Wednesday, December 21, 2016

Olho clínico de Reagan



Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano Ronald Reagan foi salvo de uma catástrofe política, no escândalo “Irã-contras”, graças à extrema lealdade das pessoas que serviram com ele quando da ocorrência do caso. Nenhum deles, em momento algum, nas onze semanas de depoimentos nas comissões mistas do Congresso que investigam a questão, disse qualquer coisa, por mínima que fosse, que desse a entender que o mandatário tenha ordenado (ou que sequer tivesse conhecimento) da transferência ilegal de fundos para os anti-sandinistas, quando a ajuda a eles estava proibida por uma lei do Legislativo.

Houve, é verdade, uma sucessão de contradições e até uma espécie de briga entre as testemunhas. Mas todas, desde Robert McFarlane, passando pelo general Richard Secord, pelo tenente-coronel Oliver North e pelo vice-almirante John Poindexter, foram absolutamente fiéis ao seu chefe.

Todavia, as declarações contraditórias feitas pelo próprio Reagan não passaram em brancas nuvens. Ele disse e desdisse tanta coisa, que confundiu a cabeça de todo o mundo. Com certeza, até a sua própria. Afirmou, por exemplo, em 6 de novembro de 1986, dias depois de um jornal sírio ter revelado o escândalo ao público e da imprensa norte-americana ter começado a explorar o tema: “Essa história não tem fundamento algum”.

Na oportunidade, véspera das eleições para a renovação do Congresso, o presidente estava por cima. As pesquisas de opinião refletiam que ele gozava de imensa popularidade e ele usava politicamente esse prestígio em favor de candidatos republicanos à Câmara e ao Senado.

É verdade que o seu partido foi derrotado nas urnas. Mas se Reagan não interviesse, na ocasião, o desastre teria sido total. E as eleições de novembro do ano passado não foram assim tão aziagas para ele. Afinal, em termos de governos estaduais, seus liderados conquistaram uma expressiva vitória, tomando muitas unidades federativas importantes das mãos dos democratas.

Uma semana depois de ter garantido que a história da venda secreta de armas ao Irã não tinha qualquer fundamento, o presidente cometeria seu primeiro (de uma série enorme) deslize. Num pronunciamento feito à nação pela TV, quando uma avalanche de recriminações despencava sobre a Casa Branca, ele afirmou: “Nos últimos dezoito meses conduzimos uma iniciativa diplomática secreta com o Irã. Autorizei a transferência de pequenas quantidades de armas defensivas e peças de reposição para o sistema de defesa do Irã”.

Em 19 de novembro, Reagan diria, em entrevista à imprensa: “Não fomos complacentes com o embarque de armas de outros países para o Irã. Não havia um terceiro país envolvido”. O desmentido, desta vez, não levaria uma semana, como o anterior. Apenas vinte minutos depois de fazer essa declaração aos jornalistas, a Casa Branca emitia uma nota oficial dizendo: “Talvez eu tenha sido mal-interpretado. Havia um terceiro país envolvido em nosso projeto secreto no Irã”. E não somente um terceiro, como um quarto, um quinto, um sexto...um vigésimo-quinto etc.

Não fosse, portanto, a lealdade do seu “staff”, zeloso em destruir provas incriminadoras e em assumir toda a responsabilidade de algo que a lógica diz que nenhum desses colaboradores certamente fez, o presidente poderia estar amargando, agora, até um fim melancólico de carreira, possivelmente com um pedido de “impeachment” tramitando a esta altura no Congresso.

Apenas este senso de amizade pelo chefe é que vai permitir a Reagan encerrar, tranqüilamente, seu segundo mandato presidencial, em 20 de janeiro de 1989, fazendo, até, quem sabe, o seu sucessor na próxima eleição presidencial a ser realizada no ano que vem. Pelo menos para escolher subordinados, ele revelou ter um olho clínico como ninguém.  

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 1º de agosto de 1987)


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk       

No comments: