Wednesday, December 14, 2016

Que democracia é essa?



Pedro J. Bondaczuk


A ausência de Constantin Chernenko, ontem, do contato com seus eleitores do Distrito de Kuibshev, um subúrbio de Moscou, às vésperas das eleições de amanhã para a renovação do Soviete Supremo da URSS, põe fim, de vez, à tentativa de algumas alas do Cremlin de esconderem a doença do presidente russo. As especulações, agora, ficarão por conta da gravidade do mal que acomete esse dirigente e do possível (senão provável) processo de sucessão.

Continua, contudo, tão incompreensível quanto antes da confirmação da sua doença a causa de tanto mistério em torno de um fato comum da vida de um ser mortal (embora líder de milhões de pessoas). Se a intenção do fechado círculo do Politburo é evitar de dar a impressão ao adversário de que o país está acéfalo, ela não passa de um grave erro tático.

Com o impenetrável sigilo que eles vêm cercando a enfermidade de Chernenko, acabam despertando dúvidas, ao invés de certezas, sobre a competência de eventuais substitutos para gerirem os negócios de Estado na ausência do titular.

Em todos os países do Ocidente, a substituição temporária dos governantes, em situações de emergência, é automática. Está prevista pelas respectivas Constituições. Nos regimes presidencialistas, assume o vice-presidente, como aconteceu no Brasil em duas oportunidades, quando o presidente João Figueiredo teve problemas cardíacos e precisou viajar para Cleveland. Ou, como ocorreu com Ronald Reagan no dia 30 de março de 1981, após Ter sofrido o atentado a bala, na saída do Hilton Hotel, de Washington, onde tinha ido explicar a sindicalistas o seu plano de combate à inflação.

Após Ter sido baleado por John Hinckley Jr., imediatamente foi convocado o seu substituto constitucional, Geroge Bush, sem que para isso fosse necessário fazer qualquer espécie de drama ou se criar um suspense de fazer inveja a Alfred Hitchcock. E os EUA, a exemplo da União Soviética, são uma superpotência. Exatamente por isso funciona tão bem o seu sistema sucessório. Para não se criar a impressão de um vazio no poder.

O leitor certamente está lembrando das duas últimas sucessões ocorridas na União Soviética. A doença de Leonid Brezhnev, que era de domínio público no mundo todo, foi negada perante o povo russo praticamente até o exato instante de sua morte.

Com Andropov, o Cremlin conseguiu a façanha de colocar discursos em sua boca, no próprio momento em que ele agonizava. E esse procedimento estranho não ficou restrito apenas aos líderes máximos russos. Ocorreu, igualmente, em dezembro do ano passado, com o ministro da Defesa soviético, marechal Dmitri Ustinov.

Se o receio é o de causar uma comoção interna, ele não procede. Choca muito mais comunicar a morte de uma pessoa de chofre, como fato consumado, do que preparar convenientemente o espírito do destinatário da notícia com bastante antecedência.

Além, no caso de se tratar de um líder nacional, do porte de Chernenko (ou seja lá quem for), de em se omitindo a verdade, estar enganando aquele em nome do qual todo o poder é exercido e de quem ele emana: o povo. Afinal, a União Soviética não se diz um país “democrático”? Que democracia é essa na qual as pessoas não têm o direito de saber, sequer, quem as irá governar?

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 23 de fevereiro de 1985).


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