Friday, December 02, 2016

Guerra produz novo quadro político


Pedro J. Bondaczuk


O fim da guerra do Golfo Pérsico coloca, tanto diante dos países da região, quanto dos integrantes da coalizão multinacional que participou do conflito, uma série de questões, de cuja resposta satisfatória irá depender a estabilidade ou não dessa vital zona mundial.

Um novo quadro político e estratégico está emergindo, com o calar dos canhões, ainda indefinido e carecendo de decisões que o consolidem. A primeira pergunta que surge se refere ao destino de Saddam Hussein. Como os iraquianos irão absorver a derrota? O presidente tem cacife para se conservar no poder ou está com os dias contados?

Há uma forte movimentação de bastidores --- uma segunda guerra, subterrânea mas nem por isso menos encarniçada --- para fazer com que ele saia do cenário da região e se possível até da própria vida.

Serviços secretos movimentam-se no sentido de fermentar uma rebelião no Iraque que redunde na queda do atual líder. Grupos, certamente, estão planejando formas de chegar até Saddam Hussein, para dar cabo dele. Claro que o homem mais controvertido da atualidade, odiado e amado por milhões de pessoas, especialmente no mundo árabe, está ciente disso.

Embora perdendo a guerra, ele mostrou ser hábil, manhoso, ousado. Não pode, por isso, ser subestimado. Os quadros, evidentemente, serão bem diversos com Saddam na presidência do Iraque --- mesmo militarmente impotente --- e sem ele. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre as três Repúblicas da região e as suas monarquias.

O presidente sírio, Hafez Assad, ao aderir à coalizão, tornou-se confiável aos olhos do Ocidente, depois de ter sido durante muitos anos tido como "persona non grata" para europeus e norte-americanos.

Ainda em 1988, durante uma reunião dos sete países mais industrializados do mundo, a Síria foi acusada, oficialmente, num documento assinado pelos dirigentes dessas nações, como um Estado promotor do terrorismo. Se Damasco ganhou a confiança ocidental, perdeu a aura de defensor dos milhões de árabes pobres que o viam como uma opção.

A guerra, por outro lado, beneficiou o Irã em quase todos os aspectos, à exceção do ecológico, já que o território iraniano vem sendo um dos mais afetados pelas nuvens de fumaça da queima dos poços de petróleo kuwaitianos e iraquianos e bastante atingido peela perniciosa "chuva negra".

No aspecto econômico, a República dos aiatolás teve lucros fantásticos ao longo de toda a crise, obtendo, inesperadamente, os recursos que tanto precisa para sua reconstrução. Politicamente, a posição assumida pelo presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani de, mesmo condenando a invasão ao Kuwait, tentar mediar a paz, para salvar seu inimigo de ontem da destruição, certamente vai render saldos positivos.

Doravante, o país volta a ser novamente uma potência regional a ser considerada. Tudo isso merece uma séria, cuidadosa e criteriosa análise, pois do panorama que se configurar vai depender se o Golfo Pérsico, finalmente, terá a segurança e estabilidade desejadas pelo Ocidente ou se esta guerra foi só um "round" de um conflito muito mais amplo no porvir.


(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 2 de março de 1991)

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