Que se passe do diálogo para a ação
Pedro J.
Bondaczuk
O presidente José Sarney, após ter ouvido os homens de
empresas do País, sobre os graves problemas econômicos que afetam o Brasil,
tanto no plano interno quanto no seu relacionamento internacional, no churrasco
do qual participou, no dia 21 de março passado, no sítio do empresário Mathias
Machline, repetiu a dose ontem.
Desta vez, tanto o cenário,
quanto os interlocutores, foram outros, embora a agenda fosse praticamente a
mesma. O encontro ocorreu com os representantes dos trabalhadores, na Granja do
Torto, em Brasília, encerrado com uma feijoada. Assuntos, os mais diversos,
como a reforma agrária, o gatilho salarial, as altas taxas de juros e a dívida
externa, foram expostos com clareza e franqueza pelos sindicalistas, dando
possibilidades ao presidente para vir a formar um quadro bastante real do que
pensam as várias categorias sociais acerca das dificuldades brasileiras.
O tema que mereceu maior enfoque,
por estar na raiz de todas as nossas dificuldades e por ameaçar de comprometer
todo o nosso futuro, foi, sem dúvida, o imenso débito que o País tem no
Exterior. A moratória unilateral, anunciada por José Sarney em 20 de fevereiro
passado, suspendendo o pagamento dos juros, junto aos bancos privados
estrangeiros, satisfez, em parte, os desejos dos trabalhadores a respeito do
nosso endividamento.
Mas deixou muitas e sérias
desconfianças na liderança sindical, temerosa por um retorno brasileiro ao
Fundo Monetário Internacional e conseqüente adoção das receitas recessivas
desse organismo multilateral, intoleráveis no atual estágio, um tanto confuso e
tenso da vida nacional.
Um dos interlocutores de ontem,
do presidente, deixou manifestada, clara e publicamente, essa descrença, há 50
dias. Foi Jair Meneguelli, presidente da CUT, que parece ainda não acreditar na
seriedade da atitude do governo em relação aos credores. O sindicalista disse,
em 23 de fevereiro passado, que o anúncio da suspensão dos pagamentos dos juros
da dívida externa era “uma das maiores farsas do País”.
Alertou que tudo não passava de
“um jogo de cena para renegociar o débito do Brasil”. E manifestou temer que
brevemente “o País volte a bater às portas do Fundo Monetário Internacional”.
Para Meneguelli, isso representaria “recessão, inflação, arrocho salarial e
desemprego em proporções jamais vividas”. Ontem, o presidente da CUT teve a
oportunidade de repetir tudo isso, só que diretamente a Sarney.
Pelo menos o presidente da
República saiu desse encontro sabendo, de fonte limpa, dos próprios
interessados, o que pensam os trabalhadores da sua estratégia de governo. E
saberá direcionar melhor suas decisões, no sentido de evitar conflitos e
confrontos e conseguir a convergência de interesses entre as duas partes que
ouviu.
Dessa maneira, embora certamente
a sua intenção não tenha sido esta ao se encontrar com empresários e
sindicalistas, poderá conseguir, a médio prazo, aquilo que já foi tentado em
duas oportunidades, sem grande sucesso: um pacto social.
Acontece que para se verificar este
amplo entendimento, está faltando que o governo faça, também, a sua parte. Que
defina uma estratégia de desenvolvimento, estabeleça regras claras e bem
definidas para a economia e pare de fazer experiências empíricas, como se a
sociedade fosse um imenso laboratório. Que reduza seus gastos ao absolutamente
indispensável, equilibrando receita e despesa, não por meio do confisco
tributário, mas através de um comportamento austero e exemplar.
Que equacione duas, das três
grandes dívidas brasileiras, que são as interna e social. Por causa da
primeira, desconfia-se, os juros subiram às nuvens e raiam ao absurdo,
desestimulando investimentos e criando todas as condições para que se instale
no País exatamente aquilo que o Planalto apregoa querer evitar: a recessão.
O que está ocorrendo em relação à
agricultura nacional é bastante sintomático. Depõe contra a eficiência do
governo. Estimulados pelos juros baixos e pelas promessas oficiais, feitas no
ano passado, os agricultores investiram muito em suas lavouras. E ajudados pelo
clima, que foi bastante propício, estão colhendo a maior safra de grãos da
nossa história, de 65,3 milhões de toneladas, devolvendo a auto-suficiência ao
Brasil em pelo menos três tipos de cultura: arroz, milho e feijão.
Mas qual está sendo a recíproca
dessa performance? Ruim, deprimente, péssima! Proprietários e mais
proprietários, incapacitados de pagar seus “papagaios” junto aos bancos, em
virtude das absurdas taxas cobradas, estão tendo que se desfazer de tratores,
arados e até mesmo de suas terras, que estão sendo tomadas pelos credores ou
até rifadas, para cobrir os compromissos financeiros.
Para aqueles que não estão tendo
esse dissabor, abundam problemas de outra natureza. Faltam, por exemplo,
caminhões (o déficit é de 90 mil veículos) para o escoamento dessa monumental
safra. Boa parte dela irá apodrecer, com toda a certeza, nos campos, por causa
dessa e de outras carências, como de silos e de armazéns, já que não se
investiu como se deveria nesse setor.
Os preços ao produtor são extremamente
desestimulantes e boa parte dos que plantaram irá arcar com grandes prejuízos,
já que não conseguirá obter remuneração que sequer cubra os custos de produção.
Conseqüência: não causará nenhuma surpresa para ninguém se em 1988, ao
contrário de 1987, viermos a registrar um recorde às avessas. Ou seja, a menor
safra da história agrícola brasileira.
Agora que o presidente ouviu todo
o mundo, se espera que aja. Com prudência, como é do seu feitio, mas com
presteza e exatidão. Para que aquele que realmente produz não acabe punido por
sua eficiência e capacidade, o que se constitui numa enorme aberração.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 5 de abril
de 1987)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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