Monday, December 19, 2016

Segredos ao vento

Pedro J. Bondaczuk

A alma não tem segredo que a conduta não revele”, diz conhecido adágio popular. Nossos atos, por mais que tentemos dissimular, revelam, ostensiva ou veladamente, nossas idéias, pensamentos e sentimentos, mesmo os mais secretos, aqueles que precisamos, queremos e nos empenhamos em esconder do mundo. Há fraquezas nossas que não podemos revelar, por nos deixarem vulneráveis. Há sentimentos que convém guardarmos apenas para nós, por serem lesivos à moral e aos bons costumes. E há fatos que testemunhamos e sobre os quais precisamos manter a boca fechada, por envolverem sérios riscos à nossa integridade física ou à de terceiros, caso os venhamos divulgar.

Mas é possível manter algum segredo para sempre? Não digo que haja absoluta impossibilidade, mas que é difícil, disso não tenho a menor dúvida. Países despendem, por exemplo, fortunas imensas para manter serviços secretos, cuja missão básica é impedir que informações estratégicas, que não possam ser reveladas em nenhuma circunstância, permaneçam sigilosas. Em contrapartida, contam com aparatos de espionagem para bisbilhotar o que seus inimigos (ostensivos ou potenciais) e até supostos aliados tentam esconder. E estes, claro, agem de idêntica forma. Mas volto à pergunta anterior: é possível manter algum segredo para sempre?

Talvez a resposta seja positiva se este for do conhecimento de uma única pessoa. E se esta se esquecer dele e não o revelar a absolutamente ninguém, nem mesmo àquele em que deposite irrestrita confiança. E, ainda assim, não há total segurança de que não venha, por qualquer circunstância que fuja ao seu controle, a público.

A esse propósito, há uma conhecida fábula grega, que atravessou milênios e continua mais atual do que nunca. Tem como personagem o trapalhão rei de Bromionte, na Macedônia, norte da Grécia, Midas, aquele que por obra e graça de Dionísio, deus da alegria e do prazer, tinha o poder de transformar em ouro tudo o que tocasse e que, por causa do atendimento desse insensato desejo, quase morreu de fome.

Em certa ocasião, Apolo foi desafiado pelo sátiro Marsias a provar que era o maior músico daquele tempo. Conversa vai, conversa vem; provocação de um lado, réplica de outro e os dois resolveram partir para um tira-teima público. Fariam uma grande apresentação e ambos acreditavam que ao cabo do desafio, ficaria estabelecido, de uma vez por todas, qual dos dois, de fato, era o melhor.

Para compor o júri, foram convocados os maiores conhecedores da arte musical de então. E entre os jurados, estava Midas, que havia sido aluno do próprio Orfeu e que gozava de reputação de grande conhecedor do ofício. Feitas as apresentações dos dois contendores, ficou claríssimo, até para o mais néscio dos néscios, que Apolo se saíra muito melhor do que Marsias. Todos os jurados concordaram com isso. Aliás, quase todos. Houve apenas um, e único, voto discordante. E sabem de quem? Isso mesmo, de Midas!

Os adversários voltaram a se apresentar mais uma, duas, cinco, dez vezes, pois cada um deles queria a unanimidade, para que jamais restasse a mínima dúvida a respeito. E em todas as apresentações, persistiu o voto discordante de Midas que, teimosamente, insistia em votar em Marsias. Convencidos de que não conseguiriam demover o teimoso rei de Bromionte do seu pouco inteligente voto, os jurados, enfim, declararam Apolo o vencedor. Mas sem a pretendida unanimidade.

O deus, todavia, resolveu punir o teimoso juiz. Fez com que as orelhas de Midas ficassem bem grandes, como as de burro, para que sempre se lembrasse da sua teimosia. Desesperado, o monarca buscou, a todo o custo, esconder a anomalia. Não a revelou para ninguém, nem para a rainha ou para os filhos. Deixou os cabelos crescerem de formas a encobrirem as orelhas. Mas um dia, teve que os cortar. Afinal, um monarca não poderia manter a aparência de um gorila selvagem para sempre. E o barbeiro, ao cortar os cabelos de Midas, descobriu o seu segredo.

Foi ameaçado de todas as formas. O arrogante rei, entre outras coisas, prometeu cortar-lhe a cabeça e executar toda a sua família caso alguém viesse a descobrir que tinha orelhas de burro. O barbeiro conservou, por algum tempo, absoluto sigilo. Mas isto o incomodava demais. Em duas ou três ocasiões, quase deixou escapar o que sabia. Conteve-se. Quando já não suportava mais guardar o segredo, porém, decidiu que o revelaria a quem não podia falar e se esqueceria daquilo que melhor seria nunca ter sabido.

O barbeiro dirigiu-se a um lugar isolado, perto do rio, cavou um buraco e desabafou: “o rei Midas tem orelhas de burro”. Depois, jogou terra por cima e voltou para casa, aliviado. Nunca mais pensou no fato. O tempo passou. No buraco, nasceu um caniço, ao lado de vários outros. O monarca acreditou que seu segredo permaneceria incógnito para sempre. Mas nunca mostrou as orelhas a ninguém, nem mesmo para a família. Era algo inconcebível na sua cabeça que alguém viesse a tomar conhecimento do seu defeito físico.

Todavia, o caniço, que nasceu no buraco do segredo, ao ser tocado pela brisa, começou a murmurar: “o rei Midas tem orelhas de burro”. Todos os outros da redondeza fizeram eco e repetiram a frase. O que era a princípio um quase inaudível murmúrio, depressa aumentou. Não tardou a virar um alarido e daí, um incontrolável clamor. A cidade inteira ouviu. É provável que até surdo tenha ouvido, tamanho foi o barulho. E em pouco tempo, o comentário em todo o reino era um só: sobre as orelhas de burro do rei. Todos riam – a princípio secretamente, mas depois, de forma escrachada – do desditoso Midas que, claro, caiu no absoluto ridículo. Pelo que se conclui que o povo tem absoluta razão quando afirma que “segredo muito encoberto é sempre sabido”. E como é!!! O desditoso rei de Bromionte que o diga!


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