Thursday, May 31, 2012

Não raro, nós e nossas obras somos julgados pela posteridade quando não mais podemos nos defender. Comparam-nos com gênios da espécie, sem levar em conta as circunstâncias da nossa vida: a importância da nossa profissão, as oportunidades que tivemos, o acesso às informações etc. Esses julgamentos, para serem justos, deveriam considerar isso e o tanto de esforço despendido para chegar onde chegamos. Se deixássemos alguma obra, mereceríamos certa condescendência por nossas fraquezas, além de alto grau de misericórdia de quem nos julgasse. Morris West escreve, no romance “A estrada sinuosa”: “Escolhe-se uma profissão em que se deseja triunfar. Apreciam-se as suas recompensas. Aceitam-se as suas limitações. Compartilha-se a responsabilidade dos seus males. Um homem e a sua obra têm de ser julgados no estado e condição a que ele pertence. O próprio Deus Todo Poderoso tempera a justiça absoluta com uma infinita misericórdia”.

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Por dentro da TV

"TRANSAS & CARETAS" SATISFAZ LAURO

A novela recém finda, "Transas & Caretas", despertou muitas controvérsias, principalmente entre os críticos. Para uns, foi a pior dos últimos tempos; para outros, apresentou incríveis inovações e para terceiros, conseguiu se manter com boa audiência apenas graças ao seu excelente elenco. Entretanto o autor, Lauro César Muniz, considera-se realizado com esse trabalho, afirmando que foi a melhor história que escreveu para a TV. Nós, de nossa parte, estamos na base do "nem tanto ao céu, nem tanto à terra". A novela não foi a decepção que estão apregoando por aí. Muito pelo contrário, conseguiu manter o interesse até o final. Entretanto, esteve muito longe dos melhores trabalhos de Lauro, como "O Casarão", "Espelho Mágico" e "Carinhoso". Em outras palavras, deu para o gasto.

MAURO MONTALVÃO VOLTA À TV

Depois de longo afastamento do vídeo, Mauro Montalvão volta à TV e pega, logo de cara, uma pedreira. Enfrenta a primazia do "Fantástico", da Globo, com seus onze anos no ar, junto ao telespectador. Aliás, Mauro vai procurar combater fogo com outro fogo. O nome do seu programa é, sintomaticamente, "O Fantástico Programa Mauro Montalvão", calcado em jornalismo, música e prêmios. Temos grande admiração pelo apresentador, mas que ele terá pela frente um enorme desafio, disso não tenham dúvidas.

MORTE DA "LOURA MISTERIOSA"

Noa próximos capítulos da novela "Partido Alto", o professor Maurício vai entrar numa encrenca dos diabos, da qual conseguirá sair apenas no final da história. É que o mau caratismo do Sérgio vai chegar ao extremo de cometer um assassinato, no apartamento do mestre, de forma que tudo leve a crer que seja ele o autor da morte da "loura misteriosa". Ba semana passada, Cláudio Marzo, Herson Capri e Monique Alves viveram momentos de tensão durante as gravações. Monique, inclusive, chegou a confessar que sentiu medo, tal o realismo da cena. O assassinato será mostrado a partir do capítulo 76.

OS AVÓS CORUJAS

Nicette Bruno e Paulo Goulart têm todos os motivos para estarem felizes. É que, no dia 16 passado, ganharam mais um netinho, o Leonardo, terceiro filho de Bárbara e Kiko. As reações de Paulo até que foram normais, mas Nicette...Esta demonstrou ser uma "vovó coruja" das maiores e não se cansa de comparar a fisionomia do garotinho com a de outros parentes. E ela não vê a hora da peça "Boa noite, mãe", que faz com Aracy Balabanian no Rio, iniciar temporada em São Paulo, no mês que vem, para estar mais perto do novo neto. Dizem que Nicette está contando, inclusive, as horas para isso. Nada como a felicidade de poder ser vovó...

(Coluna escrita por mim, sem assinar, publicada na página 26, editoria TEVÊ, do Correio Popular, em 26 de julho de 1984).

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Fanático ativista político

Pedro J. Bondaczuk

O escritor, amiúde, se vê confrontado com temas sobre os quais não gostaria jamais de escrever, que lhe causam repugnância e horror, mas que, até por um imperativo moral, é desafiado a enfrentar de peito aberto. Pode, é claro, ignorá-los simplesmente. Pode tocar sua vida, como se aquilo que o repugnou ou assustou sequer existiu. Ou de que nunca tenha tomado conhecimento do assunto. Se o fizer, todavia, ficará mal com sua consciência. Para ele, não pode haver tema tabu, até em respeito ao que é, em última instância, seu verdadeiro “patrão”, seu implacável árbitro, cujo julgamento é o único que lhe importa: o leitor.

Um desses assuntos que me repugnam e que detesto abordar é o que se refere a um dos períodos mais dramáticos e mais sangrentos da história da humanidade: a Segunda Guerra Mundial, com seu desfile de horrores e de hediondos personagens, alguns tão insanos que, se comparados, por exemplo, a Nero, Calígula e tantos outros loucos homicidas, estes últimos poderiam ser tomados como paradigmas de “bondade”, ombreando-se a Madre Teresa de Calcutá ou a São Francisco de Assis. Claro que é exagero meu (e que exagero!). Mas dá a exata dimensão de quão maldosos foram esses terríveis personagens.

A Segunda Guerra Mundial escancarou tudo o que de pior possa haver no espírito e, sobretudo, no comportamento humano. Campos de concentração, “matadouros” de pessoas, em que inocentes eram assassinados “industrialmente” e reduzidos a cinzas, em fornos crematórios, que funcionavam ininterruptamente; experiências médicas que se feitas em cobaias animais já seriam repugnantes, imaginem em mulheres, crianças e bebês e vai por aí afora. Até bomba atômica foi usada nesse conflito contra populações inocentes, num assassinato coletivo absurdo e surreal e que nunca sofreu a devida condenação mundial que deveria sofrer. Por que? Porque esse delito contra a humanidade foi cometido pelo lado vencedor. É assim que funciona a paupérrima justiça humana.

Personagens assustadores, que ficcionista algum conseguiria sequer remotamente imaginar, por mais criativo e imaginoso que fosse, por seu grau de insânia e de perversidade, existiram, de fato, e suprimiram a vida (ou a desgraçaram) de milhões e milhões de indefesos prisioneiros. Um dos mais cruéis, cínicos e covardes foi, sem dúvida, Josep Mengele, conhecido, não sem razão, como “Anjo da Morte” do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, de trágica memória para a humanidade. E por que escolhi justamente esse indivíduo, sem moral e sem o mínimo álibi que desculpe e justifique suas nefastas ações, entre milhares de tantos outros seres monstruosos? Porque as lembranças mais apavorantes, dos escassos sobreviventes dos campos da morte, são suscitadas justamente por ele.

Outro motivo que me leva a tratar desse indivíduo é o que em jornalismo chamamos de “gancho”. Ou seja, o oportuno pretexto para se escrever e publicar determinada reportagem ou artigo, mediante contextualização. Isso, aliás, nem é exclusividade de jornalistas. Escritores, amiúde, se utilizam desses pretextos para escrever seus livros. Neste caso específico, o “gancho” é o fato de Josep Mengele ter morrido em 7 de fevereiro de 1979, afogado em uma praia de Bertioga, no litoral paulista.

Outro motivo que me levou a escrever, à revelia da minha mais íntima vontade, sobre um tema que me incomoda e deprime tanto é o de desmistificar um quê de “romantismo” com que determinados adolescentes, despreparados (ou desmiolados?) encaram o nazismo, que, claro, nunca conheceram em sua verdadeira essência. Há já algum tempo, abundam grupos que se auto-intitulam neonazistas, como se essa opção fosse uma glória, algo que merecesse apaixonada adesão. Agem assim, claro, apenas por modismo. Mas... Esses moços precisam conhecer a fundo, com todos os escabrosos e hediondos detalhes, o que foi essa malévola ideologia e os monstros que a engendraram e defenderam, quase destruindo o mundo e a civilização.

Josep Mengele nasceu na bucólica e aprazível cidadezinhas alemã de Guinzburg, às margens do Rio Danúbio, no estado da Baviera, em 16 de março de 1911. Sua família gozava de muito prestígio e, quando jovem estudante, ninguém diria que aquele moço talentoso e promissor, que desde cedo mostrou vocação para a medicina, se tornaria o monstro que se tornou. Essas coisas são rigorosamente imprevisíveis. O pai, Karl, era industrial, proprietário da “Karl Mengele und Sohen”, próspera fábrica de equipamentos agrícolas, a maior empregadora da região.

Josep formou-se em Frankfurt, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial. Seus contemporâneos dizem que era aluno dos mais aplicados, posto já fosse onipresente ativista político, até mesmo fanático pelo nazismo. Como tal, tinha, em Adolf Hitler, uma espécie de “deus”. Estava disposto a fazer de tudo, a sacrificar o que (e quem) mais gostasse, se isso fosse necessário, pelo partido, que era, então, sua obsessão.

Seu fanatismo ideológico aproximou-o de outro hediondo “monstro” nazista, Adolf Eichmann, do qual não tardou em se tornar o braço direito, um dos homens de sua irrestrita confiança. Foi por suas mãos, aliás, que parou na absurda e hedionda “fábrica da morte” em que o campo de concentração de Auschwitz foi transformado.

Recebeu autorização para realizar, ali, experiências médicas, na verdade genéticas – objetivando “purificar” a raça ariana, que no entender daqueles celerados malucos era perfeita, superior a todas as outras, e por isso deveria dominar o mundo – tendo por “cobaias” prisioneiros judeus, que posteriormente seriam eliminados e teriam os restos mortais reduzidos a cinzas para não restarem vestígios dessas macabras “pesquisas” e estas seriam espalhadas nas lavouras, para servirem de adubo. Tudo fora meticulosamente planejado e pensado, como se fosse uma próspera indústria qualquer.

Adolf Eichmann foi o mentor do que passou para a história como a “Solução Final”. Ou seja, o Holocausto, a política de extermínio físico de toda uma etnia, a judia, para que dela não restasse um único espécime e assim ela não viesse a se misturar com os “arianos” e não os “contaminasse”. Coisa de doido, não é mesmo? Esse hipercriminoso, pelo menos, foi devidamente justiçado. Foi capturado, em 11 de maio de 1960, em Buenos Aires, onde vivia sob falsa identidade, por agentes do serviço secreto israelense, o Mossad, sob a liderança de Raphael Eitan.

Conduzido a Israel, Eichmann foi julgado em 1961 e condenado à morte (na única sentença capital já imposta a um civil em toda a história desse país). Foi executado, na forca, em 1º de junho de 1962. Seu julgamento foi detalhado pela eminente escritora e filósofa Hannah Arendt, no livro “Eichmann em Jerusalém”, originalmente uma série de reportagens para a revista “The New Yorker”, no qual a autora cunhou e consagrou sua famosa expressão “banalidade do mal”. Já Mengele, por mais caçado que tenha sido, escapou do julgamento e morreu afogado em uma praia de Bertioga, frustrando o compreensível anseio de suas vítimas sobreviventes por justiça, que se fez, ao final das contas, mas por linhas tortas.

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Wednesday, May 30, 2012

Cada ser humano, dos vários bilhões que vivem e que já viveram desde o surgimento da espécie, é rigorosamente único e original. Mesmo gêmeos univitelinos, que se assemelham um ao outro na aparência e na estrutura genética, têm diferenças, que não são poucas. Se não tivessem, bastariam alguns dias de vida para que se diferenciassem: ou na experiência, ou nos sonhos, ou no pensamento ou na história pessoal. Daí termos tanto valor. Ainda assim, nenhum de nós é absolutamente senhor dos seus pensamentos e atos. Recebemos, do nascimento à morte, inúmeras influências, que irão determinar nosso caráter, formação e trajetória de vida. Morris West escreve, no romance “O Navegante”: “Todos nós somos prisioneiros. De nossos genes, de nossa história, de nossos velhos sonhos ancestrais”. A esses fatores que nos influenciam é que José Ortega y Gasset denomina de “circunstâncias”. Somos, de fato, “nós e nossas circunstâncias”.

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Fragmentos


Pedro J. Bondaczuk

A tarde se extinguia, mui calma e serena.
O vento agitava a copa das palmeiras.
Na areia branca colhi uma concha pequena,
na qual me recolhi, com meus gestos, maneiras.

No dia em que partiu, você levou consigo
os meus derradeiros sonhos de adolescente,
só nessa concha fria eu encontrei abrigo
pro meu sentimento neurótico, doente.

Inda a vejo a seguir, a passo resoluto,
deixando em seu lugar vazios e ruínas,
desencantos que até hoje sinto e desfruto.

Mas o tempo apagou as palavras ferinas
que do meu amargo despeito eram o fruto
e que selaram nossas diferentes sinas.

(Soneto composto em Campinas, em 20 de abril de 1967).


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O dissimulado médico e monstro

Pedro J. Bondaczuk

A confirmação, mediante testes de DNA, ocorrida em 1992, de que as ossadas sepultadas no cemitério do Rosário, no município de Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, eram, mesmo, do criminoso de guerra nazista Josep Mengele, como se pensava tão logo foram exumadas, frustrou muitas pessoas. Ficaram frustrados, sobretudo, seus implacáveis “caçadores”, que tinham como questão de honra sua captura, para que fosse julgado pelos vários crimes que cometeu durante a Segunda Guerra Mundial.

O chamado “Anjo da Morte” do campo de extermínio de Auschwitz morreu afogado, em 7 de fevereiro de 1979, em uma praia de Bertioga, no litoral paulista. Seus ossos foram exumados em 1985 e identificados por uma equipe de legistas do Instituto Médico Legal de São Paulo, comandada por Fortunato Badan Palhares. O resto de dúvidas que ainda persistia, a respeito da identidade daqueles restos mortais se dissipou face o resultado do teste de DNA. Dessa forma, um dos criminosos mais procurados do mundo (se não o mais) livrou-se do julgamento dos homens, não tendo que pagar por seus hediondos crimes.

O leitor mais jovem, que não era nascido quando os delitos desse e de tantos outros criminosos de guerra foram cometidos, pode perguntar (e muitos me perguntam): “qual a razão de tamanho empenho na tentativa de capturar Josep Mengele?” Até se entende a reação dessas pessoas que, no entanto, mudam imediatamente de postura quando informadas sobre o que, realmente, esse monstro fez. Para quem tem hoje, por exemplo, menos de 30 anos, o que ocorreu no mundo – notadamente na Europa – durante o período da Segunda Guerra Mundial, é mais um dos tantos “tópicos” de História, que têm que decorar, não raro apressadamente, antes de alguma sabatina da matéria.

Quem é tão mal esclarecido (e estes ascendem aos milhões, mundo afora), costuma perguntar, quando o tema vem à tona: “Quem foi, afinal, esse Mengele? O que ele fez de tão terrível para ser objeto de tamanha perseguição?”. Até certo ponto, essa indagação procede. Afinal, o nome desse médico sequer consta da maioria das enciclopédias. Durante anos e anos, passada a fase dos julgamentos do pós-guerra no tribunal de Nuremberg, e até o início de 1985, quando da exumação da ossada em Embu das Artes, raramente foi mencionado nos veículos de comunicação. Afinal, querem saber essas pessoas, “o que esse sujeito fez de tão ruim?”.

Apenas duas informações seriam suficientes para esclarecer essas dúvidas e justificar o empenho em localizá-lo, prendê-lo e levá-lo às barras da justiça. A primeira é que Josep Mengele foi o responsável pela morte de 400 mil pessoas, a maioria judeus, adultos, mulheres, crianças e idosos, no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. A segunda, tão ou mais grave que a primeira, está ligada à sua profissão, a Medicina. Ele manchou, descumpriu, ridicularizou e pisoteou o “juramento de Hipócrates” e usou os conhecimentos médicos que adquiriu não para curar pessoas e salvar vidas, conforme jurou fazer ao receber o diploma.

Em vez disso, aplicou seu talento para fazer exatamente o oposto. Fez, de seres humanos indefesos e frágeis, cobaias para hediondas experiências, notadamente genéticas, dessas que não se fazem hoje sequer em animais criados para esse fim, infligindo a suas vítimas indescritíveis sofrimentos, comprovados por sobreviventes, cujo testemunho é um desfile de horrores. É inconcebível que um ser humano tenha feito o que esse homem fez a outros seres humanos. Mengele, portanto, traiu não somente a Medicina, como a própria humanidade.

O que assustava nesse indivíduo – personalização exata do célebre personagem de ficção de Robert Louis Stevenson em “O médico e o monstro” –, conforme o testemunho de sobreviventes de Auschwitz, era uma espécie de dupla personalidade. “Ele sabia ser agradável e costumava ser gentil com as vítimas: oferecia doce às crianças e acariciava os cabelos das menininhas. Mas, no instante seguinte, voltava a ser o ‘Anjo da Morte’, capaz de presenciar assassinatos em massa, com um sorriso nos lábios e entoando canções românticas”, relata uma sobrevivente, na época com sete anos de idade e que hoje vive em Israel.

O maior tormento das pessoas que passaram por suas mãos e que ainda estão vivas (todas na faixa de mais de oitenta anos), com as mentes irremediavelmente marcadas por tremendos traumas e corpos horrivelmente mutilados, é a lembrança de suas visitas diárias às “enfermarias” de Auschwitz. Nestas rondas, retirava os prisioneiros doentes, aqueles que estivessem mais debilitados.

Para evitar alarme, com um cinismo impressionante e uma frieza anormal, consolava os aflitos. E aos que eram removidos, mostrava um ar de “bondade” que dissipava temores e dúvidas, prometendo “solução para seus males”. Só não dizia que esta, invariavelmente, se resumia à permanência, por três minutos, sob “os chuveiros” de Ziklon B, veneno utilizado na agricultura, usado nas câmaras de gás dos campos de extermínio nazistas para assassinatos em massa. Era a morte irremediável, sentença absolutamente irrecorrível. Para não deixar vestígios dos hediondos crimes, os corpos eram incinerados nos fornos crematórios, acesos dia e noite, reduzindo milhares e milhares de cadáveres por dia a cinzas, num absurdo e louco processo “industrial” de homicídios.

Um episódio do “Anjo da Morte” muito lembrado foi narrado pelo jornalista José Antonio Pedriali, do “O Estado de São Paulo”, em artigo publicado em 10 de março de 1985 (época em que ele foi destacado como enviado especial do jornal ao Paraguai), intitulado “Mistério, mito. Onde está Mengele?”, em que diz: “Na primeira vez que ele entrou no bloco infantil, em 15 de janeiro de 1944, dividiu por idade as quase cinco mil crianças e, em seguida, mandou-as encostarem-se na parede, onde haviam sido pintadas marcas determinando a altura mínima que julgava ideal para cada idade. As que não atingiam essa marca eram imediatamente levadas às câmaras de gás”.

Tudo isso (e muito mais) foi feito sem gestos dramáticos ou ameaçadores, sem gritos, sem ofensas verbais carregadas de ódio, sem violência física pessoal, atitudes normais dos soldados nazistas encarregados dos campos de concentração. Foi feito friamente, cinicamente, impessoalmente e, pode-se dizer, até, “gentilmente”. Bela gentileza! Essa frieza, essa dissimulação, essa crueldade e essa “alegria” e mórbido prazer face o sofrimento alheio é que fizeram de Josep Mengele o homem tão odiado, o mais procurado do mundo ao cabo da Segunda Guerra Mundial.

Estes foram os principais motivos, aliás, pelos quais tantos caçadores de nazistas torceram fervorosamente para que as ossadas exumadas no cemitério do Embu, com documentos falsos pertencentes ao austríaco Wolfgang Gerhard (o verdadeiro retornou para a Áustria alguns anos antes), não fossem do “Anjo da Morte” de Auschwitz. Todavia... eram. Foi irônico demais o fato de um criminoso desse porte ter escapado de responder por seus crimes hediondos e atos bestiais perante a justiça dos homens. A História, não raro, prega esse tipo de peça.

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Tuesday, May 29, 2012

Ao contemplarmos a imensidão do universo, até onde os frágeis instrumentos de observação humanos alcançam, nos maravilhamos com sua grandeza e tentamos especular sobre seus desígnios. “Qual sua origem e finalidade?”, nos perguntamos a todo o instante, intuindo que tudo tem princípio e fim, a exceção de quem criou essa fenomenal estrutura. Por motivos óbvios, só podemos nos restringir às especulações, impossibilitados de chegar a qualquer certeza. Mas um conhecimento nós temos: o de que não fomos dotados por acaso de razão e que nos compete exercitar essa prerrogativa da melhor forma possível e agir de conformidade com seus ditames. Jorge Luís Borges escreveu, no capítulo “Uma oração”, do livro “Elogio da sombra – um ensaio autobiográfico”: “Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça, é ajudar a esses desígnios, que não nos serão revelados”. Ajamos, portanto, assim!

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Conflitos redesenham mapa geopolítico

Pedro J. Bondaczuk

O clima de guerra civil existente na Iugoslávia, em virtude dos conflitos étnicos entre sérvios e croatas, que trouxe à tona o secular ódio existente entre estas duas Repúblicas, ressalta as controvérsias de fronteiras no Leste europeu do pós-comunismo.

O mapa da Europa Oriental desenhado ao término da Segunda Guerra Mundial pelo líder soviético Joseph Stalin, pelo presidente norte-americano, Franklin D. Roosevelt, e pelo primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, na Conferência de Yalta, de fevereiro de 1945, já teve seus contornos alterados, com a reunificação das duas Alemanhas, ocorrido em 3 de outubro de 1990.

Outras mudanças significativas, todavia, estão em vias de ocorrer. A União Soviética, a médio prazo, por exemplo, deverá ter seu perfil alterado, perdendo pelo menos 1,8% do seu atual território, representado por seis Repúblicas rebeldes. Lituânia, Letônia, Estônia, Geórgia e Armênia já proclamaram, unilateralmente, suas independências.

Embora o Cremlin tente, de todas as formas, mantê-las agregadas à URSS, isto se torna, a cada dia, mais improvável. Já a Moldávia, antiga Bessarábia, tomada da Romênia ao fim da Segunda Guerra Mundial, pretende se reunificar (novamente) a esse país.

O processo pode levar anos ou até décadas, mas o mais provável é que as Repúblicas rebeldes logrem os seus intentos. À Iugoslávia, outra colcha de retalhos étnica, surgida em 1918, ao final da Primeira Guerra Mundial, parece estar reservado um destino ainda pior do que o da União Soviética. Enquanto o marechal Jozip Broz Tito era vivo, seu carisma pessoal e o fato dele ser um herói nacional, conseguiram manter a federação razoavelmente coesa.

As primeiras fissuras na união, todavia, começaram a surgir após sua morte, em 5 de maio de 1980, com a estranha presidência colegiada que ele criou antes de morrer. Agora, as seis Repúblicas e duas regiões autônomas que compõem o país estão querendo cada uma ir para o próprio lado. O processo separatista ameaça, inclusive, ser muito mais traumático do que o soviético e dificilmente uma ampla guerra civil poderá ser evitada.

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 9 de maio de 1991)

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Um hediondo “anjo da morte”

Pedro J. Bondaczuk

Os depoimentos do casal austríaco Liselotte e Wolfram Bossert, na Polícia Federal,em São Paulo, que levaram as autoridades a um túmulo no cemitério de Rosário, no município de Embu das Artes, na região metropolitana da capital paulista, agitou, na ocasião (início de junho de 1985), a imprensa não somente de todo o Brasil, mas, e principalmente, a internacional.

É que ali estariam sepultados, desde fevereiro de 1979, os restos mortais de um dos mais cruéis e sanguinários criminosos de guerra nazistas, o sujeito mais procurado do mundo (ou um dos), para que fosse levado aos tribunais, julgado e finalmente pagasse pelo mal que praticou. Tratava-se de Josep Mengele, cujo apelido era Beppo, mas conhecido, mundialmente, por “Todesengel”, ou “Anjo da Morte” do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia.

É interessante deter-se sobre este personagem e relembrar suas ações por se tratar de alguém fartamente relatado na literatura internacional, tanto de ficção quanto de não-ficção, e que se tornou um dos homens mais odiados do mundo por sua crueldade, cinismo e frieza, paradigma de maldade e de sadismo. Tentarei ser o mais objetivo possível em meu relato, apesar do asco que essa figura nefasta (diria, maldita) sempre me despertou.

A notícia de que as ossadas, que poderiam ser de Josep Mengele, foram encontradas no cemitério de Embu das Artes, imediatamente se espalhou e foi veiculada pelos principais meios de comunicação através do mundo. As reações que despertou foram as mais variadas, indo desde o absoluto descrédito e total ceticismo de alguns, até a euforia de tantos, passando pela postura de cautela de parte da comunidade judia. Uma das mais estranhas manifestações a propósito partiu de Moscou, das autoridades comunistas do Cremlin, que afirmaram que essa preocupação da imprensa internacional com um personagem da Segunda Guerra Mundial era parte de “uma tática do Ocidente para desviar a atenção da opinião pública de assuntos muito mais importantes”. Talvez até fosse, mas...

Recorde-se que na época a União Soviética ainda existia. O vergonhoso Muro de Berlim ainda estava de pé e a tal “cortina de ferro” dividia parte considerável da Europa. A tal da “guerra fria” estava em pleno andamento, ameaçando atingir ponto de fervura. De qualquer forma, a caçada ao ex-médico do campo da morte de Auschwitz, visando sua prisão e julgamento, era uma questão de honra, quer no Oriente quer no Ocidente. E não apenas para os caçadores de nazistas, liderados por Simon Wiesenthal, espalhados por todas as partes, mas também para governos, principalmente o da então Alemanha Ocidental (o território alemão ainda não havia sido reunificado), preocupado em desvincular a sociedade germânica contemporânea dos acontecimentos vergonhosos da Segunda Guerra Mundial.

Mesmo depois de noticiada a localização das ossadas supostamente de Josep Mengele, no cemitério de Embu das Artes, ofertas de tentadores prêmios em dinheiro multiplicaram-se, feitas por várias entidades, judias e não judias, objetivando, através da cobiça, estimular as pessoas a participarem da operação para levar esse criminoso ao banco dos réus. Anúncios foram veiculados em vários jornais da América Latina, principalmente no Paraguai, onde se supunha que ele estivesse ou onde provavelmente tenha vivido. Enfim, a prisão de Josep Mengele transformara-se em obsessão, fazendo dele o homem mais procurado do mundo.

Todavia, de acordo com o depoimento do casal austríaco Liselotte e Wolfram Bossert, a essa altura o “Anjo da Morte” já estaria morto e há seis anos. A dupla informou que o criminoso de guerra vivia em seu sítio, no município de Caieiras, sob o nome falso de Pedro Gerhard. Quando indagado sobre seu passado, o misterioso hóspede não escondia seu vínculo nazista. Contudo garantia que, como oficial alemão, se limitava a selecionar prisioneiros que fossem aptos para o trabalho e jurava que nunca havia matado ninguém.

A morte de Mengele teria ocorrido em 7 de fevereiro de 1979, por afogamento, numa praia de Bertioga, no litoral paulista. O casal austríaco suspeita que ele cometeu suicídio, deixando-se afogar, embora não descarte a possibilidade de que algum mal súbito, como câimbras ou até mesmo fulminante ataque cardíaco, o tenha acometido.

A ossada foi exumada em maio de 1985 e encaminhada para o Instituto Médico Legal de São Paulo para identificação. A perícia, conduzida pela equipe chefiada pelo legista Fortunato Badan Palhares, concluiu que os restos mortais examinados eram, mesmo, de Josep Mengele. Fundamentou essa conclusão, principalmente, no fato de haver um defeito congênito nos dentes superiores frontais no crânio examinado, o que combinava com o ex-médico nazista.

A dúvida quanto à identidade das ossadas persistiu até 1992, quando um exame de DNA comprovou, sem mais margens a qualquer questionamento, que o corpo enterrado no cemitério de Embu das Artes era, mesmo, o do terrível “Anjo da Morte” de Auschwitz que, ironicamente, morreu saem jamais ser punido por seus hediondos crimes. Voltarei ao assunto.

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Monday, May 28, 2012

Apesar de dimensões ínfimas, em relação ao inconcebivelmente imenso tamanho do universo, somos mini-mundos. Abrigamos bilhões de vidas independentes, que nascem, crescem, se reproduzem e morrem, como ocorre conosco, representadas pelas células do nosso corpo e por seres oportunistas, como vírus e bactérias, que sobrevivem às nossas custas. Somos partes indissociáveis da mágica cadeia da vida, reprodução, em pequena escala, do universo. Jorge Luís Borges escreveu, em suas memórias, este instigante trecho a respeito: “Um homem propõe-se a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de quartos, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que este paciente labirinto de linhas traça a imagem do seu rosto”. Somos, como se vê, mundos autônomos, que precisam ser preservados.

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O novo papel dos festivais

Pedro J. Bondaczuk

A Rede Globo realiza, amanhã, no Gigantinho, em Porto Alegre, a segunda eliminatória do “Festival dos festivais” e se espera que o nível seja um pouco superior, em termos de qualidade das composições concorrentes, ao verificado na fase anterior, desenvolvida no Recife. A expectativa é por músicas que não copiem as linhas do chamado “rock pauleira” (efeito retardado,. Mas já esperado do “Rock ‘n Rio” e por letras que pelo menos comuniquem alguma coisa ao ouvinte e não sejam meros jogos de palavras, sem conteúdo ou significado. Ou seja, que sejam mais artísticas e menos comerciais.

Mas não é bem da eliminatória de amanhã que desejamos comentar, mas sobre o excelente programa de apoio (que vai ao ar mensalmente) apresentado domingo passado, na Globo, abordando aspectos os mais variados de antigos festivais e que versou sobre a influência da Censura sobre a evolução da MPB nos idos de 1968. Intitulado “Sinal fechado”, recordou um período de grande ebulição contestatória, não somente no Brasil, mas em todo o mundo. O “gancho” usado foi o Festival Internacional da Canção, promovido pela emissora naquele ano, e principalmente a dissintonia entre o veredito do júri e a preferência popular, destacadamente na parte nacional daquele FIC.

Até hoje as pessoas não entendem o que havia de tão errado na célebre composição de Geraldo Vandré “Pra não dizer que não falei de flores”, para despertar a oposição , e em alguns casos até a ira, das autoridades. O fato é que essa canção, mais tarde transformada em hino contestatório, valeu inúmeros dissabores ao seu autor. E causou uma coisa que atualmente seria considerada verdadeira heresia, mas que na oportunidade, no calor das paixões deflagradas, de fato aconteceu. Uma imensa vaia do público que superlotava o ginásio do Maracanazinho, no Rio de Janeiro, para a dupla Chico Buarque e Antonio Carlos Jobim. Até hoje é impossível de se saber se a manifestação de desagrado foi dirigida à canção “Sabiá”, vencedora da fase nacional daquele festival (de um lirismo simplesmente comovedor), se aos dois compositores (que nem mesmo com a maior das más vontades poderiam ser considerados cooptados pelo sistema) ou se ao corpo de jurados. Ao nosso ver, ela foi injusta, mas explicável.

Para se compreender o que se passou naquele FIC, é necessário entender aquele período, marcado pela ebulição mundial. Foi em 1968 que a Checoslováquia começou a viver um esperançoso processo de liberalização, implantado por Alexander Dubcek em 5 de abril, conhecido por “Primavera de Praga”, esmagado pelos tanques soviéticos em 20 de agosto. Também nessa época ocorreu o levante estudantil na França, que viveu oito dias de loucura com a tomada da Sorbonne pelos universitários, a ocupação de fábricas pelos seus operários e com as barricadas no bairro boêmio de Paris, o “Quartier Latin”, fatos esses acontecidos a partir de 2 de maio, estendendo-se até o dia 13.

No Vietnã, os norte-americanos intensificavam suass ações militares, chegando, em determinado momento, a contar com até meio milhão de soldados para combater os esfarrapados “vietcongs” e seus aliados, os norte-vietnamitas de Ho-Chi-Mihn. Além disso, os EUA enfrentavam problemas internos de discriminação racial, que culminaram no assassinato, no dia 4 de abril de 1968, do líder negro dos direitos civis, o pastor Martin Luther King, seguido, dois meses e um dia depois, da estúpida morte do senador Robert Kennedy, em plena campanha presidencial.

A contestação e a violência varriam o mundo, pondo em cheque os valores estabelecidos após a Segunda Guerra Mundial, especialmente nas camadas mais jovens. E o Brasil, onde se colocava? O País vivia um período de extrema coação, com os intelectuais virtualmente amordaçados, impedidos de expressar suas inquietações e propostas e a população silenciada em suas reivindicações e protestos. Poucos canais restavam para a liberação das tensões acumuladas. Entre estes, estavam os festivais.

Não é de se estranhar que eles se multiplicassem tanto no período. Iam desde os promovidos por universidades e por clubes, aos que obtinham maior repercussão e ofertavam prêmios mais tentadores, como os patrocinados pelas emissoras de TV, no caso a Excelsior, a Record e a Globo. Os compositores passaram a ser a voz dos jovens, daí porque a platéia literalmente exigia que as canções contestatórias fossem sempre vencedoras. Mesmo que elas não fossem as melhores, como no caso da composição de Vandré. Essa também foi uma das razões porque boas canções, como “Saveiro”, de Dori Caymmi, por exemplo, recebessem vaias impiedosas do público e viessem a magoar tanto aos que as recebiam. Afinal, o artista é dotado de sensibilidade exacerbada, razão pela qual suas obras transmitem tanto sentimento. É um ser humano mais carente de aprovação e de carinho populares do que os demais. Manifestações unânimes de desagrado ferem profundamente a sua vaidade e causam mágoas, às vezes irreversíveis. Por isso eles são o que são: artistas.

Hoje os festivais têm uma função diferente. É a de servir de mera “vitrine” para os compositores mostrarem suas criações. Por isso a participação popular não é tão entusiástica quanto outrora. E nem mesmo tão importante. O evento destina-se mais a especialistas. E por essa razão a crítica recebeu tão mal a eliminatória do Recife, que mostrou que em termos de música popular, nada de novo há para ser mostrado. Fica a expectativa de que a fase de Porto Alegre apague essa primeira impressão, tão negativa, do “Festival dos festivais”. Tomara que sim.

(Comentário publicado na coluna “Vídeo”, página 20, editoria de Arte e Variedades do Correio Popular, em 23 de agosto de 1985).

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Arauto musical do sertão


Pedro J. Bondaczuk

A música popular brasileira é farta em revelações – de cantores, compositores e instrumentistas excepcionais – que, quando menos se espera, surgem no cenário musical, conquistam seu espaço, se impõem e alguns até viram mitos. É certo que isso ocorre praticamente em todas as atividades e profissões. Todavia, meu foco, hoje, é a MPB. Mais especificamente, é um nordestino que se tornou paradigma, sinônimo de determinado ritmo musical que, antes dele, ostentava apenas caráter regional e que, com ele, passou a ser conhecido e apreciado nacionalmente.

Dos vários centenários a serem comemorados em 2012, o desse simpático (diria carismático) artista popular é um dos que mais têm a ver comigo (e com certeza com milhares de pessoas país afora). Refiro-me a Luiz Gonzaga – que por causa do seu expressivo e simpático rosto redondo, recebeu o apelido de “Lua” – nascido em 13 de dezembro de 1912 em Exu, cidade do sertão pernambucano. Manteve-se na crista do sucesso por, praticamente, 43 anos, desde o lançamento de seu primeiro disco pela gravadora RCA Victor, em 1946, até sua morte, ocorrida no Recife, em 2 de agosto de 1989.

Depois da sua morte, o ritmo que o consagrou, e que Luiz Gonzaga popularizou, declinou e voltou ao estado em que se encontrava antes do cantor e compositor tê-lo revelado, por inteiro, nos grandes centros do Sul e Sudeste, notadamente São Paulo e Rio de Janeiro. Refiro-me ao baião, do qual o artista nordestino tornou-se, de fato e de direito, “rei”.

Poucos intérpretes – quer no Brasil, quer no mundo – tiveram um repertório de sucessos tão vasto quanto esse músico, que começou a carreira como apenas instrumentista, tocador de sanfona na zona do meretrício da então capital do País. Foram mais de 90 baiões, muitos dos quais se tornaram clássicos da MPB, como “Asa Branca”, “Seridó”, “Juazeiro”, “Que nem jiló”, “Baião de dois” e “Respeita Januário”, entre tantos e tantos e tantos outros êxitos de execução e de vendas.

O pitoresco é que, no início de carreira, Luiz Gonzaga ignorou o baião, achando que essa tradicional expressão musical nordestina não iria agradar as sofisticadas platéias sulistas. Na zona, por exemplo, seu repertório era constituído, principalmente, de choros, sambas, foxtrotes e, notadamente, de vários ritmos estrangeiros, tão a gosto dos brasileiros no início da década de 40 do século XX. Além de tocar nesses inferninhos, apresentava-se em programas de calouros, e com o mesmo tipo de música, por isso era mais um entre tantos. Não se destacava e nem chamava a atenção de ninguém. Mas, teimosamente, persistia.

Sua sorte começaria a mudar, todavia, em 1941. Em determinada ocasião desse ano, inscreveu-se para cantar no programa de calouros mais popular do país da época, comandado pelo ranzinza Ary Barroso, que era implacável com os maus cantores e maus músicos. Justamente neste!!! Era uma temeridade, como se vê. Mas Luiz Gonzaga resolveu correr o risco, que foi ainda maior ao escolher o que iria cantar. Cantaria (e pela primeira vez, pois até então, era apenas instrumentista e de um instrumento nem tão popular assim nos meios musicais mais sofisticados, a sanfona) uma composição de sua autoria.

Para sua surpresa, ao terminar a execução de “Vira e mexe”, foi aplaudido de pé pela platéia e elogiadíssimo por Ary Barroso. Pode-se afirmar que, na prática, sua carreira artística começou ali. O bom desempenho no programa de calouros valeu-lhe um contrato com a gravadora RCA Victor. Na sequência, veio a contratação pela Rádio Nacional. Dali para a fama, foi mera questão de tempo.

Luiz Gonzaga foi, dos tantos artistas que tive a oportunidade de conhecer (e, com alguns, convivi até), que mais me impressionaram. Principalmente por sua simplicidade e pela amabilidade. Conheci-o pessoalmente no intervalo de um show que ele apresentou na sede de um clube de futebol da cidade de São Caetano do Sul, no Grande ABC paulista, onde então eu residia. Foi na Vila Gerti, bairro que abrigava a comunidade nordestina do município. Fui convidado e nem sei por que aceitei, porquanto, na época, o baião estava longe de figurar entre minhas preferências musicais. Mas fui. E nunca me arrependi. Aliás, pelo contrário.

O tal show ocorreu no final de 1963. Na oportunidade, eu já era radialista e vislumbrei uma oportunidade de obter entrevista exclusiva com o então já consagrado “Rei do Baião”. Intimamente, duvidava que conseguiria. Mas... no verdor dos 20 anos, eu era um jovem ousado (diria atrevido) e não desistia de nada sem antes tentar. E o Gonzagão me surpreendeu. Não só aceitou ser entrevistado, como de quebra, após o show, ficamos papeando por duas horas ou mais, bebericando alguns guaranás bem gelados (a noite era quente como quê), falando das respectivas vidas, preferências, projetos e, principalmente, de trivialidades, dessas que os amigos falam sem que se cansem.

Ao nos despedirmos, como se fôssemos íntimos de longuíssima data, fui presenteado com dois LPs, autografados (sem dúvida) por ele. E, desde então, passei a ser não apenas seu fã incondicional, como apreciador do baião, após ouvir umas cinqüenta composições ou mais desse rei, cuja majestade, jamais questionada ou contestada, nunca foi motivo de soberba. Pelo contrário. Depois desse show, sempre que ele se apresentava em São Paulo, eu fazia questão de comparecer. E de pelo menos dar-lhe um abraço afetuoso, no que sempre fui retribuído.

Há, entre os críticos musicais, certa controvérsia em torno do baião. Há quem reporte sua origem à França, a Bayone e sustente a tese que o nome do ritmo derivaria da corruptela da denominação dessa cidade. Bobagem. Trata-se de dança popularíssima do Nordeste, pelo menos desde o século XIX, derivada de um tipo de lundu, o “baiano”. É, portanto, corruptela, sim, mas não de “Bayone”, mas de “baiano”. Sua execução característica utilizava, apenas, sanfona. Luiz Gonzaga, porém, introduziu dois novos instrumentos: a zabumba e o triângulo.

Graças ao Gonzagão, o baião ganhou a adesão de outros cantores populares (como Marlene, Emilinha Borba, Ivon Curi, Carmem Miranda, Isaurinha Garcia, Ademilde Fonseca, Dircinha Batista etc.). Nenhum deles, claro, com o mesmo carisma e o mesmo sucesso do querido “Lua” nessa sua seara. A enciclopédia eletrônica Wikipédia destaca, a propósito: “Se Gonzaga era o ‘Rei do Baião’, Carmélia Alves era tida como a ‘Raínha’, Claudete Soares a ‘Princesa’ e Luís Vieira o ‘Príncipe’”. Como se vê, Sua Majestade tinha a acompanhá-lo uma corte de peso, de muito respeito.

Há tempos eu devia este singelo testemunho público da minha admiração e respeito por este nordestino bonachão, sorridente, bem-humorado e simples, que esbanjou talento e simpatia, sem nunca se “mascarar”. Foi e sempre será, posto que postumamente, sem tirar e nem pôr, o lídimo “arauto musical do sertão”. Dívida, pois, paga, mesmo que numa reminiscência sem a devida e esperada objetividade (nem jornalística e nem literária) da minha parte. Mas pejada, em contrapartida, de sentimentos e de muita emoção. Saudades de você, Gonzagão!!!

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Friday, May 25, 2012

Muitos sufocam o talento natural com que foram dotados, sob o pueril pretexto de que essa aptidão não lhes trará dinheiro, como se isso fosse a coisa mais importante da vida. Obviamente, não é. Nada se compara à satisfação íntima que advém da certeza do cumprimento, com competência, do nosso papel no mundo. A recompensa é mera conseqüência dessa auto-realização. Quem começa qualquer empreendimento de olho, apenas, numa possível compensação, está no caminho exato (muitas vezes sem volta) de imensas frustrações. Abraham Harold Maslow escreve a respeito: “Um músico deve compor, um artista deve pintar, um poeta deve escrever, caso pretendam deixar seus corações em paz. A essa necessidade podemos dar o nome de auto-realização”. É esse sentimento que leva as pessoas a realizarem grandes obras, que sobrevivem ao tempo e ao suceder de gerações e que as podem manter vivas na memória da posteridade até o fim dos tempos.

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