Partido Comunista não é mais
reformável
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente russo, Bóris Yeltsin, de 60 anos de idade, respaldado por milhões de
cidadãos soviéticos que o tornaram o político mais popular dos últimos tempos
em seu país, após a enxurrada de votos que conseguiu em duas eleições --- em
março de 1990 para o Parlamento e em 12 de junho passado para a presidência da
Rússia --- está se constituindo na principal figura da crise iniciada com a
deposição de Mikhail Gorbachev.
O
reformista radical joga, neste momento, sua cartada decisiva. Não é apenas a
democracia em sua pátria que está posta na mesa, mas seu próprio destino
pessoal. Uma derrota nesse braço-de-ferro com a linha-dura pode custar-lhe não
somente o cargo conquistado nas urnas, mas talvez sua liberdade ou até a
própria vida.
Por
outro lado, a lógica política indica que dificilmente os golpistas terão êxito
nessa sua aventura. Com certeza, eles se equivocaram acerca do suposto repúdio
da população a Gorbachev, após sucessivas campanhas, de várias entidades, pela
renúncia do presidente.
Uma
derrota nesse confronto, que parece cada vez mais provável, vai significar o
"canto do cisne", o sepultamento definitivo do Partido Comunista.
Certo estava o ex-assessor do Cremlin, Alexander Yakovlev, que se afastou do
cargo no mês passado, ao não acreditar na possibilidade de uma reforma do PC
que o tornasse instrumento confiável para a consolidação da perestroika.
O
escritor G. Konrad citou um caso pitoresco, ocorrido na Hungria, que dá bem a
conta da mentalidade dos velhos comunistas, chamados de conservadores, como os
que depuseram Gorbachev. Escreveu: "Nosso bom e velho tirano Matyas Rakosi
esmurrou certa vez a mesa durante a reunião do Politburo do PC húngaro e
perguntou: 'Camaradas, será que descemos tão baixo a ponto de sermos iludidos
pela nossa própria propaganda?'" Se esse caso fosse na União Soviética, a
resposta seria: sim!
Será
que Gennady Yanayev, Valentin Pavlov, o marechal Dmitri Yazov e o pessoal do
grupo ultraconservador Soyuz, mentores do golpe, não perceberam que se o país
está à beira do abismo, foi o Partido Comunista que o colocou ali? Será que
essa gente não tem sensibilidade para compreender que o motivo de Gorbachev ser
tão impopular na URSS se prende exatamente ao fato de ter acreditado na
agremiação? Será que esses burocratas medíocres não se deram conta do
esvaziamento do PC, com mais de 4 milhões de pessoas cancelando suas filiações
em somente um ano? O que eles esperam para o futuro que não seja um julgamento
pelos seus crimes e prevaricações, que é o que lhes vai acontecer, pois este
golpe não terá sucesso?
Quanto
a Yeltsin, embora criticado em muitas oportunidades por seu discurso demagógico
--- chegou a prometer, na recente campanha, que todos os russos teriam casas
próprias até o ano 2000, o que é improvável pelo imenso déficit habitacional
existente na Rússia --- tem mostrado uma firmeza e uma coragem ímpares na
defesa das conquistas democráticas.
O
bonito em sua resistência aos golpistas é o fato de estar defendendo não a
tomada do poder, mas a devolução ao seu legítimo dono, Gorbachev, de quem,
aliás, sempre foi o mais ferrenho adversário. Dessa forma, o político populista
adquire também a indispensável projeção internacional para no futuro, mais
amadurecido, completar a obra gigantesca de conduzir a União Soviética ao
destino que o país merece.
A
ocasião não faz somente o ladrão, mas também os santos, os heróis e os líderes.
E a história não deixará de registrar um Bóris Yeltsin desafiando os tanques do
totalitarismo, de peito aberto, subindo num desses blindados para conclamar o
povo a fazer valer a sua vontade.
A
Gorbachev, por outro lado, compete aprender a lição de que de "cachorro
louco não se pode esperar lealdade". Certamente o presidente soviético
agora entendeu, da forma mais dura possível, que o Partido Comunista não é
reformável, mas passivo de extinção.
(Artigo
publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 21 de agosto de
1991).
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