Constante reconstrução
Pedro
J. Bondaczuk
Você já notou como
nossa vida é uma constante reconstrução? É um tal de fazer, refazer, construir,
demolir, voltar a construir no local em que a construção anterior foi demolida,
e assim vamos, nessa toada, até o momento de nos despedirmos do mundo e
encerrarmos essa aventura que nos é proporcionada pelo fato de termos nascido.
E não me refiro apenas a obras palpáveis, a casas e edifícios, por exemplo, mas
também a carreiras, a relacionamentos, a amizades, inimizades, ódios e amores.
Nada tem o caráter da permanência, da perpetuidade e da eternidade.
Galáxias, estrelas e planetas
nascem a todo o momento, enquanto outros tantos explodem, ou se alteram, ou
simplesmente desaparecem em algum lugar da imensidão sem-fim do espaço vazio.
Essa permanente reconstrução, digamos, física, concreta, pode ser observada
melhor, por exemplo, nas zonas urbanas.
Num determinado
instante, em decorrência da crescente expansão das povoações (hoje, mais da
metade da humanidade reside em pequenas, médias e, sobretudo, grandes cidades),
uma área qualquer é loteada e dividida em vários terrenos. São feitas campanhas
publicitárias, os lotes são vendidos um a um, e não tarda para que alguém
edifique uma moradia no espaço que adquiriu, há pouco tempo absolutamente
baldio, que é logo cercado pelo proprietário.
Digamos que nesse lugar
seja erguida uma luxuosa mansão, embora a área seja ainda um tanto erma. Os
anos passam. As coisas mudam. O poder público promove a urbanização da gleba,
proporcionando serviços essenciais ao homem moderno, sem os quais não sobrevive
com dignidade, como água, luz, esgoto, asfalto etc. E o novo bairro, que se
formou lentamente, se expande com rapidez. Centenas de outras moradias são
construídas, várias das quais mais suntuosas, modernas e confortáveis do que a
residência original do nosso personagem pioneiro. Claro que nos referimos ao
processo, digamos, “normal” de urbanização. Nas favelas, ele é mais ou menos
parecido, porém desordenado e caótico. Ninguém compra terreno de ninguém.
Invade a área e pronto. Ela passa a ser sua.
Voltemos ao nosso
povoador pioneiro. O passar dos anos traz natural desgaste à mansão que
construiu, apesar de constante e cuidadosa manutenção (e até de várias
reformas) que faz. Novos (e melhores) materiais de construção são
desenvolvidos. A arquitetura evolui. Os acabamentos se tornam mais sofisticados
e duráveis. E a mansão, que na época em que foi construída era moderna e, não
raro, revolucionária, não tarda a se tornar feia, cinzenta, envelhecida e
decadente, destoando das demais moradias ao redor.
Um dia, o proprietário
original morre. A propriedade, após muita disputa, é assumida pelos herdeiros.
Estes, claro, têm conceitos estéticos muito diferentes do nosso pioneiro.
Ademais, acham mais fácil dividir dinheiro do que uma edificação velha e
decadente. Põem, portanto, o imóvel à venda. Não raro, alguma imobiliária o
adquire, mas de olho, apenas, no terreno.
A mansão original acaba
demolida, para dar lugar a um prédio, que ao cabo de certo tempo, também
passará por idêntico processo de decadência da mansão original e será, por seu
turno, posto abaixo, para ceder lugar a um edifício mais moderno e racional
ainda e assim por diante, num ciclo virtualmente sem fim. Foi, por exemplo,
mais ou menos o que aconteceu com a Avenida Paulista, em São Paulo. Onde estão
os suntuosos casarões dos barões do café dos anos 20? Ou os de seus
“sucessores” dos anos 30, 40, 50 ou 60? Há tempos não existem mais!
Com nossas carreiras,
com nossos sonhos, com nossos relacionamentos etc. ocorrem processos
semelhantes, guardadas as devidas proporções. São construídos, reformados,
demolidos e reconstruídos continuamente. Peço licença ao paciente leitor para
citar palavras de um escritor, que concorda com minhas colocações (ou, para ser
exato, eu é que concordo com as dele), e que expressa tudo isso que eu quis
dizer com muito mais perícia do que eu.
Trata-se do baiano
Ariovaldo Matos, que constatou, num de seus contos, publicado na antologia
“Histórias da Bahia”: “Um homem constrói toda a sua vida acreditando numa
certeza, a ela se sacrificando, matando sentimentos profundos, sufocando
desejos, justificando erros. E, de repente, todo o mundo que construía, no
plano ideal, explode. A certeza era uma farsa. Talvez um cínico, diante de tal
problema, dissesse: bem, amanhã é outro dia... Talvez um calculista frio,
mestre na análise de sentimentos e imune a paixões, pesasse, um a um, todos os
aspectos do problema, considerasse suas causas e suas conseqüências,
permitindo-se uma autocrítica percucentíssima, no fim do que se consideraria
disposto a outra, repetindo Camões: muda-se o ser, mudam-se as substâncias...”
Mas o que fazer, de
verdade, quando nosso castelo de sonhos desmorona de maneira tão fragorosa e
definitiva? Lamentar? Para quê? Lamentos não levam a lugar algum. Culpar os
outros? Qual o sentido prático de agir assim? Largar mão de tudo e se entregar
a um covarde desalento? Nada disso! Para as pessoas práticas e, sobretudo,
corajosas, só resta um caminho a seguir. Reconstruir (se ainda houver tempo,
claro) o que ruiu, seja lá o que for: casa, carreira, relacionamento, amizade ou
amor...Não há outra saída.
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