Monday, December 19, 2016

Perestroika visa a mudar socialismo


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético Mikhail Gorbachev, ao lançar a idéia da "perestroika", em momento algum pretendeu substituir o socialismo pelo capitalismo. Pelo contrário, procurou incorporar elementos capitalistas positivos --- como o mercado livre, o respeito absoluto pelo consumidor, o enfoque não somente para a quantidade mas também para a qualidade dos produtos oferecidos --- ao sistema vigente em seu país.

Propôs, na verdade, uma nova revolução. Se com barricadas e armas na mão ou não dependeria do tipo de reação que sabia que iria enfrentar por parte dos "czares" comunistas, encastelados no poder, sufocando o potencial criativo de toda a nação. Há muito equívoco em torno das idéias do líder do Cremlin, já a partir da própria definição da palavra que passou a simbolizar as reformas que sugeriu.

No apêndice do livro "Mikhail Gorbachev, a Proposta", volume II, da Editora Expressão e Cultura, há a seguinte observação: "Perestroika - Reconstrução do sistema de relações sociais e econômicas vigentes na URSS, a partir de um modelo sócio-econômico de inspiração socialista preexistente".

Não é, portanto, como muitos apregoam, um retorno ao capitalismo. No Brasil, e na imprensa ocidental, a palavra "perestroika" vem sendo traduzida como "restruturação". Aliás, pelo menos nesse ponto, a tradução do significado foi das mais felizes.

O que o presidente soviético pretende é, ousadamente, reestruturar. Não somente a máquina do Estado, sua composição e funcionamento, mas a própria maneira dela ser montada, seus objetivos e seu relacionamento com a sociedade. Tem por objetivo estabelecer os limites entre o individual e o coletivo, o que jamais aconteceu na União Soviética, em tempo algum.

Como se observa, trata-se de uma tarefa gigantesca, muito grande para um só homem e uma única geração. Para realizá-la, Gorbachev convocou, virtualmente, toda a população. Porém o povo estava e está mais do que nunca totalmente descrente no sistema e estava caindo numa perigosa apatia. Gorbachev partiu do princípio óbvio de que todo o problema, para ser resolvido, precisa antes ser identificado. E tal diagnóstico tem de ser, necessariamente, o mais exato possível, caso contrário não se conseguirá curar a moléstia social.

Todavia, o presidente soviético jamais poderia confiar nos relatórios elaborados pelos burocratas do Partido Comunista, autênticas peças de ficção, tão inverossímeis e grandiloqüentes eram. Ele próprio constatou, no livro "Perestroika":  "A propaganda do sucesso (do sistema comunista), real ou imaginário, estava ganhando terreno. Os elogios e o servilismo foram encorajados; as necessidades e opiniões dos trabalhadores comuns, geralmente ignoradas. Nas ciências sociais, a teoria escolástica foi estimulada e desenvolvida; o pensamento criativo, expulso, declarando-se juízos voluntaristas e supérfluos como verdades incontestáveis. As discussões científicas e teóricas, indispensáveis ao desenvolvimento do pensamento e ao esforço criativo, foram emasculadas. Tendências negativas semelhantes também influenciaram a cultura, as artes e o jornalismo, bem como os métodos de ensino e a medicina, onde a mediocridade, o formalismo e o panegirico retumbante vieram à tona".

Em suma, os soviéticos agiam como avestruzes, enterrando a cabeça na areia de uma intoxicação ideológica induzida e expunham o corpo à destruição.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 22 de março de 1991).


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