Sunday, December 25, 2016

Livre comércio


Pedro J. Bondaczuk


O comércio mundial é uma via de duas mãos de direção. Quando ambas as pistas estão desobstruídas, o tráfego é fluente nos dois sentidos e há plena normalidade. No entanto, quando uma dessas estradas está bloqueada, em pouco tempo o trânsito fica congestionado, gerando a necessidade da abertura de variantes, geralmente inseguras e que funcionam na contramão.  E todo o sistema, em pouco tempo, fica tumultuado, dando margem a acidentes de percurso.

Foi mais ou menos isto o que o presidente norte-americano, Ronald Reagan, disse (com outras palavras, é verdade) no discurso que pronunciou ontem, na Câmara de Comércio dos Estados Unidos. Ele referia-se a uma controvertida proposta parlamentar, na iminência de ser transformada em lei nas próximas horas, em tramitação na Câmara dos Deputados, em Washington, no sentido de se retaliar com dureza aqueles países que utilizarem práticas desleais, do tipo “dumping”, em seu comércio com os EUA.

Concordamos em grau, gênero e número com os conceitos emitidos pelo estadista norte-americano. Mas é necessário que se encare o assunto com objetividade e, sobretudo, com sinceridade. Os verdadeiros cartéis de compradores de matérias-primas procedentes do Terceiro Mundo, ao fazerem seus conchavos para aviltar os preços desses produtos, também não agem com lealdade. Longe disso.

Causam, na verdade, um bloqueio em uma das vias da estrada bilateral do comércio internacional, forçando os prejudicados a buscarem com todos os riscos que estas possam envolver. Os países pobres não têm muitas opções para a colocação de suas mercadorias no mercado. São premidos pelas circunstâncias e obrigados a aceitar o que lhes é oferecido, já que o número de seus clientes é bastante restrito.

Como, em geral, têm indústrias incipientes, por não terem acesso à tecnologia, tudo o que se requer no mundo moderno, para garantir uma qualidade de vida pelo menos razoável, é fabricado fora de suas fronteiras. Para adquirir esses bens, precisam, desesperadamente, de dólares, moeda que, a despeito da atual e vigorosa desvalorização nas principais casas de câmbio dos países industrializados, é considerada de caráter universal nas transações internacionais.

Para conseguir fazer “cash”, essas sociedades nacionais de Terceiro Mundo precisam vender, mais e mais, suas matérias-primas, recursos naturais com que a natureza as dotou e não raro sua única e exclusiva fonte de renda.

Todavia, seus poderosos clientes são extremamente organizados e muito unidos. As principais organizações compradoras de minérios, de carvão, de fibras vegetais, de alimentos etc., têm suas sedes na Europa. E determinam a cotação desses produtos, tendo em conta, apenas, as próprias conveniências, de olho nas planilhas de custo domésticas.

Como nos países industrializados a competição está se acirrando, ou seja, como uma das vias dessa estrada do comércio internacional está bloqueada, a disputa se dá nos preços dos produtos finais, que têm que ser crescentemente menores. Essas reduções, todavia, são sempre impingidas aos mais fracos. Aos exportadores de matérias-primas.

Assim, o cobre boliviano, o minério de ferro brasileiro e outros tantos metais nobres, extraídos, por exemplo, de minas de pobres sociedades nacionais da África, da Ásia e da América Latina, têm o valor aviltado, da noite para o dia, sem que ninguém se importe com as conseqüências econômicas e principalmente sociais daí advindas e nem com quem será  prejudicado.

A defesa do presidente norte-americano Ronald Reagan, de um comércio totalmente livre de barreiras, em tese, é bastante judiciosa. Seria, é claro, o comportamento ideal, desde que valesse para todos, sem nenhuma exceção. Mas ele precisaria conhecer um pouco melhor a questão, antes de se pronunciar e de julgar alguns de seus parceiros comerciais como sendo desleais.

Teria que ouvir, também, a parte considerada a priori como errada, e não somente os “lobies” que freqüentam as repartições do governo norte-americano, para saber, de fonte limpa, a razão de certas atitudes desesperadas que classifica, apressadamente (quando não desonestamente) de protecionistas.

A honestidade também deve ser uma via de duas mãos, livre e desimpedida, para que imperem a confiança e, sobretudo, a justiça nas transações comerciais entre os povos.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 28 de abril de 1987).

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