Discordância ou divisão?
Pedro J. Bondaczuk
O
PMDB realiza, hoje, em Brasília, sua convenção nacional que deverá, entre
outras medidas, homologar a permanência do deputado Ulysses Guimarães na
presidência do partido. Nada mais justo e mais sensato. Afinal, esse hábil
político tem dado mostras da sua capacidade de conciliação, mantendo coesa essa
autêntica frente partidária, com dezenas de facções antagônicas, por mais de
vinte anos, a despeito das inúmeras crises, cassações de mandatos, casuísmos e
fisiologismos que teve que enfrentar e administrar.
O
veterano parlamentar conseguiu a impossível mistura do imiscível, do óleo com
água, conciliando tendências e interesses aparentemente inconciliáveis.
Entretanto, o astro maior da convenção, sua grande atração, a figura sobre a
qual, provavelmente, vão convergir todas as atenções não será Ulysses
Guimarães.
Não
que o deputado não mereça, óbvio, mas porque se trata de alguém absolutamente
familiar a todos os peemedebistas. Afinal, foi um dos fundadores do partido e
se constitui no seu maior esteio, a ponto de ser, na atualidade, sinônimo de
PMDB. Por isso, tanto a sua pessoa, quanto a sua previsível reeleição, não
constituem nenhuma novidade.
O
foco das atenções, desta vez, será outro hábil e matreiro político, que o
destino guindou a funções de extraordinária relevância, que tem se mostrado não
somente à altura da confiança nele depositada, mas ido muito além, superando as
mais otimistas expectativas. Refiro-me, e o leitos já percebeu, ao presidente
José Sarney, que deverá ser eleito, e por aclamação, presidente de honra do
PMDB.
Vejam
como a política é dinâmica. Há somente cerca de 40 dias, esse mesmo partido
ameaçava afastar-se do governo, ou, na melhor das hipóteses, adotar postura de
maior independência em relação ao mandatário, agastado com a reforma
ministerial que ele fez e que reduziu a presença de peemedebistas no novo
ministério.
Mal
sabiam, os mais afoitos, que ao PMDB estava reservado papel de maior relevância
do que se pensava na ocasião, ou seja, o de ser o agente da mais profunda
mudança pela qual o País já passou em toda a sua história: o plano de “Inflação
Zero”, também conhecido como “Plano Cruzado”.
Com
a medida, adotada, corajosamente pelo presidente Sarney – que tornou todos os
brasileiros “cúmplices” de sua execução – o programa do partido atingiu o
ápice. Afinal, a ousadia sempre foi a pedra de toque, a característica, o
distintivo do PMDB desde a sua fundação.
Nem
tudo no partido, porém, é um céu de brigadeiro. Pelo contrário, há discórdias e
controvérsias de todos os tipos e para todos os gostos. Em nível regional, por
exemplo, os peemedebistas não conseguem “falar a mesma língua” e se unir, com
vistas às eleições de novembro próximo, notadamente nos dois mais importantes
Estados da Federação: São Paulo e Minas Gerais.
Há
problemas, também, (embora menores) em Pernambuco, na Bahia e no Paraná. Mas o
que dá relativa tranqüilidade às bases é que o cerne da questão não está na
ausência de candidatos com chances de vitória. Pelo contrário, proliferam nomes
de realce que pretendem entrar na competição.
Se
é verdade que essa fartura de pré-candidatos ameaça a unidade partidária, não
deixa, por outro lado, de ser um fato alentador, na medida em que revela
pujança. Mostra que o PMDB não depende, apenas, de um cacique, de um dono de
legenda, de uma única aposta para conservar a hegemonia, como ocorre na maioria
(se não na totalidade) dos demais partidos.
Essas
brigas internas, por outro lado, refletem contradições. Diversas correntes
ideológicas, as mais heterogêneas possíveis, convivem sob a mesma sigla, num
entrechoque de idéias e de interesses que é4, simultaneamente, saudável e um
risco. O PMDB, hoje, é um leque dos mais vastos, de um extremo ideológico a
outro, passando por todos os graus intermediários do espectro político.
Essa
multiplicidade de posições produz uma força imensa (posto que centrífuga), com
potencial fabuloso. Por se tratar de um partido democrático, sua liderança,
certamente, saberá administrar as divergências, conduzindo a organização não
somente à vitória eleitoral, mas a seu objetivo maior: dotar o País de
instrumentos jurídicos modernos que atendam os mais profundos anseios
populares, para que se possa construir uma sociedade próspera, mas, sobretudo,
justa. Aliás, o PMDB sempre soube fazer isso.
Falar
que o partido está em crise, chega a ser redundante. Sempre esteve. É a sua
principal característica, sua forma normal de convivência. O leitor pode
conferir em arquivos de jornais quantas e quais foram as previsões em relação
ao PMDB nos últimos vinte anos.
Muitas
pitonisas de plantão apostaram na sua implosão, mormente em 1974, 1978 e 1982.
Erraram. Nada disso aconteceu. O partido permanece, firme e forte, mesmo
havendo perdido algumas eleições. Mas, quando isso aconteceu, submeteu-se à
crítica popular e se reciclou. Após cada derrota, obteve, nas eleições
seguintes, surpreendentes vitórias e manteve acesa a chama do ideal democrático
na sociedade, notadamente nos momentos em que isso era uma temeridade, se não
loucura.
Até
na convenção nacional de hoje o PMDB mantém suas tradições de divergências
internas. Se é verdade que há consenso quanto à reeleição de Ulysses Guimarães
para a presidência do partido, o mesmo não ocorre em relação à
secretaria-geral. Minas Gerais, com a maior bancada no Congresso, reclama para
si (com certa razão) o importante posto.
O
Paraná, reduto em que os peemedebistas, há já bom tempo, fincaram raízes e
apresentam performances notáveis, eleição após eleição, também reclama o cargo.
Os analistas mais afoitos vêm, na disputa, sintomas de desagregação. Tolice,
claro.
Esse
tipo de divergência é, na verdade, o autêntico exercício de democracia, levado
ao extremo. Ou seja, vigora, no partido, o direito absoluto de falar, de
discordar, de divergir, de ouvir e de ser ouvido. Enquanto as crises do PMDB
forem desse tipo (e não o de ausência de líderes e de idéias), as bases podem
dormir tranqüilas. Não têm o que temer, nem nestas eleições e muito menos nas
vindouras. O partido permanece mais vivo, forte e saudável do que nunca.
(Artigo publicado na página 18, Política, do Correio
Popular, em 6 de abril de 1986).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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