Humberto de Campos e eu
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor é como uma
“esponja” que absorve tudo o que ouve, vê, experimenta, goza, sofre, enfim,
aquilo que vive. Mas não de um período específico, porém de toda sua vida, da
infância até o momento em que exercita sua atividade. Diria que até sua morte.
É, pois, uma “colcha de retalhos” de influências, absorvidas quase sempre à sua
revelia, de forma inconsciente, ou subconsciente, sem que manifeste a mais
remota vontade de absorver. Ressalte-se que todas as pessoas são assim, não
importa o que façam. Ninguém nasce sabendo (o que é a mais óbvia das
obviedades). O conhecimento das coisas, desde as mais elementares (como o
idioma através do qual nos comunicamos) aos mais profundos e elaborados
princípios filosóficos, científicos, religiosos, etc. adquirimos, sempre, de
terceiros (de pais, irmãos, parentes, vizinhos, professores, padres, pastores,
amigos, inimigos, conhecidos, estranhos etc.etc.etc.) que, por seu turno, “adquiriram” o que sabem,
sentem e são de outros e vai por aí afora.
Especifico, aqui, os
escritores não por serem os “únicos” a absorver características das pessoas com
as quais convivem ou, de alguma forma, entram em contato (pois, reitero, não
são), mas por se tratar da minha atividade e por poder, portanto, tratar dela
com certo conhecimento de causa. É, principalmente, a exercida pelo personagem
cuja vida e obra venho comentando, e partilhando com vocês, atentando,
sobretudo, para as características que o destacaram e o consagraram. Refiro-me
a Humberto de Campos. Ele, como todo o mundo, foi influenciado pelo ambiente em
que nasceu, pelos lugares em que viveu, por onde viajou, pelas pessoas (sabe-se
Deus quantas!) que conheceu ou somente observou e vai por aí afora. Dessa
“colcha de retalhos” formou, como todo o mundo, a própria personalidade. Criou
um estilo pessoal de pensar, de se expressar e, enfim, de narrar. Se foi
influenciado (e obviamente foi), por tantos, também influenciou sabe-se lá
quantos de seus milhares e milhares de leitores. Inúmeros deles, uma quantidade
considerável (impossível de determinar quantos), se tornaram, também,
escritores. Incluo-me entre estes.
Humberto de Campos não
foi o único “mago das letras” a influenciar minha maneira de escrever. Nem
mesmo foi o que mais me influenciou. Conscientemente, minha maior influência me
parece ter sido a do argentino Jorge Luís Borges, que assumo haver sido meu
“guru literário”. Mas fui influenciado também (uns influenciaram mais, outros
influenciaram muito pouco) por uma incontável quantidade de escritores que já
li que, sem exagero, ascende a dezenas de milhares. Da maneira de escrever de
cada um deles formei, enfatizo, inconscientemente, pedaço a pedaço, meu próprio
estilo. Alguns leitores e críticos literários identificam, em minha forma de me
expressar, “semelhanças” com a de Humberto de Campos. Se houver essa influência
(e acredito que haja), essa nunca foi deliberada. Foi inconsciente. Até porque
há uma diferença abissal entre o talento e a cultura do escritor maranhense com
meu talento e minha cultura, em detrimento, claro, deste humilde
“escrevinhador”.
Lembro que “semelhança”
não é sinônimo de “igualdade”. Ser “parecido” não é o mesmo que ser “igual”.
Uma das pessoas que identificaram certa influência de Humberto de Campos na
minha maneira de escrever, foi o ilustre jornalista e escritor Celso Martins.
Ao comentar meu livro “Por uma nova utopia”, em artigo publicado em agosto de
1998 no jornal “Despertador” (da Associação Espírita Despertador) intitulado
“Suicídio? Jamais!”, observou, em determinado trecho: “Pois bem, Pedro J.
Bondaczuk, jornalista do Correio Popular, bem como do Diário do Povo, escreveu,
e o CDV conseguiu que fosse editada, a excelente coletânea de artigos atuais e
oportunos sob o título de "Por uma Nova Utopia". Li este livro de uma
sentada, porque os artigos são curtos, porém, de uma admirável oportunidade na
análise de temas sobre a ecologia, sobre as drogas, o analfabetismo, a fome das
crianças brasileiras, havendo ainda espaço para os poetas”. E arrematou: “Pedro
J. Bondaczuk tem uma cultura geral muito vasta; entretanto, escreve com leveza
e elegância. Do jeito que sempre apreciei ao pesquisar o pensamento de Humberto
de Campos e de Rubem Braga, os meus cronistas preferidos desde que me entendo
por gente”.
Essa detectada
semelhança estilística é um motivo a mais para que eu leia, com redobrada
atenção, os milhares de contos e de crônicas dos dois ilustres escritores
mencionados por Celso Martins. Em um aspecto sou “igual” e não meramente
“semelhante” a Humberto de Campos (guardadas as devidas proporções): no que o
motivou (e que me motiva) a escrever tanto. O escritor maranhense assim se
manifestou a esse propósito na página 272 do seu polêmico “Diário secreto”: “A
minha paixão pelo trabalho mental, a minha fome de escrever, de produzir, tem,
talvez, as suas raízes mais profundas no meu egoísmo. Que pretendo eu, em
verdade, ao idear uma obra vasta, uma bibliografia numerosa? Pretendo, apenas,
que meu nome me sobreviva, que se fale de mim quando eu já repousar no seio da
terra. Eu me mato, pois, para dilatar a vida. Quero enganar a Morte, deixando
no mundo o meu rastro, para que os estudiosos de amanhã me procurem, depois que
ela me tenha levado. Quem sabe, no entanto, se eu não estou enganando a mim
mesmo?”. Pois é: meus objetivos e minha dúvida são rigorosamente estes citados
por Humberto de Campos, sem tirar e nem por.
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