Monday, April 09, 2012







Um “Toque de Classe” no ar

Pedro J. Bondaczuk

A apresentação de programas musicais na televisão, quando não acompanhada de cenários magníficos, de dança e de outros recursos visuais para prender a atenção do telespectador, geralmente costuma não vingar. Acaba ficando cansativa e forçando a pessoa que está assistindo a mudar de canal. Nós, pelo menos, sempre fomos contrários a esse tipo de programa, mais apropriado para o rádio. Afinal, TV é, acima de tudo, imagem.

Todavia, essa nossa convicção ficou um tanto abalada, tempos atrás, quando tivemos a oportunidade de ver algo no gênero que tinha tudo para confirmar a nossa tese e que, no entanto, não confirmou. Trata-se da apresentação do “Um Toque de Classe”, levado ao ar em todas as quartas-feiras, às 22h20, pela Rede Manchete.

Há tempos tínhamos a intenção de comentar esse programa, mas preferimos, cautelosamente, aguardar um pouco, assisti-lo durante várias semanas, para conferir se o seu altíssimo padrão de bom gosto se mantinha sempre estável. E se manteve. Isso vem provar que a boa música, interpretada por gente competente, prescinde de qualquer outro enfeite que não seja sua própria harmonia para agradar a todos os ouvidos. Ela é intemporal, eterna, sem pátria e sem fronteira e nem qualquer outro tipo de barreira. Para avaliá-la, só mesmo usando o critério da sensibilidade.

Uma boa composição dispensa artifícios. Não necessita que aquele que a ouve seja músico, crítico ou entendido. Ela toca a sensibilidade e prende totalmente a atenção. O “Um Toque de Classe” da última quarta-feira fez uma salada exótica que, vista no papel, teria tudo para não funcionar. Imagine o leitor um programa em que aparecem, juntos, uma “!Serenata”, de Franz Schubert, a canção “Quem sabe”, do nosso imortal Carlos Gomes, o “Mambo Jambo” e a “Rapsody in Blue”, apenas para citar alguns itens do repertório. Parece um cardápio, no mínimo, incompatível, não é mesmo? É como comer macarronada com feijoada e pizza, tudo ao mesmo tempo, acompanhados de um pinguinha com fatias de melancia. Parece (e é) algo indigesto.

Entretanto, para surpresa nossa, e certamente de muitos outros telespectadores que comentaram este programa conosco, foi isso o que o apresentador Arthur Moreira Lima apresentou no ar e, o que é mais surpreendente, com um resultado extremamente gostoso. A seleção conseguiu prender a atenção sem que no cenário houvesse luzes estroboscópicas ou coisa semelhante, mulheres desnudas fazendo ginástica ou aquela famosa fumaçazinha tão usada nas gravações de “clips”.

O cenário, embora equilibrado e de extremo bom gosto, eras despojado, o que confirma que o cenógrafo e figurinista da Manchete, Arlindo Rodrigues, é, mesmo, gênio. O segredo do “Um Toque de Classe” esteve em três pontos, nesse programa específico (como ademais em vários outros que assistimos em semanas anteriores). Na apresentação competente desse que é um dos maiores e mais consagrados pianistas brasileiros de todos os tempos, que, além de tudo, é um homem extremamente culto. Na qualidade das músicas, com linhas melódicas de raríssima sensibilidade. E, principalmente, nos intérpretes.

Se alguém comentasse conosco que Ney Matogrosso havia incorporado a canção de Carlos Gomes, “Quem sabe”, ao seu repertório, certamente a nossa reação inicial seria de choque. Iríamos achar isso incompatível. Mas ouvindo a composição na voz desse artista surpreendente, o resultado foi devastador (no sentido positivo). O casamento foi para lá de perfeito. A plangência e o toque de tristeza que o compositor certamente quis dar a ela apareceram ao natural, de corpo inteiro.

Outro malabarismo musical de impacto foi a apresentação do clássico da música norte-americana, “Rapsody in Blue”, ao som da Orquestra Tabajara, em ritmo de samba. E isso sem que a música perdesse nada da sua qualidade, ao contrário, ganhando essa alegria que o nosso povo reflete em tudo o que faz e que está presente também em nossas manifestações musicais. O maestro Severino Araújo, nos seus 68 anos de idade, foi outra surpresa. Parece um jovem, com menos de 30 anos. Ainda mais quando a sua orquestra, que tem meio século de existência e é a mais antiga em atividade no Brasil, ataca um mambo, algo que sempre a caracterizou.

Por tudo isso, colocamos, prazerosamente, a nossa “mão no fogo” e recomendamos ao leitor, que ainda não tenha assistido, “Um Toque de Classe”, que se ligue na próxima quarta-feira, às 22h20, na Rede Manchete, para conferir tudo o que afirmamos acima. Aliás, das emissoras comerciais, a “caçula” é a única que vem revelando umas preocupação sadia de fazer uma programação voltada para todos os gostos. E quando apresenta um programa tipo “Classe A”, tem sensibilidade sufi8ciente para trazer o telespectador a esse patamar e não se nivelar por baixo com ele, para conquistar índices de audiência. Demonstra, sobretudo, aquilo que o crítico tem cobrado há anos dos programadores: criatividade.

(Comentário publicado na página 19, editoria de Arte e Variedades do Correio Popular, em 5 de abril de 1986).

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