Coincidência ou imitação?
Pedro J.
Bondaczuk
A realidade, cada vez mais,
supera, e em muito, a ficção, tanto em termos de personagens, digamos,
“desequilibrados” (para não dizer outra coisa), quanto de fatos absurdos,
chocantes, pavorosos e surrealistas até, que escritor algum, por mais talentoso
que seja, consegue sequer chegar perto, quanto mais superar. Comentei isso dia
desses com um amigo, uma das pessoas mais criativas que conheço que, após
refletir alguns minutos, não teve como discordar das minhas colocações. E olhem
que ele se destaca pela originalidade em tudo o que escreve!
A leitura de qualquer jornal
diário nos traz, a cada dia, uma carga de crueldade, de loucura, de maldade, de
desamparo e de miséria interior dos personagens envolvidos, maior, muitíssimo
maior do que a criada por escritores como Samuel Becket, Berthold Brecht,
Eugene Ionesco ou, mesmo, Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade,
celebrizado como libertino, considerado como monstruoso psicopata e cujo nome
foi usado até para batizar uma psicopatia: o sadismo. E não são os repórteres
que são criativos nesse mister. É a loucura da vida cotidiana que proporciona
esse desfile surreal de aberrações.
As notícias mais chocantes
ocorrem, geralmente, em série. Basta que os jornais noticiem um determinado
fato, para que outro semelhante, de idêntica natureza, ocorra no dia seguinte
ou nos posteriores. Em abril de 1989 noticiei, no Correio Popular de Campinas
(quando era editor de Internacional e comentarista do jornal), o caso das quatro
enfermeiras austríacas que, mediante superdose de insulina ou de barbitúricos
(elas eram “criativas” e variavam nos meios utilizados), causaram a morte de
pelo menos 49 pacientes do Hospital Lainz, de Viena.
Desde então, pude contar, no
mínimo, seis ocorrências semelhantes: na Rússia, na França, nos Estados Unidos
e até mesmo no Rio de Janeiro, caso que ganhou manchetes e ampla repercussão
mundial. Tempos atrás, um enfermeiro norte-americano escapou por pouco da pena
de morte, por crime semelhante, por ter colaborado com a promotoria,
denunciando colegas que agiam como ele. Pegou sete condenações à prisão
perpétua, o que não passa, também, de aberração, convenhamos. Se a sentença foi
“perpétua”, uma única basta, não é verdade?! Ou o réu em questão tem sete
vidas, como se atribui aos felinos?
Outro exemplo? O do índio pataxó
Galdino Jesus dos Santos. Para quem não se recorda, essa pessoa teve 95% do
corpo queimado, o que, claro, lhe causou a morte, ocorrida no Hospital Regional
da Asa Norte, em Brasília, para onde foi encaminhado tão logo foi socorrido. As
queimaduras foram causadas quando cinco jovens de classe média da Capital
Federal – um dos quais menor de idade na ocasião – resolveram fazer o que
chamaram de “pegadinha” com a vítima, que dormia, placidamente, num banco de
uma parada de ônibus. Os “brincalhões” encharcaram o cobertor do índio com
álcool e atearam fogo. “Inocente” brincadeirinha de rapazes, não é mesmo?!
Enfim... Pois bem, depois desse episódio, ocorrido em 22 de abril de 1997, verificou-se
uma verdadeira epidemia de incêndios de mendigos: no Rio de Janeiro, em São
Paulo, em Porto Alegre e vai por aí afora.
Mais um exemplo? O da manicure
equatoriana Lorena Bobbit, no início dos anos 90. Alegando que era
constantemente agredida pelo marido, o ex-fuzileiro naval norte-americano John
Wayne Bobbit (que não se perca pelo nome), ela cortou-lhe o pênis (uiiiiiii!),
depois de uma discussão e de ter pedido a separação, que o “companheiro” (ou
carrasco) lhe negou.
Mulheres de todo o mundo apoiaram
o seu ato, considerado “corajoso e justo”. Lorena foi declarada inocente da
agressão em janeiro de 1994, pela Justiça norte-americana, alegando “perda da
razão”. O juiz considerou que o ato foi de legítima defesa, já que a manicure
provou que há anos sofria com a violência do marido. Wayne teve o pênis
reimplantado e se tornou ator de filmes pornográficos (vejam só!). Após essa
ocorrência, todavia, surgiram centenas (quiçá, milhares) de Lorenas Bobbits
mundo afora, uma das quais em Belo Horizonte. E os marmanjos que costumam
agredir as esposas ou namoradas que se cuidem! Podem, de uma hora para outra,
se tornar eunucos, ora bolas!
A que atribuir a ocorrência de
fatos, como os mencionados, assim, em série (uma dessas ondas foi a do abandono
de bebês, da qual cataloguei pelo menos dez ocorrências em apenas duas
semanas)? Seria mera coincidência? Pode ser! Ou seria uma espécie de imitação?
Ou, ainda uma terceira hipótese (a mais provável): a imprensa ficaria mais
atenta a esse tipo de acontecimento, depois do primeiro ter sido noticiado?
Cada um que escolha a sua opção.
O que fica evidente é a
comprovação da minha tese de que é cada vez mais difícil, senão impossível, um
escritor, hoje em dia, ser original na descrição de patifes e de patifarias, de
loucos e loucuras, de maldosos e maldades, e vai por aí afora. A realidade,
mais do que nunca, supera, e em muito, a ficção. Ou é exagero da minha parte?!
Você decide, lúcido e esclarecido leitor!
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