passou. O país deteriorou-se, atolado em ódio, miséria e no cinismo de seus dirigentes. Os três principais grupos guerrilheiros, apoiados pelo Ocidente – nunca falta um mercador de armas “bonzinho” para estimular rancores e apregoar falsos heroísmos a serem praticados, logicamente, com seus “produtos” – avançaram em sua luta. Foram conquistando cidades após cidades.

Mais e mais jovens etíopes eram convocados a pegar em armas para combater seus irmãos. Mais e mais pessoas ficavam órfãs e viúvas. Hoje, a Etiópia sofre nova e grave ameaça de fome, pior, até, do que a de 1984.

Desta feita, porém, o “comprador de uísque”, acossado pelo avanço dos rebeldes rumo à capital, não teve nervos de aço para enfrentar a situação. Na semana passada, no mesmo dia do assassinato de Rajiv Gandhi, na Índia, Mengistu Hailé Mariam anunciou, pela rádio estatal, sua renúncia, tomou um avião em Addis Abeba, enganou a todos dizendo que ia inspecionar tropas que combatiam a guerrilha, e fugiu para o Zimbabwe, onde possui uma fazenda.

Foi gozar o “prêmio” por sua insensibilidade, incompetência e corrupção, como ocorre com a maioria dos ditadores contemporâneos. Deixou atrás de si uma capital em estado de absoluto caos, com saques, agressões, estupros e tudo o que de ruim pode ocorrer numa sociedade desprovida de lei e de ordem se sucedendo por toda a parte. O poeta Guilhermino César, portanto, tem toda a razão. “A vida não deve ser isso que se vê”.

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 29 de maio de 1991)

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: