Segredos ao vento
Pedro
J. Bondaczuk
“A alma não tem segredo
que a conduta não revele”, diz conhecido adágio popular. Nossos atos, por mais
que tentemos dissimular, revelam, ostensiva ou veladamente, nossas idéias,
pensamentos e sentimentos, mesmo os mais secretos, aqueles que precisamos, queremos
e nos empenhamos em esconder do mundo. Há fraquezas nossas que não podemos
revelar, por nos deixarem vulneráveis. Há sentimentos que convém guardarmos
apenas para nós, por serem lesivos à moral e aos bons costumes. E há fatos que
testemunhamos e sobre os quais precisamos manter a boca fechada, por envolverem
sérios riscos à nossa integridade física ou à de terceiros, caso os venhamos
divulgar.
Mas é possível manter
algum segredo para sempre? Não digo que haja absoluta impossibilidade, mas que
é difícil, disso não tenho a menor dúvida. Países despendem, por exemplo,
fortunas imensas para manter serviços secretos, cuja missão básica é impedir
que informações estratégicas, que não possam ser reveladas em nenhuma
circunstância, permaneçam sigilosas. Em contrapartida, contam com aparatos de
espionagem para bisbilhotar o que seus inimigos (ostensivos ou potenciais) e
até supostos aliados tentam esconder. E estes, claro, agem de idêntica forma.
Mas volto à pergunta anterior: é possível manter algum segredo para sempre?
Talvez a resposta seja
positiva se este for do conhecimento de uma única pessoa. E se esta se esquecer
dele e não o revelar a absolutamente ninguém, nem mesmo àquele em que deposite
irrestrita confiança. E, ainda assim, não há total segurança de que não venha,
por qualquer circunstância que fuja ao seu controle, a público.
A esse propósito, há
uma conhecida fábula grega, que atravessou milênios e continua mais atual do
que nunca. Tem como personagem o trapalhão rei de Bromionte, na Macedônia, norte
da Grécia, Midas, aquele que por obra e graça de Dionísio, deus da alegria e do
prazer, tinha o poder de transformar em ouro tudo o que tocasse e que, por
causa do atendimento desse insensato desejo, quase morreu de fome.
Em certa ocasião, Apolo
foi desafiado pelo sátiro Marsias a provar que era o maior músico daquele
tempo. Conversa vai, conversa vem; provocação de um lado, réplica de outro e os
dois resolveram partir para um tira-teima público. Fariam uma grande
apresentação e ambos acreditavam que ao cabo do desafio, ficaria estabelecido,
de uma vez por todas, qual dos dois, de fato, era o melhor.
Para compor o júri,
foram convocados os maiores conhecedores da arte musical de então. E entre os
jurados, estava Midas, que havia sido aluno do próprio Orfeu e que gozava de
reputação de grande conhecedor do ofício. Feitas as apresentações dos dois
contendores, ficou claríssimo, até para o mais néscio dos néscios, que Apolo se
saíra muito melhor do que Marsias. Todos os jurados concordaram com isso. Aliás,
quase todos. Houve apenas um, e único, voto discordante. E sabem de quem? Isso
mesmo, de Midas!
Os adversários voltaram
a se apresentar mais uma, duas, cinco, dez vezes, pois cada um deles queria a
unanimidade, para que jamais restasse a mínima dúvida a respeito. E em todas as
apresentações, persistiu o voto discordante de Midas que, teimosamente,
insistia em votar em Marsias. Convencidos de que não conseguiriam demover o
teimoso rei de Bromionte do seu pouco inteligente voto, os jurados, enfim,
declararam Apolo o vencedor. Mas sem a pretendida unanimidade.
O deus, todavia,
resolveu punir o teimoso juiz. Fez com que as orelhas de Midas ficassem bem
grandes, como as de burro, para que sempre se lembrasse da sua teimosia.
Desesperado, o monarca buscou, a todo o custo, esconder a anomalia. Não a
revelou para ninguém, nem para a rainha ou para os filhos. Deixou os cabelos
crescerem de formas a encobrirem as orelhas. Mas um dia, teve que os cortar.
Afinal, um monarca não poderia manter a aparência de um gorila selvagem para
sempre. E o barbeiro, ao cortar os cabelos de Midas, descobriu o seu segredo.
Foi ameaçado de todas
as formas. O arrogante rei, entre outras coisas, prometeu cortar-lhe a cabeça e
executar toda a sua família caso alguém viesse a descobrir que tinha orelhas de
burro. O barbeiro conservou, por algum tempo, absoluto sigilo. Mas isto o
incomodava demais. Em duas ou três ocasiões, quase deixou escapar o que sabia.
Conteve-se. Quando já não suportava mais guardar o segredo, porém, decidiu que
o revelaria a quem não podia falar e se esqueceria daquilo que melhor seria
nunca ter sabido.
O barbeiro dirigiu-se a
um lugar isolado, perto do rio, cavou um buraco e desabafou: “o rei Midas tem
orelhas de burro”. Depois, jogou terra por cima e voltou para casa, aliviado.
Nunca mais pensou no fato. O tempo passou. No buraco, nasceu um caniço, ao lado
de vários outros. O monarca acreditou que seu segredo permaneceria incógnito
para sempre. Mas nunca mostrou as orelhas a ninguém, nem mesmo para a família.
Era algo inconcebível na sua cabeça que alguém viesse a tomar conhecimento do
seu defeito físico.
Todavia, o caniço, que
nasceu no buraco do segredo, ao ser tocado pela brisa, começou a murmurar: “o
rei Midas tem orelhas de burro”. Todos os outros da redondeza fizeram eco e
repetiram a frase. O que era a princípio um quase inaudível murmúrio, depressa
aumentou. Não tardou a virar um alarido e daí, um incontrolável clamor. A
cidade inteira ouviu. É provável que até surdo tenha ouvido, tamanho foi o
barulho. E em pouco tempo, o comentário em todo o reino era um só: sobre as
orelhas de burro do rei. Todos riam – a princípio secretamente, mas depois, de
forma escrachada – do desditoso Midas que, claro, caiu no absoluto ridículo.
Pelo que se conclui que o povo tem absoluta razão quando afirma que “segredo
muito encoberto é sempre sabido”. E como é!!! O desditoso rei de Bromionte que
o diga!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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