Megalópoles que neurotizam
Pedro
J. Bondaczuk
O ritmo alucinado de
vida que o homem contemporâneo se auto-impõe – notadamente o morador das
grandes cidades – e os problemas de toda a sorte com os quais se depara no dia
a dia, (ou por ser afetado diretamente por eles, ou porque toma conhecimento
dos mesmos pelos meios de comunicação, e que o podem atingir a qualquer
momento, como a miséria, a fome, a violência, as doenças, as injustiças sociais
etc.), tendem a produzir conseqüências danosas, quando não catastróficas, em
sua mente.
Estimativas divulgadas
recentemente por especialistas em saúde mental dão conta que 40% dos habitantes
de grandes e médias aglomerações urbanas sofrem de algum tipo de neurose. O
contingente de desajustados, portanto, é imenso, se o quantificarmos. Se não,
vejamos. Cerca de 60% da população mundial, de 7,2 bilhões de pessoas, vive,
hoje, em apenas 75 cidades. Fazendo as contas, chegaremos a um resultado
surpreendente e incômodo. São 4,32 bilhões de indivíduos que estão nessa
situação. Completando o cálculo, chegamos à constatação de que 2,88 bilhões de
pessoas têm alguma espécie de comportamento neurótico. Por se tratar de
estimativa, as cifras podem não ser exatas, mas são, aproximadamente, estas.
Isso nos permite concluir que pelo menos dois em cada sete habitantes do
Planeta têm algum desvio comportamental, mais ou menos grave, não importa.
Claro que o acelerado
processo de urbanização mundial – que se acentuou, notadamente, a partir de
meados do século XVIII, com o advento da chamada “Revolução Industrial” – não
pode e nem deve ser apontado como a única causa do problema. Mas é, sem dúvida,
um dos fatores determinantes para que a vida de tão expressivo contingente de
pessoas se transformasse num verdadeiro inferno.
O curioso é que, para
milhões e milhões de camponeses que migraram, a partir desta época, para as
cidades, isto significou importante evolução. A agricultura, como se sabe, é
uma atividade de alto risco. Depende de uma série de fatores para ser
lucrativa, principalmente do clima. Foram inúmeros os períodos de fome em toda
a Europa, em decorrência de desastrosas quebras de safra. Ademais, os
camponeses não tinham (e em muitas partes do mundo ainda não têm) voz na
determinação das políticas de Estado. O voto, então, não era tão livre como
hoje. Poucos tinham acesso a ele. Para ter o direito de votar, por exemplo, o
cidadão tinha que dispor de determinada quantidade de bens, ou seja, de ser
proprietário de alguma coisa (e que não era pouca).
O historiador britânico
Paul Johnson observou, a esse propósito, ao explicar a principal razão do êxodo
avassalador do campo para as cidades, no início da “Revolução Industrial”, em
vários pontos da Europa: “As massas não podiam votar nas urnas, mas votaram de
uma forma muito mais positiva e impressionante, com seus pés. E isso por uma
razão simples. O membro mais pobre da sociedade aprecia a liberdade política
tanto quanto o membro mais rico e culto – penso eu. Mas a liberdade que tem
mais significado para ele é a liberdade de vender seu trabalho e sua habilidade
no mercado. É exatamente isso que o capitalismo industrial proporcionou ao
homem, pela primeira vez na história”.
O processo de
urbanização cessou, ou pelo menos diminuiu? Ainda não! Para que isso ocorra, é
necessária certa estabilização populacional. Ou seja, que pare de nascer tanta
gente, em especial nos países mais pobres, onde a população tem carência de
tudo, desde a comida à educação. Karl Wolfgang Deutsch – pensador nascido em
Praga, sob o Império Austro-Húngaro, mas que emigrou para os EUA em 1939 –
escreveu a respeito, num artigo publicado há umas três décadas: “Em primeiro
lugar, segundo as projeções demográficas, a população mundial se estabilizará
pelo ano 2180. Ao mesmo tempo teremos um nível de educação e desenvolvimento
bioquímico que permitirá ao homem decidir sobre a procriação sem os problemas e
preconceitos de hoje”.
Será? Tomara que sim,
para o bem de todos. É indispensável que se desarme, o mais rápido possível,
essa “bomba demográfica” que ameaça a todos. Em um outro trecho do citado
artigo, Deutsch apontou alguns aspectos em que as massas evoluíram. Destacou:
“Outra coisa: em 1955, pela primeira vez na história, a maior parte da
humanidade tornou-se alfabetizada. Hoje, dois terços estão alfabetizados. Em
2100, 85% ou 90% estarão nessa condição”. Mas fez esta previsão sombria: “Em
2100 a maior parte da humanidade viverá em cidades, ao contrário do que tem
acontecido nesses 2 mil anos. Com essas enormes mudanças, a humanidade jamais
voltará a ser a mesma”.
Todavia Deutsch, um dos
pioneiros na introdução de conceitos de cibernética e da teoria dos sistemas
gerais na política, não é pessimista quanto ao futuro. Assinala, no seu lúcido
artigo: “De resto, houve mudanças não seculares, mas milenares, nos últimos 80
anos. Por exemplo, a velocidade com que podemos nos locomover na Terra aumentou
cem vezes; houve substanciais transformações nas formas de habitação: hoje
podemos trabalhar e viver no fundo do mar ou no espaço, e isso é só o começo;
aumentamos enormemente a nossa capacidade de concentrar e usar energia.
Evoluímos, enfim, em todos os ramos da ciência e da tecnologia. Certamente,
algumas dessas inovações podem ser usadas para o mal, mas, como a invenção do
fogo, podem ser usadas para o bem. Por todas essas razões, creio que o próximo
século (referindo-se a este em que estamos) será realmente interessante e, como
disse, poderá marcar a autodeterminação do indivíduo”. Deus que o ouça,
Deutsch! Da minha parte, não estou nada, nada otimista a esse respeito. Para
mim, as megalópoles contemporâneas não passam de imensas “fábricas de
neuróticos” e tendem a inchar mais e mais, para o nosso desconforto e
desespero.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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