Consumidor lesado, outra vez
Pedro J.
Bondaczuk
O leite do tipo C, aquele raliunho, cujo gosto na maioria
das marcas não é dos melhores e que o consumidor desconfia que tenha mais água
do que nutrientes característicos desse alimento, está com seus preços
liberados. Até aí, tudo bem. A liberação já foi noticiada e comentada
fartamente desde o início da semana.
A notícia que mexe com os brios
do crítico é a que diz que o governo está estudando retaliações aos laticínios,
produtores e beneficiadores do produto que o aumentaram em até 65,4%, quando o
compromisso era o de uma alta de 34%. Como se vê, faz uma falta imensa por aqui
um Ralph Nader, o legendário defensor dos consumidores norte-americanos, que
abriu – e venceu – uma guerra contra aqueles que lesam a boa fé e o bolso do
cidadão.
Fomos, somos e sempre seremos
defensores do livre mercado. Mas insistimos que tal liberdade somente existe
onde não há cartéis, monopólios ou oligopólios. Onde há uma saudável
concorrência entre produtores e comerciantes, envolvendo a dobradinha
irresistível: qualidade e preço.
Em relação ao leite, porém, onde
ela está? Alguém conhece quem esteja vendendo o produto mais barato? O que
causa espanto em tudo isso é a falta de sensibilidade humana. Não é segredo
para ninguém que a qualidade do produto tipo C é sofrível. E não se trata de
crítica vazia e nem de alguma eventual manobra política.
É um fato facilmente constatável.
Basta que qualquer pessoa dê um pulinho ao bar ou armazém da esquina, compre um
litro e prove – se é que há quem não conheça essa má qualidade.
O próprio fato de ser C indica
tratar-se de mercadoria de terceira qualidade. Ainda assim, é o alimento por
excelência da população de baixa renda do País, cerca de 130 milhões de
brasileiros (um Bangladesh e uma Alemanha Oriental somados em termos de
habitantes).
A decisão de liberar o preço
chega a ser trágica para um contingente tão expressivo de pessoas, quando se
sabe que o salário mínimo do Brasil, mesmo com o aumento de 27,14% deste mês, é
o segundo mais baixo do mundo, equivalente a míseros US$ 67, acima somente
daquele que é pago na Guatemala.
Outro fato que não é novidade
para ninguém é a absurda mortalidade infantil brasileira, causada pela
subnutrição e suas seqüelas, ou seja, numa linguagem mais clara e dura: pela
fome. Se a intenção, com a liberação, foi a de estabelecer uma saudável
concorrência, objetivando baratear o produto, algo deixou de ser levado em
conta. Alguma coisa falhou. Quem sabe uma disfarçada cartelização desse setor!
O que não se admite é a vida de tanta gente vir a ser piorada apenas porque
algum tecnocrata deseja testar suas teorias sobre mercado.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 19 de
julho de 1990).
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