Do tamanho dos nossos desejos
Pedro
J. Bondaczuk
O mundo da fantasia,
aquele do faz-de-conta, o dos nossos sonhos, tem as dimensões exatas dos nossos
desejos. Difere em muito do real, onde temos que lutar pela sobrevivência, sem
muito espaço para correr atrás de abstrações. Preocupações imediatas nos
desafiam: como conseguir um teto para nos cobrir a cabeça, o alimento que nos
mantenha as forças, o acesso à educação e à cultura para que conservemos nosso
tênue verniz de "civilização", o usufruto das conquistas da medicina
para manter nossa saúde e prolongar nossa vida etc.? O que desejamos pode ser
tanto a mola que nos impulsione às grandes realizações, quanto a fonte de toda
a nossa infelicidade. E é muito difícil, senão impossível, filtrar o factível,
o concretizável e o realizável do somente desejável.
Alguns desejos exigem
cumplicidade para que se realizem. Jamais uma única pessoa, de forma isolada,
teria condições de realizá-los, dadas sua abrangência e complexidade. Devem ser ideais permanentes tanto do
indivíduo, quanto da comunidade em que ele está inserido. São os casos da
solidariedade, da fraternidade e da justiça, entre outros, conceitos que, se
bem entendidos e, sobretudo, aplicados, transformam por si sós o Planeta em um
lugar aprazível para se viver.
O austríaco Peter
Handke escreveu: "Existe como que uma falta que se instala (em nossa
vida). Mas é preciso ter o desejo. É só isso, é preciso ter o desejo. O desejo
de redenção, de libertação. Se a gente não tem isso, acho que não se pode escrever".
Eu estenderia um pouco além esta conclusão. Diria que não se pode viver. Mas de
nada vale se limitar a desejar. É preciso agir, de maneira ordenada e coletiva.
É necessário ter-se em
mente a possibilidade de não conseguirmos alcançar o que tanto desejamos e
saber como lidar com essa frustração. Temos que entender que não passamos de
pequeno elo de uma imensa corrente surgida quando do aparecimento do primeiro
indivíduo inteligente, da nossa espécie, sobre a Terra e cujo final é
impossível de vislumbrar na sucessão de gerações. Mas nossa vaidade impede-nos
de admitir o quanto é ínfima a nossa importância individual. Carecemos de uma
visão de médio e longo prazo. Queremos a realização dos nossos desejos, por
mais fantasiosos ou egoísticos que sejam, de imediato. E, claro, nos
frustramos. Ocorre o choque inevitável entre a realidade e a fantasia.
O físico Albert
Einstein escreveu, em seu livro "Como vejo o mundo": "A
perfeição dos meios e a confusão dos objetivos parece caracterizar a nossa
época. Se desejamos sinceramente e com ardor a segurança, o bem-estar e o
desenvolvimento livre dos talentos de todos os homens, não nos faltarão meios
para atingir tal estado. Ainda que só uma pequena parte da humanidade se
esforce para tais objetivos, sua superioridade ficará comprovada a longo
prazo". Nunca os recursos para a instauração do sonhado Paraíso na Terra
estiveram mais ao alcance de todas as pessoas. No entanto, em época alguma
houve maiores divisionismos e injustiças do que agora.
Basta atentar para o fato
de que dois terços da humanidade trabalham, ou procuram trabalhar, para que o
um terço restante fique com os frutos deste labor em seu próprio proveito. Por
que? É a pergunta que os idealistas fazem há séculos! E muitos morrem por essa
igualdade de oportunidades! Um bilhão e quatrocentos milhões de pessoas
situam-se, hoje, abaixo da linha da miséria, sem casa para morar, sem comida,
sem acesso à saúde, sem poder obter o preciosíssimo bem da educação que lhes
permitiria uma evolução em sua condição pessoal. E essa contundente cifra
cresce em progressão geométrica. Enquanto isso, os recursos preciosos e
esgotáveis do Planeta concentram-se, mais e mais, proporcionalmente, em menos
mãos. Por que?
Somente entre os anos
de 1998 e 2002, de acordo com estatísticas do Banco Mundial, 400 milhões de
indivíduos caíram na absoluta miserabilidade. Não me consta que essa dolorosa
realidade tenha mudado para melhor. Pelo contrário. Estes milhões, quiçá
bilhões de miseráveis certamente, também têm desejos, posto que meramente
instintivos. É possível que sonhem com a fortuna e com os prazeres sensoriais.
Mas nos seus delírios desejam, antes de tudo, o que têm o direito natural de
obter e não lhes permitem. Querem comida que os mantenha vivos, roupa, para
estarem aquecidos, um teto, para estarem abrigados. Ambições primitivas, como
as dos homens das cavernas. Direitos naturais que devem ser garantidos. E é
lamentável que em 13 milênios de civilização, após tantas guerras, discussões e
movimentos, somente os instintos egoísticos, animais, prevaleçam: os da lei das
selvas, da prevalência do forte sobre o mais fraco.
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