Thursday, December 29, 2016

No mesmo barco


Pedro J. Bondaczuk


A hostilidade com que o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, foi tratado pelos conservadores – a maioria dos delegados presentes ao congresso regional do Partido Comunista da Rússia – anteontem e ontem, dá a exata medida do que o espera na importante convenção nacional da agremiação, marcada para o próximo mês.

O líder do Cremlin chegou a manifestar muita irritação com os delegados presentes ao encontro, exigindo respeito não pela sua pessoa, mas pelos cargos que ocupa. Insinuou, inclusive, que poderia deixar a secretaria-geral do PC. Mas o leitor que admira esse estadista – e poucos não o admiram hoje fora da URSS – não precisa ficar assustado. Sua saída desse cargo não equivalerá à perda da Presidência, que desde março passado está fortalecida.

No meu entender, se isto vier a se configurar, quem sairá perdendo será o partido. Não é nada difícil Gorbachev encabeçar um movimento de criação de uma nova organização política, sem os vícios e distorções do PC.

Prevendo algo desse tipo, de uns tempos para cá o presidente soviético vem reforçando o poderio do governo. Por conseqüência, enfraquece o do Partido Comunista no que se refere à administração do país. Por exemplo, as decisões mais importantes da sua gestão não estão mais sendo tomadas pelo Politburo, como ocorria com seus antecessores, mas por uma comissão de 16 assessores, que Gorbachev fez questão de escolher a dedo.

Os reformistas sofreram um revés, ontem, ao não conseguir fechar as células partidárias encravadas em instituições fundamentais do Estado, como a polícia secreta (a outrora temida KGB), o Exército Vermelho e o próprio gabinete de governo. Nem mesmo Boris Yeltsin conseguiu essa façanha na República da Rússia.

Aliás este, que é o maior rival de Gorbachev, terá, a partir do mês que vem, que se unir com o presidente soviético se não quiser ser levado de roldão pela irada reação dos conservadores a todo e qualquer tipo de reforma que se pretenda implementar na União Soviética.

Sua situação é até mais delicada do que a do desafeto político, já que seus arroubos reformistas têm descambado, ultimamente, para o exagero, para não dizer, para a imprudência. O 28º Congresso Nacional do Partido Comunista, a ser realizado em julho próximo, será, portanto, decisivo para o futuro da superpotência do Leste.

Se os linhas-duras, encabeçados por Yegor Ligachev, obtiverem êxito, deverão tentar, com todas as armas, não somente bloquear a perestroika, mas até mesmo reverter muitos dos avanços que este programa proporcionou ao país. Todavia, esta sua ida com muita sede ao pote, numa sociedade em plena efervescência revolucionária, pode lhe ser fatal. E talvez seja, também, para o destino da União Soviética.      

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 21 de junho de 1990)


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