Que democracia é essa?
Pedro J. Bondaczuk
A ausência de Constantin
Chernenko, ontem, do contato com seus eleitores do Distrito de Kuibshev, um
subúrbio de Moscou, às vésperas das eleições de amanhã para a renovação do
Soviete Supremo da URSS, põe fim, de vez, à tentativa de algumas alas do
Cremlin de esconderem a doença do presidente russo. As especulações, agora,
ficarão por conta da gravidade do mal que acomete esse dirigente e do possível
(senão provável) processo de sucessão.
Continua,
contudo, tão incompreensível quanto antes da confirmação da sua doença a causa
de tanto mistério em torno de um fato comum da vida de um ser mortal (embora
líder de milhões de pessoas). Se a intenção do fechado círculo do Politburo é
evitar de dar a impressão ao adversário de que o país está acéfalo, ela não
passa de um grave erro tático.
Com
o impenetrável sigilo que eles vêm cercando a enfermidade de Chernenko, acabam
despertando dúvidas, ao invés de certezas, sobre a competência de eventuais
substitutos para gerirem os negócios de Estado na ausência do titular.
Em
todos os países do Ocidente, a substituição temporária dos governantes, em
situações de emergência, é automática. Está prevista pelas respectivas
Constituições. Nos regimes presidencialistas, assume o vice-presidente, como
aconteceu no Brasil em duas oportunidades, quando o presidente João Figueiredo
teve problemas cardíacos e precisou viajar para Cleveland. Ou, como ocorreu com
Ronald Reagan no dia 30 de março de 1981, após Ter sofrido o atentado a bala, na
saída do Hilton Hotel, de Washington, onde tinha ido explicar a sindicalistas o
seu plano de combate à inflação.
Após
Ter sido baleado por John Hinckley Jr., imediatamente foi convocado o seu
substituto constitucional, Geroge Bush, sem que para isso fosse necessário
fazer qualquer espécie de drama ou se criar um suspense de fazer inveja a
Alfred Hitchcock. E os EUA, a exemplo da União Soviética, são uma
superpotência. Exatamente por isso funciona tão bem o seu sistema sucessório.
Para não se criar a impressão de um vazio no poder.
O
leitor certamente está lembrando das duas últimas sucessões ocorridas na União
Soviética. A doença de Leonid Brezhnev, que era de domínio público no mundo
todo, foi negada perante o povo russo praticamente até o exato instante de sua
morte.
Com
Andropov, o Cremlin conseguiu a façanha de colocar discursos em sua boca, no
próprio momento em que ele agonizava. E esse procedimento estranho não ficou
restrito apenas aos líderes máximos russos. Ocorreu, igualmente, em dezembro do
ano passado, com o ministro da Defesa soviético, marechal Dmitri Ustinov.
Se
o receio é o de causar uma comoção interna, ele não procede. Choca muito mais
comunicar a morte de uma pessoa de chofre, como fato consumado, do que preparar
convenientemente o espírito do destinatário da notícia com bastante
antecedência.
Além,
no caso de se tratar de um líder nacional, do porte de Chernenko (ou seja lá
quem for), de em se omitindo a verdade, estar enganando aquele em nome do qual
todo o poder é exercido e de quem ele emana: o povo. Afinal, a União Soviética
não se diz um país “democrático”? Que democracia é essa na qual as pessoas não
têm o direito de saber, sequer, quem as irá governar?
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 23 de fevereiro
de 1985).
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