Tudo
é desafio
Pedro J.
Bondaczuk
A
vida é bela, e fascinante, e misteriosa, por se tratar de um desafio, de um
permanente processo de renovação, embora, paradoxalmente, envelheçamos a cada
dia que passa. É como um rio, cujas águas são sempre diferentes. A
sobrevivência humana, quer no âmbito individual, quer no coletivo, sofre,
constantemente, ameaças de toda a sorte, que vão desde as decisões dos líderes
políticos no que se refere à guerra ou à paz, até a possibilidade (sempre
presente) de que uma catástrofe cósmica venha a destruir este pequeno e
insólito planeta azul do Sistema Solar.
O
que é a vida? É, sobretudo, mistério. É muito mais do que meros conjuntos de
aminoácidos combinando para formar proteínas componentes de células, tecidos,
órgãos, estruturas completas. Há algo impalpável que anatomista algum, nenhum
cientista, por mais perito que seja, conseguiu isolar, separar, dissecar e
reproduzir em laboratório, posto que é imaterial. É impossível saber se ela
existe em outros planetas, dos “zilhões” que há no universo, embora a intuição
nos induza a achar que sim. Mas, se houver, será que há, alhures, tanta
abundância de espécies como há na Terra, que ascende a vários bilhões
(quantidade jamais apurada com exatidão, tamanha que é).
Nossa
vida, a do Homo Sapiens, que é a que, ao fim e ao cabo importa, é curta,
curtíssima; é breve, brevíssima; é como um raio, um quase imperceptível lampejo
de luz, entre duas eternidades de trevas, embora mais extensa do que a da
maioria das espécies.. Pode ser comparada a uma ligeira observação inserida
entre dois parênteses numa determinada sentença. Se pertinente ou não, se
valiosa ou inútil, se explicativa ou obscura, dependerá só de nós.
Dependerá
dos valores que cultivarmos, dos pensamentos e obras que criarmos e, sobretudo,
de nossas ações. Por mais que se queira, não há como fugir dessa incômoda
realidade. Se quisermos viver com dignidade e utilidade, temos que preencher
este brevíssimo intervalo do texto da nossa existência com atos e fatos e
feitos de grandeza e de amor. É só o que podemos e o que nos compete fazer.
O
ser humano, todavia, no relativamente curto tempo que a espécie existe, ainda
não aprendeu a valorizar a vida, nem mesmo a sua, quanto mais a das demais
criaturas, animais e/ou vegetais. Ela, no entanto, é privilégio, metáfora,
milagre. Ao longo da história, as pessoas entregaram-se (e ainda se entregam),
invariavelmente, à perversa cultura da morte.
Hoje
em dia, por exemplo, filmes, romances, novelas e peças teatrais apresentam
cenas em que determinados personagens matam outros com a maior naturalidade,
com absoluta sem cerimônia, como se fosse ato banal e corriqueiro.
Evidentemente, não é. O pior é que as crianças crescem sob essa estúpida
cultura da morte, que lhes é incutida a pretexto de se tratar de “arte”.
Mas
a vida é sagrada, posto que (supostamente) rara na vastidão universal. Sua
preservação e valorização deveriam ser enfatizadas, sempre, cotidiana e incansavelmente,
às crianças (e aos adultos infantilizados), e não essa estúpida e absurda
cultura da morte que lhes é impingida, não raro subliminarmente.
O
homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar
(em vão) tudo, desde o maior dos enigmas, que é o da natureza e finalidade da
sua vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações
pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas
ainda assim empíricas, na base de tentativas e erros, sujeitas, portanto, a
mudanças, ao sabor dos acontecimentos.
Temos
que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e
fatos, com obras e idéias, com paixão e emoção. Admiramos heróis e santos do passado, de
épocas bastante remotas, que entendemos tenham sido gloriosas e inesquecíveis.
Porém, não raro, nos sentimos diminuídos face à grandeza desses mitos da
espécie. Tolice!
Todos nós temos, adormecidas, as características que
levaram esses gigantes humanos às grandes realizações. Basta, apenas, que as
identifiquemos e desenvolvamos. Nosso potencial é grandioso e não ficamos
devendo nada a ninguém, seja de que época for.
Mas, para agir como esses heróis e santos, que tanto
reverenciamos (com justiça), teremos que agir como eles e, se possível,
superá-los. Ou seja, devemos ser desprendidos, abnegados, solidários,
altruístas e corajosos. Temos que ser construtivos e justificar nossa passagem
pelo mundo. Por isso, tudo o que pensamos ou fazemos é desafio.
A
palavra “viver” justifica, plenamente, sua condição de verbo. Caracteriza
“ação” e não apenas uma e única, mas inúmeras, em quantidade quase infinita.
Traz, implícita, dezenas de outros verbos vinculados, como amar, sofrer,
sorrir, chorar, lutar, vencer e tantos e tantos outros. Um deles, porém,
deveria ser sumariamente eliminado: matar.
Há,
todavia, pessoas que virtualmente não vivem, mas se limitam a “existir”. Fogem
dos sentimentos, economizam ações e se julgam merecedoras apenas de vantagens e
de proteção, sem que façam nada para justificar esse suposto merecimento.
Nosso
maior desafio, porém, entre os virtualmente infinitos que a vida nos impõe, é o
de viver, plenamente, com alegria, otimismo, confiança e bom humor. Não
tenhamos nunca medo de nos expor ao que possa, eventualmente, nos ferir ou
magoar. Não nos conformemos a meramente existir, como as pedras, as águas, os
abismos e os montes. Sejamos, sobretudo, humanos, em toda a plenitude que essa
nobilíssima condição sugere.
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