Os contundentes diários
secretos de Humberto de Campos
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor russo Fiodor
Dostoiévski declarou, em determinada ocasião: “Nas lembranças de cada homem há
coisas que ele não revelará para todos, mas apenas para seus amigos. Há outras
coisas que ele não revelará nem para seus amigos, mas apenas para si próprio, e
ainda somente com a promessa de manter em segredo”. Ou seja, há idéias, fatos e
comportamentos, sobretudo vícios, preferências tidas como imorais, taras etc.
que gostaríamos que jamais viessem à baila, caso os tenhamos. A razão é óbvia.
Se fossem (ou se venham a ser) divulgadas, essas coisas secretas que ansiamos
em conservar para sempre em segredo, maculariam (ou macularão) nossa imagem.
Para que a divulgação não aconteça, principalmente após nossa morte, manda a
prudência que não reste a mínima prova de nada disso: nem carta, nem bilhete,
nem e-mail, nem diário, nem rascunho de algum texto que tenhamos nos
arrependido de iniciar, nem fotos, nem vídeos etc.etc.etc. Ou seja, nada.
Rigorosamente nada.
Ainda assim, nunca
haverá garantia absoluta de que aquilo que tenhamos nos empenhado tanto para
permanecer secreto (como um romance extraconjugal, ou algum caso de
homossexualismo, ou mesmo um crime cuja autoria jamais foi descoberta, entre
tantas e tantas coisas), permanecerá para todo o sempre em segredo. Para que
isso ocorra o ideal é não fazer e não pensar nada de errado. Porém se o fizer,
jamais confidenciar isso a ninguém, nem à pessoa em que depositar a mais
irrestrita confiança, seja ela quem for. Miguel de Cervantes escreveu a esse
propósito: “Tolo e muito tolo é aquele que, ao revelar um segredo a outra
pessoa, pede-lhe encarecidamente que não o conte a ninguém”. Maliciosamente ou
não, deliberadamente ou por acaso, essa revelação certamente será partilhada
com uma ou com milhares de pessoas, sabe-se lá quantas.
Humberto de Campos
certamente tinha consciência de tudo isso ao escrever seus diários. Ele começou
a escrevê-los, posto que não com regularidade, antes de se tornar o jornalista,
escritor e político famoso em que se tornou, ou seja, ao longo da década de
1910, mais especificamente em 1915. Interrompeu-os em 1917 e retomou-os somente
depois de diagnosticada sua doença, nos seis últimos anos de vida, entre 1928 e
1934. A partir de então, escreveu-os com absoluta assiduidade, até oito dias
antes de morrer. Ao pressentir a proximidade da morte, poderia tê-los
destruído, dado o conteúdo sumamente polêmico desses registros diários. Não os
destruiu. Por que? Talvez só ele soubesse o motivo. Não se diga, no entanto,
que não soubesse que as observações que fez nesses volumes tão íntimos, iriam
causar polêmicas e gerar inimizades “post-mortem”. Ele sabia disso. Tanto sabia
que deixou instruções escritas para que esses “diários secretos” fossem
publicados apenas quinze anos depois de sua morte. Ou seja, somente a partir de
1949.
Quem adquiriu os
direitos comerciais para a publicação desse material respeitou esse prazo.
Aliás, foi muito além dos quinze anos exigidos por Humberto de Campos.
Publicou-o, a princípio em forma de fascículos e, posteriormente, em livro, só
em 1954. Ou seja, vinte anos depois da morte do escritor. E esses diários
secretos caíram como uma “bomba” de altíssima potência nos meios literários,
culturais e políticos do Brasil de então, repercutindo, inclusive, por mais de
uma década. Os registros e impressões pessoais de Humberto de Campos trouxeram
revelações e opiniões bombásticas sobre inúmeros figurões da República, quer do
meio cultural, quer do literário, quer do político etc.etc.etc. Raras
personalidades públicas foram poupadas. Nem mesmo Machado de Assis, que o
jornalista maranhense jurava venerar e reverenciar, escapou de suas observações
ferinas. Vários de seus amigos íntimos, a quem Humberto de Campos devia
gratidão pela ajuda que lhe prestaram, como Olavo Bilac, por exemplo, foram
ironizados e ridicularizados. O então presidente Getúlio Vargas, que se
confessava admirador incondicional do jornalista e escritor maranhense, foi um
dos alvos preferenciais de seu escárnio.
A organização
jornalística que adquiriu os direitos de publicação dos diários de Humberto de
Campos, foi a Empresa Gráfica Cruzeiro S. A., fundada em 1928 (ano em que ele
“descobriu” sua doença), pelo jornalista português Carlos Malheiro Dias. Anos
depois, ela seria adquirida por Assis Chateaubriand e incorporada ao
conglomerado de mídias (jornais, revistas, rádios e duas emissoras de
televisão) conhecido como “Diários Associados”. O carro chefe, tanto da empresa
original, quanto da que a adquiriu era a revista semanal “O Cruzeiro”, de
circulação nacional, que por muitos anos foi líder desse setor jornalístico.
Ressalte-se que os
“Diários secretos” de Humberto de Campos não contêm só críticas e observações
mordazes aos figurões seus contemporâneos, amigos ou inimigos,
indiferentemente. O último registro que fez, em 27 de novembro de 1934, foi
comovente. Foi uma das mais belas e pungentes manifestações públicas de amizade
que alguém já fez. O alvo desse seu registro foi seu grande amigo Coelho Neto,
que havia morrido dias antes. Humberto de Campos encerrou assim sua mensagem ao
seu ilustre colega de letras e de Academia, que considerava como a um irmão:
“Despeço-me! E deixo que as lágrimas me corram pelo rosto, e que os soluços me
tomem o fôlego, profundamente comovido. E mando à sua casa uma braçada de
cravos vermelhos para o seu caixão”.
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