Olho
clínico de Reagan
Pedro J. Bondaczuk
O presidente norte-americano Ronald Reagan foi salvo
de uma catástrofe política, no escândalo “Irã-contras”, graças à extrema
lealdade das pessoas que serviram com ele quando da ocorrência do caso. Nenhum
deles, em momento algum, nas onze semanas de depoimentos nas comissões mistas
do Congresso que investigam a questão, disse qualquer coisa, por mínima que
fosse, que desse a entender que o mandatário tenha ordenado (ou que sequer
tivesse conhecimento) da transferência ilegal de fundos para os
anti-sandinistas, quando a ajuda a eles estava proibida por uma lei do
Legislativo.
Houve, é verdade, uma sucessão de contradições e até
uma espécie de briga entre as testemunhas. Mas todas, desde Robert McFarlane,
passando pelo general Richard Secord, pelo tenente-coronel Oliver North e pelo
vice-almirante John Poindexter, foram absolutamente fiéis ao seu chefe.
Todavia, as declarações contraditórias feitas pelo
próprio Reagan não passaram em brancas nuvens. Ele disse e desdisse tanta
coisa, que confundiu a cabeça de todo o mundo. Com certeza, até a sua própria.
Afirmou, por exemplo, em 6 de novembro de 1986, dias depois de um jornal sírio
ter revelado o escândalo ao público e da imprensa norte-americana ter começado
a explorar o tema: “Essa história não tem fundamento algum”.
Na oportunidade, véspera das eleições para a
renovação do Congresso, o presidente estava por cima. As pesquisas de opinião
refletiam que ele gozava de imensa popularidade e ele usava politicamente esse prestígio
em favor de candidatos republicanos à Câmara e ao Senado.
É verdade que o seu partido foi derrotado nas urnas.
Mas se Reagan não interviesse, na ocasião, o desastre teria sido total. E as
eleições de novembro do ano passado não foram assim tão aziagas para ele.
Afinal, em termos de governos estaduais, seus liderados conquistaram uma
expressiva vitória, tomando muitas unidades federativas importantes das mãos
dos democratas.
Uma semana depois de ter garantido que a história da
venda secreta de armas ao Irã não tinha qualquer fundamento, o presidente
cometeria seu primeiro (de uma série enorme) deslize. Num pronunciamento feito
à nação pela TV, quando uma avalanche de recriminações despencava sobre a Casa
Branca, ele afirmou: “Nos últimos dezoito meses conduzimos uma iniciativa
diplomática secreta com o Irã. Autorizei a transferência de pequenas
quantidades de armas defensivas e peças de reposição para o sistema de defesa
do Irã”.
Em 19 de novembro, Reagan diria, em entrevista à
imprensa: “Não fomos complacentes com o embarque de armas de outros países para
o Irã. Não havia um terceiro país envolvido”. O desmentido, desta vez, não
levaria uma semana, como o anterior. Apenas vinte minutos depois de fazer essa
declaração aos jornalistas, a Casa Branca emitia uma nota oficial dizendo:
“Talvez eu tenha sido mal-interpretado. Havia um terceiro país envolvido em
nosso projeto secreto no Irã”. E não somente um terceiro, como um quarto, um
quinto, um sexto...um vigésimo-quinto etc.
Não fosse, portanto, a lealdade do seu “staff”,
zeloso em destruir provas incriminadoras e em assumir toda a responsabilidade
de algo que a lógica diz que nenhum desses colaboradores certamente fez, o
presidente poderia estar amargando, agora, até um fim melancólico de carreira,
possivelmente com um pedido de “impeachment” tramitando a esta altura no
Congresso.
Apenas este senso de amizade pelo chefe é que vai
permitir a Reagan encerrar, tranqüilamente, seu segundo mandato presidencial,
em 20 de janeiro de 1989, fazendo, até, quem sabe, o seu sucessor na próxima
eleição presidencial a ser realizada no ano que vem. Pelo menos para escolher
subordinados, ele revelou ter um olho clínico como ninguém.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 1º de agosto de 1987)
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