Wednesday, December 28, 2016

Discordância ou divisão?


Pedro J. Bondaczuk


O PMDB realiza, hoje, em Brasília, sua convenção nacional que deverá, entre outras medidas, homologar a permanência do deputado Ulysses Guimarães na presidência do partido. Nada mais justo e mais sensato. Afinal, esse hábil político tem dado mostras da sua capacidade de conciliação, mantendo coesa essa autêntica frente partidária, com dezenas de facções antagônicas, por mais de vinte anos, a despeito das inúmeras crises, cassações de mandatos, casuísmos e fisiologismos que teve que enfrentar e administrar.

O veterano parlamentar conseguiu a impossível mistura do imiscível, do óleo com água, conciliando tendências e interesses aparentemente inconciliáveis. Entretanto, o astro maior da convenção, sua grande atração, a figura sobre a qual, provavelmente, vão convergir todas as atenções não será Ulysses Guimarães.

Não que o deputado não mereça, óbvio, mas porque se trata de alguém absolutamente familiar a todos os peemedebistas. Afinal, foi um dos fundadores do partido e se constitui no seu maior esteio, a ponto de ser, na atualidade, sinônimo de PMDB. Por isso, tanto a sua pessoa, quanto a sua previsível reeleição, não constituem nenhuma novidade.

O foco das atenções, desta vez, será outro hábil e matreiro político, que o destino guindou a funções de extraordinária relevância, que tem se mostrado não somente à altura da confiança nele depositada, mas ido muito além, superando as mais otimistas expectativas. Refiro-me, e o leitos já percebeu, ao presidente José Sarney, que deverá ser eleito, e por aclamação, presidente de honra do PMDB.

Vejam como a política é dinâmica. Há somente cerca de 40 dias, esse mesmo partido ameaçava afastar-se do governo, ou, na melhor das hipóteses, adotar postura de maior independência em relação ao mandatário, agastado com a reforma ministerial que ele fez e que reduziu a presença de peemedebistas no novo ministério.

Mal sabiam, os mais afoitos, que ao PMDB estava reservado papel de maior relevância do que se pensava na ocasião, ou seja, o de ser o agente da mais profunda mudança pela qual o País já passou em toda a sua história: o plano de “Inflação Zero”, também conhecido como “Plano Cruzado”.

Com a medida, adotada, corajosamente pelo presidente Sarney – que tornou todos os brasileiros “cúmplices” de sua execução – o programa do partido atingiu o ápice. Afinal, a ousadia sempre foi a pedra de toque, a característica, o distintivo do PMDB desde a sua fundação.

Nem tudo no partido, porém, é um céu de brigadeiro. Pelo contrário, há discórdias e controvérsias de todos os tipos e para todos os gostos. Em nível regional, por exemplo, os peemedebistas não conseguem “falar a mesma língua” e se unir, com vistas às eleições de novembro próximo, notadamente nos dois mais importantes Estados da Federação: São Paulo e Minas Gerais.

Há problemas, também, (embora menores) em Pernambuco, na Bahia e no Paraná. Mas o que dá relativa tranqüilidade às bases é que o cerne da questão não está na ausência de candidatos com chances de vitória. Pelo contrário, proliferam nomes de realce que pretendem entrar na competição.

Se é verdade que essa fartura de pré-candidatos ameaça a unidade partidária, não deixa, por outro lado, de ser um fato alentador, na medida em que revela pujança. Mostra que o PMDB não depende, apenas, de um cacique, de um dono de legenda, de uma única aposta para conservar a hegemonia, como ocorre na maioria (se não na totalidade) dos demais partidos.

Essas brigas internas, por outro lado, refletem contradições. Diversas correntes ideológicas, as mais heterogêneas possíveis, convivem sob a mesma sigla, num entrechoque de idéias e de interesses que é4, simultaneamente, saudável e um risco. O PMDB, hoje, é um leque dos mais vastos, de um extremo ideológico a outro, passando por todos os graus intermediários do espectro político.

Essa multiplicidade de posições produz uma força imensa (posto que centrífuga), com potencial fabuloso. Por se tratar de um partido democrático, sua liderança, certamente, saberá administrar as divergências, conduzindo a organização não somente à vitória eleitoral, mas a seu objetivo maior: dotar o País de instrumentos jurídicos modernos que atendam os mais profundos anseios populares, para que se possa construir uma sociedade próspera, mas, sobretudo, justa. Aliás, o PMDB sempre soube fazer isso.

Falar que o partido está em crise, chega a ser redundante. Sempre esteve. É a sua principal característica, sua forma normal de convivência. O leitor pode conferir em arquivos de jornais quantas e quais foram as previsões em relação ao PMDB nos últimos vinte anos.

Muitas pitonisas de plantão apostaram na sua implosão, mormente em 1974, 1978 e 1982. Erraram. Nada disso aconteceu. O partido permanece, firme e forte, mesmo havendo perdido algumas eleições. Mas, quando isso aconteceu, submeteu-se à crítica popular e se reciclou. Após cada derrota, obteve, nas eleições seguintes, surpreendentes vitórias e manteve acesa a chama do ideal democrático na sociedade, notadamente nos momentos em que isso era uma temeridade, se não loucura.

Até na convenção nacional de hoje o PMDB mantém suas tradições de divergências internas. Se é verdade que há consenso quanto à reeleição de Ulysses Guimarães para a presidência do partido, o mesmo não ocorre em relação à secretaria-geral. Minas Gerais, com a maior bancada no Congresso, reclama para si (com certa razão) o importante posto.

O Paraná, reduto em que os peemedebistas, há já bom tempo, fincaram raízes e apresentam performances notáveis, eleição após eleição, também reclama o cargo. Os analistas mais afoitos vêm, na disputa, sintomas de desagregação. Tolice, claro.

Esse tipo de divergência é, na verdade, o autêntico exercício de democracia, levado ao extremo. Ou seja, vigora, no partido, o direito absoluto de falar, de discordar, de divergir, de ouvir e de ser ouvido. Enquanto as crises do PMDB forem desse tipo (e não o de ausência de líderes e de idéias), as bases podem dormir tranqüilas. Não têm o que temer, nem nestas eleições e muito menos nas vindouras. O partido permanece mais vivo, forte e saudável do que nunca.           

(Artigo publicado na página 18, Política, do Correio Popular, em 6 de abril de 1986).


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