Livre comércio
Pedro J.
Bondaczuk
O comércio mundial é uma via de duas mãos de direção.
Quando ambas as pistas estão desobstruídas, o tráfego é fluente nos dois
sentidos e há plena normalidade. No entanto, quando uma dessas estradas está
bloqueada, em pouco tempo o trânsito fica congestionado, gerando a necessidade
da abertura de variantes, geralmente inseguras e que funcionam na
contramão. E todo o sistema, em pouco
tempo, fica tumultuado, dando margem a acidentes de percurso.
Foi mais ou menos isto o que o presidente norte-americano,
Ronald Reagan, disse (com outras palavras, é verdade) no discurso que
pronunciou ontem, na Câmara de Comércio dos Estados Unidos. Ele referia-se a
uma controvertida proposta parlamentar, na iminência de ser transformada em lei
nas próximas horas, em tramitação na Câmara dos Deputados, em Washington, no
sentido de se retaliar com dureza aqueles países que utilizarem práticas
desleais, do tipo “dumping”, em seu comércio com os EUA.
Concordamos em grau, gênero e número com os conceitos
emitidos pelo estadista norte-americano. Mas é necessário que se encare o
assunto com objetividade e, sobretudo, com sinceridade. Os verdadeiros cartéis
de compradores de matérias-primas procedentes do Terceiro Mundo, ao fazerem
seus conchavos para aviltar os preços desses produtos, também não agem com
lealdade. Longe disso.
Causam, na verdade, um bloqueio em uma das vias da estrada
bilateral do comércio internacional, forçando os prejudicados a buscarem com
todos os riscos que estas possam envolver. Os países pobres não têm muitas
opções para a colocação de suas mercadorias no mercado. São premidos pelas
circunstâncias e obrigados a aceitar o que lhes é oferecido, já que o número de
seus clientes é bastante restrito.
Como, em geral, têm indústrias incipientes, por não terem
acesso à tecnologia, tudo o que se requer no mundo moderno, para garantir uma
qualidade de vida pelo menos razoável, é fabricado fora de suas fronteiras.
Para adquirir esses bens, precisam, desesperadamente, de dólares, moeda que, a
despeito da atual e vigorosa desvalorização nas principais casas de câmbio dos
países industrializados, é considerada de caráter universal nas transações
internacionais.
Para conseguir fazer “cash”, essas sociedades nacionais de
Terceiro Mundo precisam vender, mais e mais, suas matérias-primas, recursos
naturais com que a natureza as dotou e não raro sua única e exclusiva fonte de
renda.
Todavia, seus poderosos clientes são extremamente
organizados e muito unidos. As principais organizações compradoras de minérios,
de carvão, de fibras vegetais, de alimentos etc., têm suas sedes na Europa. E
determinam a cotação desses produtos, tendo em conta, apenas, as próprias
conveniências, de olho nas planilhas de custo domésticas.
Como nos países industrializados a competição está se
acirrando, ou seja, como uma das vias dessa estrada do comércio internacional
está bloqueada, a disputa se dá nos preços dos produtos finais, que têm que ser
crescentemente menores. Essas reduções, todavia, são sempre impingidas aos mais
fracos. Aos exportadores de matérias-primas.
Assim, o cobre boliviano, o minério de ferro brasileiro e
outros tantos metais nobres, extraídos, por exemplo, de minas de pobres
sociedades nacionais da África, da Ásia e da América Latina, têm o valor aviltado,
da noite para o dia, sem que ninguém se importe com as conseqüências econômicas
e principalmente sociais daí advindas e nem com quem será prejudicado.
A defesa do presidente norte-americano Ronald Reagan, de
um comércio totalmente livre de barreiras, em tese, é bastante judiciosa.
Seria, é claro, o comportamento ideal, desde que valesse para todos, sem
nenhuma exceção. Mas ele precisaria conhecer um pouco melhor a questão, antes
de se pronunciar e de julgar alguns de seus parceiros comerciais como sendo
desleais.
Teria que ouvir, também, a parte considerada a priori como
errada, e não somente os “lobies” que freqüentam as repartições do governo
norte-americano, para saber, de fonte limpa, a razão de certas atitudes
desesperadas que classifica, apressadamente (quando não desonestamente) de
protecionistas.
A honestidade também deve ser uma via de duas mãos, livre
e desimpedida, para que imperem a confiança e, sobretudo, a justiça nas
transações comerciais entre os povos.
(Artigo publicado
na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 28 de abril de 1987).
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