Monday, December 05, 2016

É preciso credibilidade


Pedro J. Bondaczuk


O País convive, desde agora, com uma nova "realidade" --- desculpem o trocadilho involuntário --- com a introdução da Unidade Real de Valor, a tão comentada e pouco entendida URV, que despertou uma verdadeira (e justificada) histeria nacional.

Quem vai perder? Quem vai ganhar? Como fica a poupança? Como ficam os aluguéis? Essas são algumas das perguntas que circulam de boca em boca e são repetidas milhões de vezes por todo o País. O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, realiza autêntica maratona de entrevistas, tentando tranqüilizar as pessoas. E fica a impressão de que já vimos "filme" parecido com esse.

Tomara que desta feita haja um "happy end", um final feliz, já que o atual plano de ajuste se mostra pelo menos não tão dramático quanto seus antecessores Cruzados I e II, Bresser, Verão e Collor I e II, para citar os que vêm de imediato à memória. Quando da edição dos citados pacotes anteriores, as expectativas também eram de que dessem certo, embora o otimismo decrescesse progressivamente, de um para o outro.

Sem atentar para os aspectos técnicos, já que toda a teoria na prática é outra, o atual programa de estabilização depende, para funcionar (e esse muito mais do que os anteriores), de um capital que os últimos governos nunca tiveram: credibilidade.

Seria indispensável que, vencida a etapa da resistência natural (toda novidade, seja em que sentido for, enfrenta a barreira do ceticismo), a população "acreditasse" na viabilidade e na eficácia das medidas adotadas. Essa adesão, contudo, parece tão árdua quanto os mitológicos "doze trabalhos de Hércules".

Depois de tudo o que aconteceu nos últimos 50 anos de história alguém pode culpar o brasileiro por não acreditar em nada e ninguém? Aliás, a descrença é uma característica dos nossos tempos, e não somente no Brasil. Qual governo goza, nos dias que correm, de absoluta credibilidade? O de Bill Clinton, nos Estados Unidos? O de John Major, na Grã-Bretanha? O da dupla François Mitterrand-Édouard Balladur, na França? O de Bóris Yeltsin, na Rússia? O de Helmut Kohl, na Alemanha? O de Morihiro Hosokawa, no Japão?

Quem acompanha a política internacional sabe que todos esses governos atravessam um período de desprestígio tão grande, que qualquer medida que adotem, política, econômica ou militar, é recebida não apenas com resistências, mas com um sorriso irônico e zombeteiro, como se as pessoas dissessem: "Pronto, lá vem um novo truque dos políticos!"

A URV, antes de se transformar em moeda forte, como Fernando Henrique pretende, deve passar por uma série de testes. O dos sindicalistas, por exemplo. O da Previdência Social e, mais do que essa, dos aposentados que, pelo andar da carruagem, mais uma vez ficarão no prejuízo. O do funcionalismo público. E principalmente, o de um Congresso obscuro e medíocre, sem muita vontade de trabalhar --- basta ver o número de "gazeteiros" que possui --- ao qual caberá a tarefa de aprovar a medida provisória que cria a URV.

Terá Fernando Henrique, candidato potencial à sucessão de Itamar Franco, "cacife" político ainda maior do que o demonstrado para a aprovação do Fundo Social de Emergência?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 1 de março de 1994).


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