Gorbachev faz jogada de
mestre
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente soviético, Mikhail Gorbachev, pressionado no plano interno pela
crise econômica, política e social e no externo pela condenação à repressão às
Repúblicas bálticas, fez uma jogada de mestre, típica dos bons jogadores de
xadrez, apresentando sua proposta de paz para acabar com a guerra no Golfo
Pérsico.
Usou,
sobretudo, um raro senso de oportunismo, que sempre caracterizou sua fulminante
e até aqui bem sucedida carreira pública, expondo seu plano no momento
oportuno. Nem cedo demais, nem muito tarde. Qualquer que seja a resposta
iraquiana, ou a atitude norte-americana, o líder do Cremlin sairá ganhando
nesta história toda.
Se
Saddam Hussein decidir retirar suas tropas incondicionalmente do Kuwait
ocupado, dificilmente o presidente George Bush terá respaldo internacional para
ordenar a operação por terra. Terá que se conformar com um cessar-fogo. Até
porque, muitos integrantes da coalizão --- caso específico da Itália ---
gostaram da proposta de Gorbachev e expressaram seu apoio a ela, embora só os
italianos o fizessem publicamente.
Se
o Iraque resolver lutar até o fim, o presidente soviético poderá lavar as mãos
e permanecer quieto no seu canto. Vai ficar constando na opinião pública
internacional que ele fez tudo o que era possível para deter a carnificina no
Golfo.
Os
reflexos, no plano interno, não demoraram a se fazer sentir. O Soviete Supremo,
por exemplo, aprovou, ontem, por esmagadora maioria, uma moção de censura a
Bóris Yeltsin, por ele haver exigido a renúncia do líder do Cremlin. O
dirigente radical russo sim agiu com absoluta inoportunidade.
É
aí que reside a principal diferença entre ele e seu carismático rival. Não sabe
jogar a cartada certa no momento adequado. Caso Saddam aceite a proposta
soviética, Bush viverá uma situação irônica. Se prosseguir com a guerra, sua
popularidade no estrangeiro certamente sofrerá um agudo decréscimo.
O
presidente iraquiano, de agressor que é, passará a ser encarado como vítima. Se
aceitar a retirada das tropas do Iraque, e suspender a operação terrestre, o
sucesso não lhe será tributado e terá caráter apenas parcial. Gorbachev, que
não teve a mínima despesa para devolver a soberania kuwaitiana, ficará com
todas as glórias.
Aos
Estados Unidos caberão apenas os ônus e a impopularidade. Além do que, Bush não
conseguirá o seu principal objetivo, que é a deposição de Saddam e o desmonte
da máquina bélica iraquiana. O ditador do Iraque terá cumprido o seu objetivo,
que é o de "não perder a guerra", na impossibilidade de conseguir uma
vitória.
No
frigir dos ovos, a operação "Tempestade no Deserto" irá se constituir
numa derrota, pelo menos parcial, para o presidente norte-americano e Israel
não conseguirá se ver livre do espectro dos incômodos Scuds B de Hussein. O
único que não tem nada a perder com o plano de paz, portanto, seja ele aceito
ou não, é o seu autor, Gorbachev.
(Artigo
publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 21 de fevereiro
de 1991).
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