Wednesday, December 28, 2016

Ronda no tempo


Pedro J. Bondaczuk


O ano de 2016, que em nossa mente parece recém-começado ou que nunca vai terminar, se irá, no final de semana, sob o espoucar de fogos, estouros de champanhas, abraços, beijos, votos de felicidade para o nascente 2017 e muitas esperanças das pessoas (de algumas), de que as coisas vão melhorar. Uns dizem: "Já vai tarde". Outros, já sentem saudades das coisas boas que lhes aconteceram. Outros, ainda, estarão tão bêbados na passagem que nem pensarão em nada. Ou, quem sabe, em meio ao torpor produzido pelos vapores etílicos, elucubrarão se devem tomar mais um copo ou não. É a ronda inexorável do tempo, que encerra mais um capítulo em nossas biografias, de um número que não sabemos quantos serão.

Com a entrada do novo ano, nos distanciaremos mais e mais do mítico 2000. Lembro-me que, quando criança, esse parecia ser um período remotíssimo, que a maioria achava que jamais alcançaria. E as fantasias que então eram divulgadas em relação a essa data, em um estéril e inútil exercício de futurologia! As previsões eram tão absurdas, que raiavam ao delírio. Falava-se que as viagens interplanetárias seriam uma rotina, por exemplo. Que as máquinas governariam o mundo e fariam todo o trabalho do homem e que este poderia gastar todo o tempo que tivesse apenas para o prazer e para as artes.

Para os pessimistas, a humanidade jamais chegaria ao 2000, que seria o limite do "fim do mundo". A rigor, essa hecatombe ainda pode acontecer. Sempre pôde, dada a fragilidade deste pequeno planeta azul. Basta lembrar o que aconteceu com os dinossauros há 65 milhões de anos, muito antes do surgimento do homem. E no entanto... Pouca coisa mudou em relação aos anos 40 ou 50, por exemplo. A Terra ficou mais povoada e poluída, é verdade. Algumas engenhocas tecnológicas tornaram a vida de alguns mais fácil e complicaram as de muitos outros, suprimindo-lhes os empregos. As mazelas políticas, econômicas e sociais continuam as mesmas, assim como as guerras, a criminalidade, o tráfico e consumo de drogas, o fanatismo religioso ou ideológico, etc. Tudo isso aumentou apenas em quantidade. Pudera! A população do Planeta dobrou em apenas quatro décadas.

Muitos podem achar que esta não seja uma reflexão oportuna nas vésperas de uma virada de ano, quando as pessoas planejam o futuro. Mas esse planejamento é necessário? É útil para alguma coisa? É, pelo menos, viável ou possível? Não sabemos sequer se iremos sobreviver a esta noite! Além disso, é a imprevisibilidade que torna a vida a aventura fascinante que de fato é. Santo Agostinho deixou registrada uma reflexão muito sensata, e exata, sobre o tempo. Escreveu: "Se nada passasse, não haveria passado, se nada adviesse, não haveria futuro e, se não fosse, não haveria presente. Nem o passado nem o futuro são, daí ser impróprio se falar em três tempos. A rigor o correto seria falar no presente do passado, no presente do presente e no presente do futuro. Os três modos estão em nosso espírito. O presente das coisas passadas é a memória, o presente das coisas presentes é a visão direta, o presente das coisas futuras é a espera".

O sociólogo Roberto da Matta tem outra colocação. Acentua: "Tal é o tempo que corre, como lágrimas e sangue por dentro do espaço da casa. Casa que passa pelo tempo que tudo destrói, menos a vida contida pela teia de relações que constituem o nosso mundo social. Esses elos, que apesar do nosso individualismo e cosmopolitismo, ainda nos dobram e nos obrigam a fazer e a dizer coisas que não queremos e sabemos".

Daí a conclusão lógica de que o mais racional e inteligente é viver cada momento com a máxima intensidade, já que pode ser o último. É aproveitar cada oportunidade que surgir para acrescentar algum episódio marcante à nossa biografia e, principalmente, para fazer com que ela seja digna de ser escrita. Compete-nos nos empenharmos para produzir obras e obras e mais obras consistentes, que evitem nossa segunda morte, a do esquecimento. Que os próximos 365 dias sejam uma feliz ronda no tempo, não grotesca ou penosa, mas repleta de episódios marcantes e do encontro da felicidade, a principal das nossas obrigações enquanto seres racionais.


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