Obsessão pelo tempo 1
Pedro
J. Bondaczuk
O tempo, em seus
múltiplos aspectos, é uma das minhas principais obsessões (diria que a maior
delas), quer como escritor, quer como intelectual em busca do sentido das
coisas e, sobretudo, da vida. Não por acaso, o livro que escrevi e pelo qual
tenho a maior afeição (não só entre os que publiquei, mas entre todos os que
produzi, incluindo os dezesseis inéditos), é “Cronos e Narciso”. Ou seja, é o
que tem por tema central esse abstratíssimo conceito, paradoxalmente com tão
concreta importância em nossas vidas. Redigi centenas de crônicas tendo-o por
foco. Abordei-o em dezenas de extensos e analíticos ensaios. Um número que nem
consigo contabilizar de poemas que compus trata de sua passagem e,
principalmente, conseqüências. Vários dos meus contos tratam, sutilmente do
tempo. Como se vê, ele é, mesmo, minha obsessão, no mais lato sentido, sem
tirar e nem por.
Quando penso em mudar
de assunto, eis que termina mais um ano e, por conseqüência, outro começa na
sequência (como é o presente caso). E lá vou eu de novo tratar batidíssimo,
porém inesgotável tema, enfocando novos ângulos que não havia, ainda, abordado.
Hoje resolvi fazer algo diferente a respeito: realizar uma rápida e informal
pesquisa, sem nenhum método especial, sobre como alguns dos meus poetas preferidos
trataram e têm tratado do assunto. Claro que, se eu fosse me aprofundar,
reuniria poemas suficientes para preencher não só um espaço, como este, mas
toda uma coleção de antologias sobre o tema. Talvez um dia eu elabore uma, mas
não para publicação, contudo para meu próprio deleite.
Pesquisando alguns
livros de poesia a esmo, reuni alguns (poucos) versos e até poemas completos
alusivos ao tema que peço licença para partilhar com vocês. A primeira peça
literária do gênero é uma jóia de sensibilidade e inteligência de Cecília
Meirelles. Separei de um de seus poemas (cujo título esqueci de anotar, mas não
importa) quatro expressivos versos. No primeiro deles, a poetisa indaga: “De
que são feitos os dias?”. E na sequência responde, de forma lírica e bela:
“De
pequenos desejos,
vagarosas
saudades,
silenciosas
lembranças”.
E não são essas, ao fim
e ao cabo, as matérias-primas dos dias? Claro que são!!! Já a poetisa
norte-americana Emily Dickinson explora outro aspecto desse abstrato, posto que
tão concreto ditador de nossas vidas, nestes dois magníficos quartetos:
“Dizem
que o tempo ameniza
Isto
é faltar com a verdade
Dor
real se fortalece
Como
os músculos, com a idade
É
um teste no sofrimento
Mas
não o debelaria
Se
o tempo fosse remédio
Nenhum
mal existiria”.
O tempo não ameniza
coisa nenhuma nossas dores e frustrações. Apenas “encrua-as” e as mantêm,
digamos, “congeladas”, em uma hibernação que pode acabar a qualquer momento,
voltando à tona não raro com redobrada intensidade. Já o “poetinha” Vinícius de
Moraes trata da principal conseqüência da passagem do tempo: o envelhecimento.
Conclui, nos versos mágicos deste “Soneto de aniversário”, que há algo que
nunca fica velho, passem quantos anos passarem. Diz:
“Passem-se
dias, horas, meses, anos
Amadureçam
as ilusões da vida
Prossiga
ela sempre dividida
Entre
compensações e desenganos.
Faça-se
a carne mais envelhecida
Diminuam
os bens, cresçam os danos
Vença
o ideal de andar caminhos planos
Melhor
que levar tudo de vencida.
Queira-se
antes ventura que aventura
À
medida que a têmpora embranquece
E
fica tenra a fibra que era dura.
E
eu te direi: amiga minha, esquece...
Que
grande é este amor meu de criatura
Que
vê envelhecer e não envelhece”.
Pois é, o amor genuíno,
profundo, correspondido ou não, nunca fica velho. Ou seja, não acompanha o
envelhecimento dos respectivos amantes. O meu, pelo menos, nunca envelheceu e
nem dá o mínimo sinal de velhice próxima, embora eu esteja prestes a completar
meu 74º aniversário. Certamente o seu também, prezado leitor, nunca envelheceu.
Querem versos mais bonitos e verdadeiros sobre o tempo do que este trecho da
composição “Roda Viva” de Chico Buarque?:
“Tem
dias que a gente se sente
Como
quem partiu ou morreu
A
gente estancou de repente
Ou
foi o mundo então que cresceu (...)”
Lindo, lindo, lindo!
Como lindo, também, é este soneto do meu conterrâneo Mário Quintana (este não
poderia faltar!), intitulado “Recordo ainda”:
“Recordo
ainda... e nada mais me importa...
Aqueles
dias de uma luz tão mansa
Que
me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum
brinquedo novo à minha porta...
Mas
veio um vento de Desesperança
Soprando
cinzas pela noite morta!
E
eu pendurei na galharia torta
Todos
os meus brinquedos de criança...
Estrada
afora após segui... Mas, aí,
Embora
idade e senso eu aparente
Não
vos iludais o velho que aqui vai:
Eu
quero os meus brinquedos novamente!
Sou
um pobre menino... acreditai!...
Que
envelheceu, um dia, de repente!”
Encerro estes
descompromissados comentários à margem com versos “mágicos” de outro “monstro
sagrado” das letras mundiais, que foi este gênio francês chamado Victor Hugo:
“Desejo
que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E
quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda
haja amor para recomeçar.
E
se tudo isso acontecer,
Não
tenho mais nada a desejar”.
Isso é o que também lhe
desejo, amável e fiel leitor. E não apenas para o próximo ano que se aproxima,
mas ao longo de toda a sua vida. Ou seja, que você se ame, e que ame ao
próximo, “hoje, amanhã e nos dias seguintes”, enquanto houver tempo para amar,
o que significa viver. E que este seja, como é para mim, também a sua
obsessão!!! E, como Hugo afirma, “não tenho mais nada a desejar” a você e ao
mundo, se não um dilúvio de amor!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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