Tuesday, December 27, 2016

Gorbachev faz jogada de mestre


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, pressionado no plano interno pela crise econômica, política e social e no externo pela condenação à repressão às Repúblicas bálticas, fez uma jogada de mestre, típica dos bons jogadores de xadrez, apresentando sua proposta de paz para acabar com a guerra no Golfo Pérsico.

Usou, sobretudo, um raro senso de oportunismo, que sempre caracterizou sua fulminante e até aqui bem sucedida carreira pública, expondo seu plano no momento oportuno. Nem cedo demais, nem muito tarde. Qualquer que seja a resposta iraquiana, ou a atitude norte-americana, o líder do Cremlin sairá ganhando nesta história toda.

Se Saddam Hussein decidir retirar suas tropas incondicionalmente do Kuwait ocupado, dificilmente o presidente George Bush terá respaldo internacional para ordenar a operação por terra. Terá que se conformar com um cessar-fogo. Até porque, muitos integrantes da coalizão --- caso específico da Itália --- gostaram da proposta de Gorbachev e expressaram seu apoio a ela, embora só os italianos o fizessem publicamente.

Se o Iraque resolver lutar até o fim, o presidente soviético poderá lavar as mãos e permanecer quieto no seu canto. Vai ficar constando na opinião pública internacional que ele fez tudo o que era possível para deter a carnificina no Golfo.

Os reflexos, no plano interno, não demoraram a se fazer sentir. O Soviete Supremo, por exemplo, aprovou, ontem, por esmagadora maioria, uma moção de censura a Bóris Yeltsin, por ele haver exigido a renúncia do líder do Cremlin. O dirigente radical russo sim agiu com absoluta inoportunidade.

É aí que reside a principal diferença entre ele e seu carismático rival. Não sabe jogar a cartada certa no momento adequado. Caso Saddam aceite a proposta soviética, Bush viverá uma situação irônica. Se prosseguir com a guerra, sua popularidade no estrangeiro certamente sofrerá um agudo decréscimo.

O presidente iraquiano, de agressor que é, passará a ser encarado como vítima. Se aceitar a retirada das tropas do Iraque, e suspender a operação terrestre, o sucesso não lhe será tributado e terá caráter apenas parcial. Gorbachev, que não teve a mínima despesa para devolver a soberania kuwaitiana, ficará com todas as glórias.

Aos Estados Unidos caberão apenas os ônus e a impopularidade. Além do que, Bush não conseguirá o seu principal objetivo, que é a deposição de Saddam e o desmonte da máquina bélica iraquiana. O ditador do Iraque terá cumprido o seu objetivo, que é o de "não perder a guerra", na impossibilidade de conseguir uma vitória.

No frigir dos ovos, a operação "Tempestade no Deserto" irá se constituir numa derrota, pelo menos parcial, para o presidente norte-americano e Israel não conseguirá se ver livre do espectro dos incômodos Scuds B de Hussein. O único que não tem nada a perder com o plano de paz, portanto, seja ele aceito ou não, é o seu autor, Gorbachev.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 21 de fevereiro de 1991).

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