Saturday, December 24, 2016

Partido Comunista não é mais reformável



Pedro J. Bondaczuk


O presidente russo, Bóris Yeltsin, de 60 anos de idade, respaldado por milhões de cidadãos soviéticos que o tornaram o político mais popular dos últimos tempos em seu país, após a enxurrada de votos que conseguiu em duas eleições --- em março de 1990 para o Parlamento e em 12 de junho passado para a presidência da Rússia --- está se constituindo na principal figura da crise iniciada com a deposição de Mikhail Gorbachev.

O reformista radical joga, neste momento, sua cartada decisiva. Não é apenas a democracia em sua pátria que está posta na mesa, mas seu próprio destino pessoal. Uma derrota nesse braço-de-ferro com a linha-dura pode custar-lhe não somente o cargo conquistado nas urnas, mas talvez sua liberdade ou até a própria vida.

Por outro lado, a lógica política indica que dificilmente os golpistas terão êxito nessa sua aventura. Com certeza, eles se equivocaram acerca do suposto repúdio da população a Gorbachev, após sucessivas campanhas, de várias entidades, pela renúncia do presidente.

Uma derrota nesse confronto, que parece cada vez mais provável, vai significar o "canto do cisne", o sepultamento definitivo do Partido Comunista. Certo estava o ex-assessor do Cremlin, Alexander Yakovlev, que se afastou do cargo no mês passado, ao não acreditar na possibilidade de uma reforma do PC que o tornasse instrumento confiável para a consolidação da perestroika.

O escritor G. Konrad citou um caso pitoresco, ocorrido na Hungria, que dá bem a conta da mentalidade dos velhos comunistas, chamados de conservadores, como os que depuseram Gorbachev. Escreveu: "Nosso bom e velho tirano Matyas Rakosi esmurrou certa vez a mesa durante a reunião do Politburo do PC húngaro e perguntou: 'Camaradas, será que descemos tão baixo a ponto de sermos iludidos pela nossa própria propaganda?'" Se esse caso fosse na União Soviética, a resposta seria: sim!

Será que Gennady Yanayev, Valentin Pavlov, o marechal Dmitri Yazov e o pessoal do grupo ultraconservador Soyuz, mentores do golpe, não perceberam que se o país está à beira do abismo, foi o Partido Comunista que o colocou ali? Será que essa gente não tem sensibilidade para compreender que o motivo de Gorbachev ser tão impopular na URSS se prende exatamente ao fato de ter acreditado na agremiação? Será que esses burocratas medíocres não se deram conta do esvaziamento do PC, com mais de 4 milhões de pessoas cancelando suas filiações em somente um ano? O que eles esperam para o futuro que não seja um julgamento pelos seus crimes e prevaricações, que é o que lhes vai acontecer, pois este golpe não terá sucesso?

Quanto a Yeltsin, embora criticado em muitas oportunidades por seu discurso demagógico --- chegou a prometer, na recente campanha, que todos os russos teriam casas próprias até o ano 2000, o que é improvável pelo imenso déficit habitacional existente na Rússia --- tem mostrado uma firmeza e uma coragem ímpares na defesa das conquistas democráticas.

O bonito em sua resistência aos golpistas é o fato de estar defendendo não a tomada do poder, mas a devolução ao seu legítimo dono, Gorbachev, de quem, aliás, sempre foi o mais ferrenho adversário. Dessa forma, o político populista adquire também a indispensável projeção internacional para no futuro, mais amadurecido, completar a obra gigantesca de conduzir a União Soviética ao destino que o país merece.

A ocasião não faz somente o ladrão, mas também os santos, os heróis e os líderes. E a história não deixará de registrar um Bóris Yeltsin desafiando os tanques do totalitarismo, de peito aberto, subindo num desses blindados para conclamar o povo a fazer valer a sua vontade.

A Gorbachev, por outro lado, compete aprender a lição de que de "cachorro louco não se pode esperar lealdade". Certamente o presidente soviético agora entendeu, da forma mais dura possível, que o Partido Comunista não é reformável, mas passivo de extinção.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 21 de agosto de 1991).


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